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12.3.13

Mãos à obra!

“De que lado é que veio este vento?”
Não há lados.

“De onde é que você me chamou?”
Não há “onde”. Há somente o chamado...

“Porque não me deixa em paz? Tenho sono...”.
Não há sono no mundo!

“Quero ser um fantoche, não um ator”.
Não lhe imaginei como um fantoche;
O imaginei como grande herói,
Grande aventureiro da própria vida,
Argonauta dos sete mares!

“Não quero navegar, não quero ser náufrago...”.
Navegar é preciso!

A vida no medo
É como uma ilha de náufragos no deserto
Tateando atrás duma gota d’água...
Ó herói temerário, aventura-te!
Desperta enfim!
Há água por todos os lados...
Há um Oceano a tua volta!

“Quero viver, não morrer. Tenho medo”.
Viver não é preciso
Nem mesmo necessário...
Isto que chama “vida”
É somente um entreato entre gloriosas aventuras
E viagens inimagináveis
Senão em sonhos.

Ó herói sonolento, aventura-te!
Viver não é preciso
Criar é preciso.

Estou lhe chamando para uma aventura
Pelos caminhos tortuosos para dentro de ti mesmo
Que escondem, por detrás da cordilheira dos dragões famintos
Um Reino de Liberdade!

Estou lhe convidando:
Desperta, enfim, em meu Reino...

Mãos à obra, a Grande Obra!


raph’13’A.’.A.’.

***

Crédito da imagem: one2one

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5.2.13

O Reino

I.
“Que é a vida?”
Um desconhecido me perguntou
Há muitas vidas, quando lhe disse:
“A vida é o que me foi revelado
Por um profeta cheio de segredos
Falando aos brados”

“Tudo é pecado, tudo é pecado!”
Gritava aquele homem santo
Que sabia ver a sombra do Demônio
Debaixo de cada pedra e galho seco...

Com ele aprendi a orar para me salvar
Do grande Fim de Tudo
E do Julgamento do Pai Justo:
Aquele quem diria quem de nós iria ao Céu
E quem iria arder abaixo da Terra

Mas, foi nalguma vida que pensei...
“Ó Pai Justo e Onisciente, se Tu a tudo criou
Mesmo o Inferno é Tua obra
E mesmo do que lá ocorre, Tu bem sabes:
Sabes de cada gemido e ranger de dentes
De cada filho Teu a arder no enxofre
Sabes perfeitamente!”

Foi nesta vida que tornei-me ateu...

II.
“Que é a vida?”
Perguntei a um rabi que andava pela Galileia
E parecia estar cheio de vida
No olhar
E em todos os poros do corpo...

“A vida é uma festa que se dá no Reino”
“Mas onde está o Reino, é alguma ilha além do mar?”
“Se o fosse, os peixes teriam nos precedido...”
“Então, estaria acima das nuvens?”
“Se estivesse, os pássaros seriam já como anjos...”
“Onde está tal Reino? Diga-me, ó rabi!”

“Primeiro é preciso que você aprenda a dançar;
Pois que, do contrário, não será convidado para a festa”

III.
Foi então que me dediquei a essa tal dança
De corpo e alma
E, em cada vida que fosse
Se houvesse aprendido mais um passo
Um movimento sequer...

Não teria vivido em vão

IV.
“Que é a vida?”
Me perguntará outro desconhecido
Nalguma vida que virá;
E eu citarei o rabi:
“Uma dança. Uma dança belíssima”

E mostrarei seus passos
E o desconhecido ficará espantado
E achará que sou um homem santo
Ou profeta...

“Não há santos nem profetas”
“Mas como se pode dançar tão perfeitamente?”
“Nenhuma dança nunca será perfeita”
“Mas quero dançar como tu, ó dançarino!”
“Digo-te o que me disse uma vez um rabi, há muitas vidas:
Tudo que tenho feito, dia virá que farão o mesmo
Mesmo a minha dança, dia virá que a dançarão com ainda mais vida
E ainda mais entusiasmo
Pois que são deuses
E é dançando
Que os deuses alcançam ao Céu”

“Mas, onde está o Céu?”
“Onde sempre esteve: na alma do dançarino...
Hoje danço e apenas danço
E sei que nada precisa ser revelado
Além do que já percebo em meu coração
Ouça, ouça o ritmo!”
“Nada ouço, ó dançarino”
“Como pode?
Como pode não ouvir o ritmo da vida
Na ânsia por si mesma
Tempestuosa e caudalosa
Preenchendo todos os espaços?”

