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De que adianta ser um mestre?
  Há uma  ideia recorrente de uma visão superficial do misticismo que vê o mestre  espiritual como um grande ser iluminado, digno de toda reverência, cujos  ensinamentos praticamente não podem ser questionados... Mas em quê exatamente  isso auxilia o cominho dos discípulos do mestre, e do próprio mestre?
Nenhum  mestre chamaria a si mesmo de mestre, pois sabe que, se chegou aonde chegou,  foi não somente pelo auxílio dos caminhantes de outrora, como pela lenta  lapidação de si mesmo, da própria alma, um pensamento de cada vez, um passo de  cada vez.
E, se  aceita que outros lhe chamem assim, “mestre”, é porque sabe muito bem que houve  época em sua andança espiritual em que ele mesmo também teve a necessidade de  crer que existia algum guru espiritual que o pegaria pela mão e caminharia  junto dele, sem que houvesse necessidade de ir a fundo de si mesmo, e encarar a  própria sombra, os próprios medos, as próprias culpas, inteiramente só...
Mas  então, depois que descobriu que não existem mestres, e que cada um só pode  mesmo ser o mestre de si, também passou, quase que na mesma passada, a  compreender que o único mestre é o amor:
Pois o amor é paciente, o amor é  gentil. Ele não é ciumento, nem invejoso, nem soberbo, nem rancoroso. Ele  sempre aguarda; ele sempre confia; ele sempre persiste; e ele jamais acaba. (Paulo  de Tarso, Carta aos Coríntios)
É assim  que podemos conhecer a fundo toda exegese bíblica, uma centena de mantras  hindus, todas as nobres verdades de Buda e tudo o que se comentou sobre elas ao  longo dos séculos, toda a filosofia grega, toda a simbologia do tarô, toda a  história da ciência moderna, e muito mais, mas, sem a vivência de tais  conhecimentos, sem a conexão com a essência da realidade, sem o mergulho íntimo  nesse amor eterno, o que seríamos? Seríamos realmente mestres de alguma coisa?
É assim  que chegamos a este meme de Yoda, um mestre jedi que também não chama a si  mesmo de mestre, e que é a própria imagem da força espiritual: ela vem de  dentro, não de fora. Ela é oculta, não aparente. E ela jamais acaba...
Pertencer a uma Ordem Iniciática não  faz de você uma pessoa melhor;
    ter muitos conhecimentos magísticos  não faz de você uma pessoa melhor;
    estar em uma religião não faz de  você uma pessoa melhor;
    ser uma pessoa melhor faz de você  uma pessoa melhor.
    (Frater Alef)
O que pode ser mudado
  Recentemente  surgiu nas redes sociais uma espécie de movimento filosófico  que prega o “ficar de boas”, ou seja, o “estar  em paz com a vida”. Ele foi chamado, como muitos devem saber, deboísmo.
O que  nem todos devem saber, no entanto, é que o sucesso do deboísmo se deve em  grande parte a sua similaridade com outra corrente filosófica muito mais  antiga, o estoicismo:
Este mundo é uma única cidade, a  substância da qual ele é feito é una e, necessariamente, existe uma revolução  periódica, os seres cedem lugar uns aos outros, uns se dissolvem enquanto  outros aparecem, uns estão fixos e outros em movimento. Tudo está repleto de  amigos, antes de tudo os deuses, em seguida os homens que a natureza uniu  intimamente uns aos outros. Uns são dados a viver juntos, outros a se separar;  é preciso regozijar-se por estar juntos, e não se afligir por dever se separar.  O homem, além de sua grandeza natural e de sua faculdade de desprezar o que não  depende da sua escolha, possui ainda esta propriedade de não criar raízes e de  não estar amarrado à terra, mas de ir de um lugar a outro, seja pressionado  pelas necessidades, seja simplesmente para poder contemplar. (Discursos de  Epicteto, III, 24)
A  condição principal para a pacificação da alma, tanto no estoicismo como em  diversas outras correntes filosóficas e/ou religiosas, é justamente a  compreensão de que somos apenas pequenos atores em uma peça teatral cujo  roteiro supera em muito a nossa atual compreensão. Não nos cabe querer dirigir  o que não compreendemos, e ademais seria inútil tentar: há sim muitas coisas  que escapam ao nosso controle, a nossa decisão, ao nosso poder.
Mas é  justamente nesse “deixar levar” das coisas que não temos realmente controle que  nós passamos a voltar nosso foco mental, nossa atenção, para aquilo que é  realmente importante, aquilo que podemos mudar: a nossa reação interna, a forma  como interpretamos o mundo; em suma, cada um de nossos pensamentos que surge,  genuinamente, de nossa mente, de nossa alma, e que “não veio de fora para nos  importunar”.
E é  precisamente nesse entendimento, nessa compreensão do que pode e do que não  pode ser mudado, que iniciamos finalmente na via da sabedoria; e então, se a  total pacificação da alma pode ainda se encontrar distante, fato é que a cada  passo neste caminho nos tornamos mais confiantes, mais tranquilos, mais “deboas”...
As coisas se dividem em duas: as que  dependem de nós e as que não dependem de nós. Dependem de nós o que se pensa de  alguma coisa, a inclinação, o desejo, a aversão e, em uma palavra, tudo o que é  obra nossa. Não dependem de nós o corpo, a posse, a opinião dos outros, as  funções públicas, e, numa palavra, tudo o que não é obra nossa. O que depende  de nós é, por natureza, livre, sem impedimento, sem contrariedade, enquanto o  que não depende de nós é fraco, escravo, sujeito a impedimento, estranho.  (Manual de Epicteto, I)
Deuses dançarinos
  Uma vez  Friedrich Nietzsche, o grandioso bigodudo da filosofia alemã, disse que “só  poderia crer num Deus que soubesse dançar”.
O que o  alemão criticava não era a religiosidade, tampouco a espiritualidade poética de  deuses dançarinos, mas antes a sisudez e a ortodoxia do cristianismo de sua  época, em que os fiéis se abstinham quase que totalmente de suas experiências  místicas, de suas danças sagradas, para reler os relatos antigos das  experiências dos outros, de muitos séculos atrás.
Fato é  que o cristianismo, de lá para cá, acabou realmente se tornando menos sisudo,  menos ortodoxo, e mais carismático, em muitos sentidos, e talvez isso agradasse  Nietzsche... Ele certamente preferiria dançar ao lado de Jesus do que ouvir a  uma missa, se levantando, sentando e gesticulando junto com os demais, em  momentos pré-estabelecidos.
No fundo,  o que este e os demais memes quiseram lhes trazer é tão somente uma reflexão  bem humorada acerca de tais assuntos transcendentes. Levar a vida muito a  sério, sem dançar de vez em quando, não parece ser o caminho mais eficiente  para a espiritualidade...
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Crédito das imagens: Raph/Google Image Search
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