Terra, fogo, água e ar (parte final)
Esta é uma verdade
Ainda antes que os homens fossem homens, espécies ancestrais de hominídeos conheceram o fogo. A primeira visão dele deve ter sido inesquecível, eterna: primeiro, mais um relâmpago no céu; depois, um trovão assustador ressoando pela terra inteira. Mas isso já era conhecido, a novidade é que havia logo ali, bem à frente, um arbusto em chamas. Uma sarça ardente e sagrada, queimando, abençoada com um pedacinho do sol.
Foi pela domesticação do fogo que os seres arcaicos aprenderam a caçar de modo mais eficiente e, principalmente, a cozinhar a carne caçada. Foi isso que possibilitou que as imensas quantidades de energia gastas na ingestão de carne crua pudessem ser canalizadas para o cérebro. O resultado disso foi o surgimento dos homens: nós somos os filhos e as filhas do fogo.
Desde que a chama não se apague, qualquer templo, qualquer concepção divina, qualquer nova religião poderá perdurar para sempre, atemporal como o fogo e o sol e a natureza. Em suas chamas, em incessante mutação, os xamãs de outrora tinham muitas visões, e delas extraíam conselhos para a sobrevivência da tribo. Eles filosofavam pelo fogo, se devotavam a ele de corpo e alma, para que seus irmãos pudessem prosperar na terra.
Até hoje não há artista, sensitivo ou pastor que saiba exatamente de onde vem sua intuição, aquela vontade antes do próprio querer, aquela voz que diz, “Será assim”, e para a qual eles respondem, “Que assim seja”.
Imersos na atemporalidade do fogo, tais guias da humanidade se assemelham aos primeiros contadores de histórias em torno da fogueira da aldeia. É pela palavra que eles encaminham seu rebanho, mas mesmo a palavra antes foi luz em suas almas. Luz vinda de onde? Luz feita do quê? Não importa, a luz foi criada para ser refletida, não explicada.
Somente eles aprenderam, de alguma forma que mal sabem explicar, a roubar o fogo dos deuses, e compartilhá-lo com os seres de baixo. Você pode achar que tal regalia coube somente aos grandes santos, profetas e gurus, mas infelizmente não foi assim: há também muita sombra e escuridão entre os arautos do fogo.
Pense nas atrocidades que já foram cometidas em nome daqueles que afirmavam falar em nome de algum deus, ou mesmo alguma ideologia infalível. Até mesmo os cientistas se tornaram submissos àqueles que dizem representar o seu deus, o deus-da-matéria-que-a-tudo-explica. Não é preciso dar detalhes: você sabe do que estou falando.
Aos que brincam com fogo, coube a maior das responsabilidades, que é evitar que ele consuma a tudo e a todos. Na escala correta, ele pode iluminar o templo do coração de muitas almas; na errada, ele pode destruir vilarejos, bibliotecas, templos alheios, países inteiros.
Somente a água pode equilibrar tal balança. É só com o exercício constante da empatia que aquele que se depara com as verdades universais poderá se abster de dizer, “Esta é a verdade”; e, no lugar, constatar, “Esta é uma verdade”.
Pois se o seu deus é algum senhor de exércitos, que demanda que todos se curvem à sua vontade ou desapareçam da terra, então que os deuses tenham piedade de nós. Mas, se o seu deus é como o sol que aquece a manhã, e jamais deixa de vencer a noite, e que não descansará até que toda a tribo se torne céu, então, meu irmão, minha irmã, bem-vindo, bem-vinda ao caminho.
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Bibliografia
Kabbalah Hermética (Marcelo Del Debbio). Wikipédia.
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