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7.5.15

Toren

No próximo 12 de Maio sai, para PC e PS4, o primeiro game brasileiro a ser beneficiado pela Lei Rouanet, uma forma de incentivo cultural procedente de renúncias fiscais (até um certo limite). Para além da boa nova de constatarmos que o governo brasileiro está finalmente investindo num mercado promissor, que já há anos tem renda global maior do que o mercado cinematográfico, o game em si parece não somente belíssimo e promissor, como fruto da imaginação de pessoas que leem sobre muito do que falamos neste blog, particularmente de mitologia [1].

Em Toren, jogamos com uma personagem desde sua infância até a idade adulta. A Criança da Lua está enclausurada em uma espécie de gigantesca "torre de Babel", e precisa enfrentar muitos desafios enquanto sobe seus andares, até o alto do céu, para finalmente se libertar... O grande inimigo é o Dragão que vigia a torre e tenta, a todo custo, impedir que a Criança escape. Felizmente, ela ainda conta com a ajuda de dois personagens: o Cavaleiro, enviado há eras pelo Sol para auxiliar na jornada dos escaladores da torre, que pode ser visto a distância, pela lente de telescópios; e o Mago, um dos antigos construtores da torre, que pode se comunicar com a Criança somente através de sonhos...

Obviamente, o jogo se parece muito mais com uma narrativa simbólica do que com uma história superficial qualquer... Neste sentido, fica evidente a sua inspiração em jogos clássicos parecidos, como Shadow of the Colossus e Ico. Abaixo, vocês podem ver o trailer:

***

[1] Segundo o Marcelo Del Debbio, autor do blog Teoria da Conspiração, o líder de criação do Toren (Alessandro Martinello) é leitor assíduo dos nossos textos, e muito da pesquisa sobre hermetismo e árvore da vida foi feita no próprio TdC e na Wikipedia de Ocultismo.

Crédito da imagem: Divulgação/Toren

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12.11.14

Filosofia em 8 bits

Um dos meus personagens preferidos dos games de infância é o Red Mage (Mago Vermelho) do Final Fantasy I, um game de RPG clássico lançado para o antigo Nintendo em 1990 (nos EUA). Na época eu não compreendia ao certo o meu fascínio por ele, somente muitos anos depois é que percebi que era pelo fato de ele trilhar o "caminho do meio". Sim, isto porque o Red Mage podia usar tanto magias de combate quanto magias de cura, ao contrário dos outros personagens magos, o Black Mage (Mago Negro) e a White Mage (Maga Branca), que se limitavam somente a um dos dois espectros.

Algo semelhante ocorreu com os quadrinhos de super-heróis que eu lia desde praticamente pouco após aprender a ler: somente anos mais tarde é que fui perceber o quanto a mitologia tinha a ver com tudo aquilo. No caso do Red Mage, o que me fascinava era a filosofia da coisa, e mais tarde me tornei um grande entusiasta do taoismo... Estou trazendo tudo isso para dizer que não devemos nos basear em pré-conceitos para evitar o contato com a filosofia e as mitologias. Se formos ouvir a "opinião comum", iremos acabar acreditando que a filosofia "é muito complexa e não serve para quase nada", e que as mitologias "são coisa do demônio" (exceto a mitologia bíblica, é claro).

No caso da filosofia, eu só fui mesmo me interessar por ela quando fui obrigado a ler Kant por conta de uma aula de estética (filosofia da arte) na faculdade (Belas Artes, UFRJ). A despeito de eu haver me "iniciado" na filosofia com um dos seus escritores de texto mais complexo (Kant costuma fazer resumos do seu próprio texto ao longo do mesmo livro!), acabei chegando nos textos de Platão e dali para frente um novo mundo se descortinou para mim (ou, para quem acredita, relembrei do que já havia lido há muitos séculos atrás). Na medida em que fui conhecendo Platão, Sócrates, Lao Tse, Agostinho, Nietzsche, Schopenhauer, Espinosa, etc., uma questão sempre me assombrava: "Nossa, porque só fui começar a ler isso na faculdade, minha adolescência teria sido tão mais fácil se os houvesse encontrado antes!"