“Onde está a vida? Está aqui, no presente?”
“O presente é como um rio a escaldar
Uma chuva torrencial
De vida ancestral

Não há mais medo
Não há mais dúvida ou certeza
Não há mais profecias
Nem Deus ou o Demônio
Há apenas esta dança na chuva
Há apenas esta vida, gota de inúmeras outras
Que encharcam há tudo que há...

Agora vejo:
Debaixo da cada pedra e galho seco
Além do mar e das nuvens
E ainda dentro da alma que dança:
Tudo foi Céu
Tudo será Céu
Tudo é Céu!”

Bem vindo, tu que não é mais desconhecido
Meu semelhante...
Bem vindo ao Reino

raph'13'A.'.A.'.

***

Crédito da foto: favim.com (Anônimo)

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1.6.12

Reflexão

I.

Por muito tempo busquei o amor
Por muito tempo dele procurei
Nos recândidos do mundo
Perguntando a mim mesmo
De algo que jamais saberei

Agora, em silêncio profundo
Basta-me saber da lei:
Quero é ser o amor
Como a abelha é parte da colméia
Quero é viver o amor
Como só tu o soube
Ò rabi da Galileia

II.

Eis me aqui neste templo mental
Cercado de anjos e velhos pretos
Dançando ao toque
Do tambor ancestral...

Agora, em silêncio profundo
Basta-me imaginar ao sol
A iluminar divina cachoeira
– Um longo rio a desaguar
No mais belo jardim

Quem lá esteve, sabe que é assim:
O Éden não foi, nem será...
Em nossa volta
Na mente plena de paz
Tudo apenas é

III.

Por muito tempo busquei a luz
E, partindo de mim
Tal qual raio, a projetar
Até que um ser alado
Das falanges de muitas eras atrás
Ensinou-me a evocar
A pirâmide branca
De cume dourado...

Como o ótico de Haia
Vi a luz em reflexão
Dos confins do Cosmos
Até este nosso mundo
– Charco de solidão

IV.

Eis me aqui envolto em rede
De luz eterna
Tecida entre dois planos
Tão próximos
Tão distantes...

Eis o que sei por ora:
O amor está dentro
O amor é um fio
Mas a luz vem de fora

Agora, em silêncio profundo
A cangoma ainda toca...
Da outra ponta do mundo
Um fio é puxado
E todos os anjos
E pretos velhos
E todos os rabis
E neófitos
E todos os pensamentos em reflexão
Pendem
Na sua direção
– Quer compreendam
Quer não...


raph’12’A.’.A.’.

***

Crédito da imagem: James Turrell

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30.5.12

Pequeno pássaro

Então desejas elevar-te ao patamar dos santos
E habitar com tua alma ao topo da colina
Acima do pântano dos prantos
E sorrir ao Sol que te ilumina?

Mas, que sabes tu de tal caminho,
Senão o que tem lido nessas palavras
Em desalinho?

Essa tal magia
Essa tal linguagem que procuravas
Não está lá fora atrás do horizonte
Mas antes no próprio ninho
De teu ser:
A alma é a fonte

Ela é pássaro que voou
Para longe de teus próprios pensamentos
Quando estes a afugentaram...

A cada olhar postado em julgamento,
Ela voou
A cada olhar desviado em indiferença,
Ela voou
A cada olhar cheio de desejos desenfreados,
Ela voou...
Tudo o que pensou – foi tudo o que ela viu

Agora, olha para ti:
O homem no espelho d’água
O ser perdido
Na busca de ser achado...

E fazer do pântano a fonte cristalina:
Do negrume do fundo
O calcário a refletir o Infinito
Em cada gota do mundo

Como poderias haver avançado em tal caminho
Se o pequeno pássaro,
O tesouro mais precioso,
Era afugentado sem que percebesses?

Chama agora o pássaro de volta:
Assobia para a alegria do ser
E põe-te na escolta
De tua própria alma...
Sim! Faça-a grandiosa,
Ensina-a a voar adentro,
Para que valha a pena caminhar...


