Como sabemos, a Primavera chegou ao Brasil. Com “pleno emprego” e tudo, os jovens ainda assim foram chamados e compareceram as ruas de São Paulo e outras metrópoles da Terra Brasilis. Vimos um médico desnorteado incitando sua polícia à violência. Vimos um professor esquecido das ideologias da juventude. Vimos a “direita” e a “esquerda” alinhando seu discurso e demonstrando o que os que estavam nas ruas já sabiam há tempos: que neste país, não são tão diferentes assim.
Acreditaram que toda a manifestação era “orquestrada” por alguma “liderança oculta”. Acreditaram que ninguém iria dar bola para míseros 20 centavos de aumento das passagens de ônibus. Acreditaram que todos eram vândalos de baixa renda e baixa escolaridade, e que a melhor solução seria a repressão que a polícia militar, a despeito de estarmos a décadas do fim da ditadura, ainda sabe fazer como ninguém.
Deu no que deu. Agora, após até mesmo a Folha de São Paulo haver “mudado de opinião” tão repentinamente, sua preocupação deixou de ser com os míseros 20 centavos e com os vândalos. Agora estão preocupados com a repercussão da violência policial no exterior, com a repercussão da prisão de jornalistas na Anistia Internacional e, principalmente, em saber quem diabos é o “cabeça”, a “liderança oculta”, o sujeito mascarado...
Eu vou lhe dizer quem é o sujeito mascarado, mas só no final. Antes vou falar sobre os manifestantes, os ex-vândalos. Vi um estilista, amante de livros, que resolveu conferir as manifestações ao vivo, e desligou a TV:
Pela primeira vez me senti no lugar correto, para usar o novo jargão do protestante 2.0: “A passeata que fui me representa”.
Finalmente sinto que participei de algo ao lado de pessoas que tinham o mesmo pensamento que eu, que não estavam lá pra defender um partido ou uma causa específica, mas sim por indignação pelo tratamento concedido por parte dos nossos representantes públicos. Diferente dos protestos ao redor do mundo, nós não gritamos “palavras de ordem”. Aqui no Brasil (mais especificamente o que vi e vivi em São Paulo), até os gritos de guerra mais pesados viram festividades em forma de marchinhas: “vem pra rua vem!”. Quem estava lá entende. Não era agressivo. Era festivo.
Sinceramente, seria muito bom se víssemos isso como uma qualidade e não como defeito. A agressividade sendo trocada por chamados de convívio mútuo a de ser comemorada e louvada. Lá, antes das 20hrs, tínhamos tudo, consciência política, participação, voz e alegria. Esta foi a passeata que eu fui e assim ela terminou. Não foi a passeata que assisti pela TV ao chegar em casa, quando aquela minoria que restou resolveu quebrar tudo e roubou as manchetes da melhor e mais bonita manifestação que já participei [1].
Como o governo e a grande mídia gostariam que fossem somente alguns atos passageiros de uma minoria de vândalos. Como o governo e a grande mídia gostariam que fossem manifestações orquestradas por pequenos partidos políticos que ainda acreditam em lendas comunistas do século passado. Pois, fosse assim, eles já saberiam o que fazer. Mas não é assim, não mais. Vi também um jornalista que não teme expor sua opinião:
O esquerdo-direitismo é uma crença semi-religiosa que se tornou a ideologia dominante do mundo no último século. Esquerdo-direitistas são pessoas que acreditam que todo o bem que existe no mundo provém de apenas uma fonte. Há dois tipos de esquerdo-direitistas – aqueles que acham que a fonte de todo o bem é o mercado e aqueles que acham que é o estado. A estes chamamos esquerdistas, aqueles são os direitistas.
No fundo, esquerdistas e direitistas são dois lados de uma mesma coisa. Ambos veem o mundo em apenas duas dimensões, sem profundidade, dividido entre bons e maus. Não admira que esquerdistas transformem-se em direitistas e vice-versa com tanta facilidade – alguns dos analistas mais ferrenhos da direita passaram a juventude militando nas facções mais radicais da esquerda [2].