Ou seja, a "opinião comum", como é tão costumeiro, acabou atrasando em alguns anos o meu desenvolvimento intelectual e espiritual... Mas, ainda que até hoje você não tenha tomado coragem para ler um grande filósofo, nunca é tarde para começar. Além de livros como O mundo de Sofia (de Jostein Gaarder) e O livro da filosofia, há inúmeras outras formas de se tomar um contato inicial "mais amistoso" com as aparentes complexidades filosóficas. Uma delas é exatamente o 8-Bit Philosophy, uma série de vídeos muito divertida e instrutiva que traz uma rápida introdução ao pensamento de alguns filósofos célebres usando o visual dos games das décadas de 1980 e 1990.

E, graças a generosidade de Rafilsky McFinnigan, agora podemos vê-los com legendas em português. O primeiro vídeo da série fala sobre Platão e o Mito da Caverna:

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» Veja os demais vídeos legendados da série 8-Bit Philosophy

» Veja meus comentários acerca do Mito da Caverna (série com 2 posts)

Crédito da imagem: Square Enix/Final Fantasy (montagem por raph)

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13.8.14

Conectados, parte 5

« continuando da parte 4

Avatar, no mundo online, é uma figura digital, um alter ego de uma pessoa real, que pode ser representado em duas ou três dimensões, e ter praticamente qualquer forma permitida pela plataforma onde foi criado – ao limite da imaginação de cada um.


Sem pausas

Como vimos, o ser humano tem sido muito hábil em fazer uso de todo o tipo de tecnologia disponível para aprimorar sua forma de comunicação com os demais. Quando tudo o que tínhamos eram sinais de fumaça, ainda assim eles foram preciosos para que tribos se comunicassem a quilômetros de distância umas das outras. Após a invenção da escrita, passamos a deixar mensagens e discursos para a posteridade, de modo que até hoje podemos nos comunicar, de alguma forma, com a Atenas de Sócrates, assim como com a vida de tantos outros pensadores e escritores da antiguidade.

Mas foi somente com o advento da telefonia móvel e, particularmente, da Web, que tivemos acesso a uma outra magnitude em nossas comunicações. A interação online foi um dos grandes trunfos da internet desde a sua criação, e o que antes era usado para troca de informações entre militares e pesquisadores acadêmicos, acabou por se tornar uma imensa rede que hoje conecta, direta ou indiretamente, a maior parte da humanidade.

Porém, como vínhamos dizendo, a avassaladora quantidade de informação disponível no mundo online requer que nos tornemos, cada vez mais, exímios pescadores, com o bom senso e a sabedoria para podermos filtrar as informações relevantes das irrelevantes. E, se isto vale para as notícias, as revistas, os livros e os filmes em geral, da mesma forma, vale também para a nossa vida social na rede.

Zygmunt Bauman é um célebre sociólogo polonês que vive e leciona há décadas na Inglaterra. Perto dos seus 90 anos, ele não parece, a primeira vista, o tipo de pensador que teria muito a dizer sobre o Facebook... No entanto, as aparências enganam:

“Um entusiasta do Facebook gabou-se para mim de que havia feito 500 amigos em um dia. Minha resposta foi que eu vivi por quase 90 anos, mas não tenho 500 amigos. Eu não consegui isso. Então, provavelmente, quando ele diz “amigo”, e eu digo “amigo”, não queremos dizer a mesma coisa. São coisas diferentes.

Quando eu era jovem, eu nunca tive o conceito de “redes”. Eu tinha o conceito de laços humanos, de comunidades, esse tipo de coisa, mas não redes. Qual é a diferença entre comunidade e rede? A comunidade precede você. Você nasce numa comunidade. Por outro lado, temos a rede. O que é uma rede? Ao contrário da comunidade, a rede é feita e mantida viva por duas atividades diferentes. Uma é conectar e a outra é desconectar.

E eu acho que a atratividade do novo tipo de amizade, o tipo de amizade do Facebook, como eu a chamo, está exatamente aí. Que é tão fácil de desconectar. É fácil conectar, fazer amigos. Mas o maior atrativo é a facilidade de se desconectar. Imagine que o que você tem não são amigos online, conexões online, compartilhamento online, mas conexões off-line, conexões de verdade, face a face, corpo a corpo, olho no olho.

Então, romper relações é sempre um evento muito traumático. Você tem que encontrar desculpas, você tem que explicar, você tem que mentir com frequência e, mesmo assim, você não se sente seguro porque seu parceiro diz que você não tem direitos, que você é um porco, etc. É difícil, mas na internet é tão fácil, você só pressiona delete e pronto.

