A arte da magia, uma entrevista com Alan Moore (parte final)
Trechos da entrevista de Alan Moore para a revista Pagan Dawn, orginalmente em inglês, com tradução de Rafael Arrais.
Sam: Você esteve trabalhando no Moon and Serpent Bumper Book of Magic com Steve Moore. Este trabalho mira apresentar o conhecimento esotérico de uma forma totalmente prática e compreensível. Seria correto dizer que esta obra seria um passo além de onde você parou com Promethea, e qual o estágio do seu desenvolvimento?
Alan: Seria mais preciso dizer que Promethea foi um instrutivo primeiro passo, um Moon and Serpent não-oficial que nos ajudou a moldar nossas ideias para este grimório mais sério e elaborado que nós sempre falamos em produzir um dia.
O ensaio final está concluído, mas ainda há algumas seções do texto que preciso retrabalhar e finalizar, e no momento ainda estamos em busca dos artistas apropriados para cada uma das suas seções. Penso que será lançado, no mínimo, em meados de 2016.
Sam: Quais foram as fontes que mais o ajudaram em sua própria jornada mágica?
Alan: Tudo o que li foi de alguma forma útil para mim, mesmo os dementes que aparecem de vez em quando, que nos dão uma instrução muito útil sobre como não pensar.
Pelo lado positivo, tenho de dizer que a obra de Robert Anton Wilson foi altamente iluminadora, que William Blake e Austin Osman Spare me trouxeram algumas bases inestimáveis e que, acima de tudo, a maior influência sobre minha teoria e prática mágicas foi, seguramente, Steve Moore.
Sam: Em Fossil Angels você alertou sobre a necessidade de uma série de mudanças de comportamento em relação à prática da magia. Você acredita que alguma coisa mudou desde que o seu ensaio foi publicado?
Alan: Usualmente tais ideias levam anos ou décadas para se tornarem visíveis. Eu tenho certeza de que houve mudanças aqui e ali, mas não esperaria ver ainda uma grande reação.
Eu penso que ainda há mais trabalho a ser feito sobre a definição ou redefinição da identidade pública da magia antes de podermos ver um número significante de pessoas tomaram este caminho de forma mais séria.
Sam: Por acaso você se sente relacionado com a tradição bárdica do druidismo e sua conexão com o Awen [inspiração poética]?
Alan: Certamente. A tradição bárdica da magia, onde as sátiras eram justificadamente mais temidas do que maldições, e os compositores eram respeitados como magistas poderosos, e não como músicos sobrevivendo às margens da indústria do entretenimento, é uma tradição que faria muito bem aos ocultistas e escritores que por ventura se interessem em se familiarizar. Você pode matar ou curar com a palavra. Arregace suas mangas e corra atrás deste conhecimento.
Sam: Você vê a magia cerimonial como algo acessível e sem grande complexidade para todos, sejam druidas, pagãos, cristãos, budistas, hindus, ou o que for?
Alan: Bem, se as pessoas estão imersas no que Robert Anton Wilson se referiu como "um túnel de realidade", e a sua mentalidade religiosa dita que a magia é inexistente, má ou herege, então se relacionar com ela dificilmente será algo acessível ou simples. Eu creio que é melhor abordar a magia com uma mentalidade genuinamente aberta e nenhum "apego aos resultados". Se a sua mente não está voluntariamente receptiva em sua porta de entrada, então é mais provável que ela seja arrombada pela experiência mágica em si mesma, com consequências possivelmente desastrosas.
Preconceitos religiosos ou racionalistas, creio eu, contribuem para o que William Blake chamou de "algemas forjadas pela mente", e progredir mais neste assunto poderia se provar antiético.
Sam: Você é um reconhecido defensor de Northampton [cidade natal de Moore]. Seria parte disso uma conexão que você sente com a terra dos seus ancestrais?
Alan: Eu me sinto conectado com os processos históricos, geográficos, sociopolíticos e genéticos que resultaram nisto que eu sou. Da mesma forma, ao permanecer muito tempo num mesmo lugar você adquire uma compreensão mais profunda do seu significado e, por extensão, do significado que aguarda por ser descoberto em qualquer outro lugar do planeta.
E, claro, como destacou Spike Milligan, todos têm de estar em algum lugar.
Sam: Conte-nos mais sobre as performances musicais e teatrais das quais participou junto ao Moon and Serpent Grand Egyptian Theatre of Marvels. Tendo passado a maior parte de sua carreira nos teclados e máquinas de escrever, qual a importância desse tipo de performance ao vivo para você?
Alan: Na época das apresentações, eu sentia que era aquilo que nós fomos instruídos a fazer. Eu sempre gostei de performances, claro, dentro de certos limites. É uma experiência muito diferente de trabalhar nos teclados, como você disse.
No entanto, ultimamente eu tenho recusado muitas aparições ao vivo e apresentações. É que simplesmente não sinto que é o tipo de coisa em que devo me focar no momento.
Sam: Finalmente, você tem algum conselho para magos e artistas inexperientes que estejam nos lendo?
Alan: Sim. Lembre-se de que quando eu digo que a magia e a arte são equivalentes, você não deve deduzir que estou dizendo que a magia é somente arte; que estou de alguma forma tentando reduzir a magia ao associa-la com algo que todos creem ser algo comum e factível.
O que estou dizendo, em realidade, é que toda arte é e sempre foi tão somente magia, que todas as extraordinárias recompensas que dizem que podemos conquistar através da magia também podem ser alcançadas pela arte, e todos os horrores, pesadelos e perigos comumente associados à prática da magia também ameaçam o artista ou o escritor.
Aborde o seu trabalho com tanta reverência, compaixão, inteligência e precaução quanto você teria ao encontrar com um suposto anjo, deus ou demônio. A arte pode lhe matar ou lhe levar a loucura tanto quanto a invocação dos 72 Espíritos Infernais da Goétia de Salomão, e se você duvida disso, considere todos os artistas, poetas e atores que se suicidaram ou arruinaram suas vidas – aposto que a lista não será curta.
A arte e a magia são provavelmente as realizações mais preciosas da humanidade, elas são o nosso contato mais íntimo com a eternidade. Leve-as a sério; leve a sério a si mesmo, e lembre-se de que a sua arte e a sua magia são tão grandiosas, tão plenas de poder, tão perigosas e belas quanto você pode imaginá-las em seu ser.
Não as busque na esperança de obter dinheiro, poder, fama e status, ou como uma modinha, mas pelo que elas são em si mesmas. É este o significado da devoção, e se for praticada da forma certa, ela pode lhe transformar, assim como o mundo em que vive.
Oh, e encontre algum deus ou equivalente, ou melhor, deixe que um deus lhe encontre. Eu sugeriria um deus com algum cabelo estiloso, mas isso pode ser somente meu gosto pessoal. Boa sorte.
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Comentário final
Devido a se tratar de uma entrevista já demasiado longa para ser publicada na íntegra aqui no blog, eu optei por ignorar algumas perguntas que, no fim das contas, são quase um “lugar comum” nas raríssimas entrevistas de Moore. Para quem tiver curiosidade, tais perguntas tratavam de Glycon (o controverso deus serpente da Antiguidade, o “deus escolhido” por Moore), das adaptações de suas obras para o cinema (em suma, ele continua achando tudo horrível e não quer tomar parte), de Grant Morrison (solenemente ignorado na resposta: “não creio que seja nem um escritor nem um mago”) e Austin Osman Spare (que Moore tem em grande crédito: “um mago quase perfeito”).
Crédito da foto: momentofmoore.com (Alan Moore)
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