Vamos aprender política brasileira com o seu maior representante, o PMDB: (passo 1) Estar no poder; (passo 2) Caso não ganhemos a presidência, formar a base aliada do governo; (passo 3) Na base aliada, negociar o maior número de ministérios possível; (passo 4) Sempre que as negociações estiverem emperradas, chantagear o governo. Resultado: Passo 1 sempre garantido de uma forma ou de outra.
No entanto, existem exceções: (a) PT e PSDB nunca podem formar a base aliada um do outro. Quando um não está no poder, é obrigado a ser oposição de verdade (a diferença é que para o PSDB a ficha ainda não caiu); (b) PSTU é um partido efetivamente ideológico, mas que ainda acredita em lendas do século passado; (c) PSOL é um partido efetivamente ideológico, mas que acredita que algo de novo pode surgir neste século. Resultado: na última eleição no Rio de Janeiro (2012) “direita” e “esquerda” massacraram o candidato do PSOL, por que era o único que seguia uma ideologia.
Os governantes deste país têm nos ensinado que ideologias são muito perigosas. Quem está no poder geralmente não gosta muito delas... Mas se você acha que eu escrevi tudo isso somente para defender o PSOL, está enganado. Nada garante que o PSOL, ao chegar ao poder, não se comporte da mesma forma que outros partidos de oposição que chegaram lá e pouca coisa mudaram. Isto por que o sistema está equivocado, antigo, corrupto. Aqui não se faz Política, se faz um “negócio eleitoral”. O que os que estão no poder mais temem, portanto, é exatamente que a Primavera Brasilis seja apolítica, isto é, Política de verdade: para começar a se refazer Política, antes é necessário fazer uma reforma geral na política. Os “P”s e os “p”s são propositais.
Vi que os manifestantes, em sua grande maioria, não somente não trazem símbolos de partidos políticos, como abominam se envolver com eles. Bandeiras de partidos são somente toleradas, não tem nada a ver com a alma desta Primavera. Os partidos Políticos do futuro ainda irão surgir. Os Políticos do futuro serão jovens, jovens de verdade, independente de sua idade.
Mas, e quem é afinal o tal mascarado?
Agora eu posso lhe contar. Você mesmo pode descobrir quem ele é, e é muito fácil. Dê um jeito de comprar uma dessas máscaras do Alan Moore, depois vá a pelo menos uma manifestação desta Primavera, seja onde estiver no país, e procure observar a tudo com os olhos de um jovem, de uma criança, de um recém-nascido... Caminhe pelas ruas como se elas fossem novas ruas. Observe os transeuntes como se eles fossem, ao menos por breves momentos, parte da sua família. E se alguém lhe apontar alguma arma de fogo ou canhão, lhe entregue uma flor.
Depois retorne para sua casa e, de frente para algum espelho, retire a máscara.
Lá estará o tal mascarado, desmascarado...
Onde a mente encontra-se sem medo e a cabeça é mantida erguida
Onde o conhecimento é livre
Onde o mundo não foi quebrado em fragmentos
Por estreitos muros domésticos
Onde as palavras vêm da verdade profunda
Onde laboriosas lutas esticam seus braços em direção à perfeição
Onde o riacho límpido da razão não perdeu o seu rumo
Afluindo ao triste deserto dos hábitos moribundos
Onde a mente é direcionada adiante por você
A pensamentos e ações sempre em constante afloramento
Nesse céu de liberdade, Pai, deixe meu país acordar
(Tagore)
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[1] Trechos do artigo de Bruno Passos para o blog Papo de Homem: Contra o aumento das tarifas de ônibus: o protesto que eu não vi pela TV.
[2] Trechos do artigo de Denis Russo Burgierman para a Superinteressante: A maldição do esquerdo-direitismo.
Crédito da imagem: Anonymous
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