Em vez de 500 amigos, você terá 499, mas isso será apenas temporário, porque amanhã você terá outros 500... E isso mina os laços humanos.” [1]

A maior armadilha em que podemos cair na era digital é crer que o mundo virtual é aquele construído somente pelos pixels e os dados dos computadores em rede. Não, o mundo virtual é e sempre foi aquele que roda bem em nossa cabeça. O mundo é aquilo que imaginamos dele, e neste caso não importa tanto quantas interfaces, cenários virtuais e avatares digitais há na Web, pois que no fundo estamos conectados não somente a internet, mas a todo o mundo, a toda a Vida.

Querer viver somente no mundo online é tão somente abdicar de um mundo virtual complexo para um mundo virtual com a promessa de maior simplicidade. No entanto, isto é um tanto quanto ilusório, e no fim das contas a grande verdade é que há somente um único mundo – o mundo que você interpreta dentro de si mesmo.

Para além da superficialidade das amizades que se limitam ao mundo digital, e que nunca são transpostas para a complexidade do dito “mundo real”, uma das grandes iscas para aqueles que anseiam por “vidas mais simples” são os games.

Em um livro de título sugestivo, Como viver na era digital [2], Tom Chatfield aborda melhor o assunto:

“Tanto num game simples como Angry Birds, como num mundo virtual imersivo como World of Warcraft, temos exemplos de problemas tame (domesticado). Analisados pela primeira vez em 1973, pelos sociólogos Horst Rittel e Melvin Webber, os problemas tame incluem jogos como o xadrez e a maior parte dos problemas de matemática. São problemas nos quais a pessoa que está tentando resolvê-los tem todos os dados necessários à disposição e sabe desde o início que existe uma solução final ou alternativa vencedora.

Isto é o oposto dos problemas wicked (terríveis), que são problemas nos quais não existe uma maneira de expressar de forma clara a questão que está em jogo, nem algo como uma solução única ou definitiva. Cada problemas wicked é uma combinação única de circunstâncias, elas mesmas entrelaçadas a outros conjuntos de problemas, como por exemplo, a saúde financeira de uma grande empresa ou de um país, ou alguém tentando decidir qual a melhor maneira de administrar sua vida pessoal.

Deste ponto de vista, a vida em si é um problema wicked. Numa das piadas mais geniais da ficção científica, o escritor inglês Douglas Adams imaginou, em seu livro O guia do mochileiro das galáxias, um supercomputador capaz de responder à “Questão Fundamental da Vida, o Universo e Tudo o Mais”: um simples número, 42.

A piada reside na incoerência absurda entre o tipo de problema que pode ser respondido por um simples número e o tipo bem diferente de “problema” que a vida representa. A própria ideia de que a vida possui uma solução, da mesma forma que um jogo de xadrez, ou uma fase de Angry Birds, ou uma quest ou uma raid de World of Warcraft, é um divertido absurdo.”

De fato, mundo virtuais imersivos como o caso de World of Warcraft, onde milhões de jogadores interagem e se aventuram juntos há quase uma década, podem ser tão sedutores que a falta de um componente vital, o botão de pausa [3], pode ser letal... Em 2007, um chinês deitou sua cabeça no teclado de seu computador e morreu, após haver jogado Warcraft por três dias seguidos, sem dormir e, provavelmente, sem comer ou se hidratar adequadamente. E este não foi nem o primeiro nem o último caso de “jogar até a morte” [4]...

Talvez sejam necessários tais exemplos extremos para que nos demos conta de que, embora em muitos games online não exista um botão de pausa, há sempre a possibilidade de simplesmente largar o teclado ou o controle e, quem sabe, simplesmente ir até aquele café perto de casa, para tomar um expresso, ver pessoas em movimento, ouvir passarinhos cantando e contemplar o baile das nuvens.

Pode não haver, afinal, um botão de pausa para a vida. Mas, por outro lado, somos nós, e somente nós, os grandes responsáveis por determinar com que velocidade, com que qualidade, com que nível de angústia, ela é vivida. De nada adianta se esconder dos problemas complexos da vida, mesmo que sejamos os melhores estilingadores de pássaros do nosso grupo de amigos virtuais, e ainda que todo um servidor de World of Warcraft nos idolatre como “o grande mestre da arena”, isto por si só jamais irá afastar os problemas terríveis da existência; eles ainda o encontrarão, pois estão, essencialmente, dentro de você mesmo...