(silêncio)

Shhh...
Ouve agora
O pássaro a piar?
Dá, então, o primeiro passo...
Vai, e voa!
Voa alto pelo ar...
Até a colina
Até o horizonte
Até que consigas finalmente
Se reencontrar...


raph’12’A.’.A.’.

***

Crédito da imagem: Tomas Rodriguez/Corbis

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7.5.12

Filhos do Sol

Aqui, por águas frias
Na noite escura
Em meu pequeno barco solto ao vento
Sigo em busca de pequenas alegrias...
Da alma, fugir a secura
Encontrar-te nalgum pensamento:
“Eis me aqui, Pai, perdido ao mar
Eis me aqui, o teu rebento
A aflorar”

Faz tempo que embarquei
Do último Farol no qual morei
Desde então, segui na escuridão...
De tua antiga luz, restou-me a lua
A refletir toda a imensidão
Todo o amor do teu Oceano:
“Eis me aqui, Pai, navegando ao mar
Encharcado em meio ao teu coração”

Na longa viagem
Ao próximo Farol
Encontrei alguns outros barcos
Saudosos de tu, ó Sol

Nalguns deles me ancorei...
Na mais terrível tempestade
Orávamos sussurrantes ao rei
Evocávamos a tu, ó semelhante
O que vive além de toda idade

Assim que mesmo quando as ondas tristes
Ameaçavam quebrar o casco
E nos arrastar a margem
Nós o víamos na superfície:
“Eis nos aqui, Pai, juntos na viagem da vida
Eis nos aqui, tua própria imagem
Tua própria luz feita ser
A trafegar pelo Oceano do Mundo
Que é ti
Eis nos aqui, os Filhos do Sol
A caminho do próximo Farol...”


raph’12’A.’.A.’.

***

Crédito da imagem: Anônimo

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12.4.12

Obituário

Era noite nos arredores do jardim da cidade, e o neófilo, curioso como sempre, sentiu-se atraído por aquele grupo de pessoas em volta de uma fogueira. O clima era úmido. Gotículas d’água pairavam como diminutos duendes pelo ar, cavalgando aleatoriamente as brisas, juntamente com pequeninos pedaços de madeira ainda chamuscada pelo fogo, que mais pareciam fantasmagóricas estrelas, ou vagalumes... Assim que chegou mais próximo, perguntou ao primeiro que o observou:

“Que é essa reunião na calada da noite?”

“Um velório.”

“Velório? Mas não vejo ninguém de preto, nenhum pranto, nenhum caixão...”

“Exato, é um velório sem cores de roupa pré-estabelecidas, sem caixão, e onde a tristeza se mistura com a felicidade e, dessa forma, não há pranto, apenas um doloroso lamento.”

“E vocês estão felizes pelo morto?”

“Claro, como já lhe disse: felizes e tristes, ao mesmo tempo...”

“Quem era, se me permite indagar?”

“Ninguém em especial, pelo menos para os desconhecidos. Para os amigos, no entanto, era um filho do Sol e das estrelas. Uma luz que se precipitou no mundo, tal qual estrela cadente, e pôde aquecer aos corações daqueles que a enxergaram de longe, e se dirigiram até ela.”

“Era algum santo, portanto?”

“Muito pelo contrário. Na verdade, um dia ele me disse – ‘Meu amigo, a maior armadilha que se ergue para esse caminho que escolhemos é nalgum dia crermos que somos alguma espécie de santo, e pior: nalgum dia algum louco acreditar nisso!’”

“E qual era esse tal caminho de vocês?”

Era não: foi, é, e sempre será. O caminho do autoconhecimento.”

“Interessante. Então vocês todos aqui são sábios?”

Sábio é aquele que conhece sua própria essência... Acho que ainda estamos no caminho, e não me parece ser tão curto, nem tão simples. Mas, pé ante pé, espero um dia chegar nalgum lugar um pouco mais distante de onde iniciei quando nasci para o mundo...”

“E como se caminha neste tal caminho?”