Devemos aprender a olhar para dentro, e conhecer a grande imensidão de nosso mundo virtual interior; e então, quem sabe, encarar a toda a complexidade da vida de frente, face a face, como grandes aventureiros de nós mesmos. E com isto não quero dizer que exista a esperança de transformar os problemas wicked em tame – pelo contrário, o que devemos é compreender e aceitar o quão terrivelmente vasta, complexa, profunda e interconectada pode ser a Vida, sem pausas!

» Em seguida, a grande rede de pensamentos libertos...

***

[1] Transcrito de uma entrevista concedida em sua casa para o programa Café Filosófico (TV Cultura).

[2] Parte do projeto The School of Life de Alain de Botton. Lançado no Brasil pela Editora Objetiva. A transcrição do texto do livro foi ligeiramente adaptada para facilitar a compreensão do trecho em questão.

[3] Games online não podem ser pausados, já que em sua simulação há inúmeros jogadores simultâneos. Seria o mesmo que pausarmos uma sessão de cinema para dar um pulo no banheiro –os demais cinéfilos da sessão certamente não ficariam muito satisfeitos.

[4] Ver, por exemplo, Jovem morre após jogar Diablo 3 durante 40 horas seguidas.

Crédito das imagens: [topo] Google Image Search (Zygmunt Buman); [ao longo] Divulgação/Rovio (Angry Birds)

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25.4.14

O lado oculto dos games

Oi pessoal, eu fui mais uma vez convidado para o Podcast Conversa entre Adeptus, desta vez para falar de games e ocultismo! Segue abaixo a descrição do episódio:

Games? Ocultismo? Estamos pirados ou o quê? Bem, como diria Shakespeare: “Há mais coisas entre o Céu e a Terra do que sonha vossa vã filosofia”. Entre piadas infames e insights perspicazes, o Viking, o Careca, o Macumbeiro, o Materializado e 2 ilustríssimos convidados já tão bem conceituados na casa: o Filósofo e o Cigano, Raph Arrais e Bruno Cobbi, ousamos um pouco e exploramos esse imenso e riquíssimo universo cultural e simbólico que são os Jogos Eletrônicos à partir da visão profunda e iniciática do Ocultismo. Curioso? Então dê o start e finalize-a com, talvez, um pouco mais de xp e um bônus de nostalgia.

Clique no banner abaixo para abrir a página do episódio, onde poderá fazer download (em baixa, média ou alta qualidade) ou ouvir diretamente pelo site:

Conversa entre adeptus #32: O lado oculto dos games

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Aproveitando, trago abaixo uma lista de posts do Textos para Reflexão que têm a ver com o tema do podcast:

» Rolando poliedros

» Imaginando dragões (a história do "Amigo de mago", citada no podcast)

» Quem chora pelos demônios? (da série Todas as guerras do mundo)

» A ilha errante de Azeroth (da série A idade do ser)

» Como sobreviver numa arena

» Sobre o que os mitos falam (texto de Joseph Campbell, citado no podcast)

» Os corvos de Wotan (série de artigos sobre mitologia)

» A grande aventura


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3.7.13

Como sobreviver numa arena

Em 1999, o mais novo lançamento do mundo dos games de tiro com visão em primeira pessoa (first person shooter ou, pela sigla, FPS) era o Quake III Arena, um jogo brutal em que jogadores do mundo todo jogam online numa arena de guerra onde dois grupos de guerrilheiros (armados com armas de fogo futuristas e extremamente letais) duelam até que um dos grupos tenha sido inteiramente exterminado. Quando isto acontece, todos os mortos retornam a vida e começa um novo duelo, e assim por diante...

Uma das inovações do game, segundo a desenvolvedora (Id Software), era a suposta “nova inteligência artificial” dos bots no jogo. Um bot (abreviação de robot) é uma aplicação de software concebida para simular ações humanas repetidas vezes de maneira padrão, da mesma forma como faria um robô. Durante o jogo, os personagens da arena controlados pelo computador (ou seja, não controlados por jogadores reais e humanos) supostamente observariam o estilo de luta dos demais jogadores, humanos ou bots, na medida em que a simulação das arenas de batalha transcorresse.

Com o tempo, seriam capazes de “pensar” em novas táticas, efetivamente se adaptando as táticas que mais venciam combates, e ignorando as táticas ineficazes para a sua sobrevivência, pois ganha o combate o grupo que sobrevive ao final [1]. Para que a inteligência artificial dos bots pudesse se desenvolver mais profundamente, entretanto, os servidores do jogo deveriam permanecer online, simulando centenas ou milhares de batalhas, por muito tempo a fio. E isto era inviável para os servidores oficiais do game, que precisam passar por manutenção semanal.