“Ah, existem muitas formas, meu caro... Podemos escalar as estátuas dos gigantes de outrora e, escorados em seus largos ombros, fazer com que a larga pedra uma vez mais caminhe à frente. Podemos sair pelo mundo, sem destino estabelecido, mas sabendo que ao fim de cada dia seremos obrigados a ter conhecido pelo menos um único novo amigo. Podemos montar um telescópio e com ele observar a luz mais antiga ao nosso alcance na imensidão da noite, mas contanto que o usemos para catalogar também as constelações de nossa própria alma. Podemos também aprender a escalar algumas montanhas ao nosso alcance, não somente para admirar a vista, mas principalmente para observar as carroças que seguem pelo vale do horizonte, e memorizar os sulcos que suas antigas rodas criam pela estrada... Enfim, são muitas formas de caminhar, mas no fundo há um só caminho.”

“Mas, e o morto, ele conseguiu chegar a algum lugar importante do caminho?”

“Bem, isso eu não sei, pois somente o ser pode realmente saber. Mas um dia soube através dele que ele tinha chegado a um descomunal precipício que demarcava a fronteira de dois grandes países, e que desde então vinha construindo uma ponte – um tanto quanto precária, já que ele nunca foi exatamente um engenheiro no assunto – de cordas desgastadas e tábuas de madeira velha, com a qual pretendia atravessar para o outro lado...”

“Nossa, que arriscado... Mas, e quais eram tais países separados por fenda tão imensa?”

“Ah, disso eu sei muito bem: um é o País da Morte, onde tudo é estritamente reduzido a pequenos pedaços do saber, tudo racional, programado, frio e robótico; já o outro, onde ele procurava chegar ao atravessar a ponte, é o País do Amor, onde tudo é conectado por belos fios de uma imensa teia de luz, tudo sensação, desprogramado, quente e vivo.”

“E ele queria atravessar do país frio para o quente, da morte para a vida?”

“Não sei ao certo. Era isso que pensava a princípio, mas um dia, já perto do dia de sua partida derradeira, ele me disse que havia finalmente fincado a outra extremidade da ponte no País do Amor, e pôde visitar brevemente alguns de seus vilarejos...”

“E o que ele lhe disse que viu por lá?”

“Não viu nada. Disse que não havia nada o que se ver, apenas o que sentir... E disse ainda mais: que assim que pensou os mesmos pensamentos dos seres que lá viviam, percebeu que não era propriamente uma ponte que ele esteve todo aquele tempo a construir... Não uma ponte, mas um fio de ligação entre os dois países.”

“Ora, mas então ele queria aproximar um país do outro?”

“Sim, parece estranho não? Mas é que no fundo, acho que ele descobriu: não é que existam dois países separados, mas é que alguns de nós pensam num país, e outros pensam noutro. E, dessa forma, ambos os países são habitados... Provavelmente o País da Morte esteja já lotado de gente, e a intenção dele era atrair mais gente para o País do Amor. Era como se ele fosse um turista que voltou de uma ilha paradisíaca e agora a estava anunciando para os outros.”

“Mas, e o que ele ganhava com isso?”

“Ele? Acho que nada... Ganhava o mundo todo. Ele costumava dizer assim: ‘O meu trabalho é melhorar a vizinhança. Se a vizinhança melhora, talvez um dia nem precisemos buscar ao Céu em algum outro lugar, que ele já estará instaurado no próprio mundo”.

“Que bonito. Mas que pena ele ter morrido, gostaria de conversar com ele sobre o assunto...”

“Aí é que está, por isso estamos todos aqui. Ainda podemos conversar com ele.”

“Mas como?”

“Ora, eu não disse que ele era um filho do Sol e das estrelas?”

“Disse. Mas disse também que ele não era um santo, nem ninguém em especial...”

“Exato. Mas eis que, agora também sabemos: todos nós somos filhos das estrelas. De fato, somos formados por pedaços de matéria forjados no núcleo das estrelas, no núcleo do Sol. O que meu amigo fez foi, então, engolir o próprio Sol... Foi assim que ele explodiu em milhões de pedaços de luz, que até hoje pairam pelo ar, como pequenas estrelas ou vagalumes. Assim, ele me disse: ‘Se nada mais der certo, pelo menos a luminosidade do que fui ficará ainda guardada no coração e na mente dos meus amigos, daqueles que tive a felicidade de compartilhar o amor. E, dessa forma, eu também serei imortal, eu também serei mais um da raça dos deuses’”.


raph’12’A.’.A.’.

***

Crédito da foto: Ron Nickel/Design Pics/Corbis

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