De acordo com um misterioso tópico de um fórum online (hospedado no 4Chan), em 2007 um jogador configurou um servidor pirata local do game (ou seja, hospedado em sua própria casa) para rodar indefinidamente simulações de arenas de combate entre 16 bots, sem nenhum ser humano a interagir com eles. Ocorre que este jogador esqueceu completamente do que havia feito, e como em sua casa os computadores ficavam sempre ligados, como servidores locais, a simulação rodou por longos quatro anos, até que em 2011 ele finalmente se lembrou dela!

Cada um dos 16 bots da simulação havia gerado 512 MB de informações táticas aprimoradas por centenas de milhares de partidas letais. Eram 8 GB de informações. O que elas teriam gerado? Atiradores infalíveis? Coordenação perfeita e robótica para matar da forma mais eficiente possível? O jogador resolveu entrar na simulação para ver quanto tempo seria capaz de sobreviver...

Então, para sua surpresa, ele observou que os 15 bots (ele estava jogando como o décimo sexto) nada faziam, apenas olhavam para ele e o seguiam onde quer que fosse. Não pareciam mais duelistas letais, mas antes pacifistas em busca de um sentido para estarem vagueando indefinidamente por uma arena de batalha. Aparentemente, em alguns anos de simulação, a inteligência artificial dos bots chegou a melhor estratégia para a sobrevivência: ninguém morre quando ninguém mata.

A Teoria dos Jogos é um ramo da matemática aplicada que estuda situações estratégicas onde jogadores escolhem diferentes ações na tentativa de melhorar o resultado, ou seja, o retorno de suas escolhas. Inicialmente desenvolvida como ferramenta para compreender comportamento econômico e depois usada pela Corporação RAND para definir estratégias nucleares, a Teoria dos Jogos é hoje usada em diversos campos acadêmicos.

Podemos ilustrá-la de forma simples e direta com o chamado “dilema do prisioneiro”, originalmente formulado por funcionários da RAND:

Dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia. A polícia tem provas insuficientes para sua condenação; mas, separando os prisioneiros, oferece a ambos o mesmo acordo: se um dos prisioneiros, confessando, testemunhar contra o outro e esse outro permanecer em silêncio, o que confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los há 6 meses de cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um leva 5 anos de cadeia. Cada prisioneiro faz a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro. A questão que o dilema propõe é: o que vai acontecer? Como o prisioneiro vai reagir?

No “dilema do prisioneiro”, temos uma situação onde o altruísmo e a confiança mútua oferece o melhor resultado final para ambos os jogadores. No entanto, isto não ocorre sem o risco de se ficar calado, confiando em seu parceiro, e ao fim ser traído por ele, e receber em retorno o pior resultado. De certa forma, a Teoria dos Jogos e o “dilema do prisioneiro” se aplicam não somente a economia e as relações de poder entre potências nucleares, mas também a uma partida de Quake III Arena... Será mesmo?

Retornando ao experimento insólito do início do artigo, o jogador resolveu “ver o que acontecia se atirasse em algum outro bot”. Para sua surpresa, ao fazer isso, ele foi atacado (e morto) não somente pelos 8 bots do outro time, como pelos 7 outros bots de sua própria equipe!

Ou pelo menos foi isto que a imagem com capturas de tela do suposto tópico do 4Chan dizia. Muitos sites de games compartilharam a notícia, e ela obteve certa fama também nas redes sociais. No entanto, como muitos podem ter imaginado, era tudo um hoax, ou seja, uma história inventada, como tantas outras que vemos nestes tempos de propagação desenfreada da informação.

Porém, ainda que não tenha ocorrido de verdade, ainda que os 16 bots com suas inteligências artificiais sejam incapazes de interpretar o resultado de suas ações (já que são ferramentas de computação, e não seres de interpretação), esta história ainda nos toca numa questão primordial: ela foi espalhada como algo verossímil, extremamente verossímil.

Penso que muitos de nós têm esta certa queda por acreditar que uma simulação computacional possa, de alguma forma incompreensível, chegar a conclusões que, no fundo, são as nossas própria conclusões, mas que não temos a vontade, ou a coragem, de coloca-las em prática.

Afinal, não se enganem: o bot do game mais avançado do ano que vem não será mais nem menos ferramenta do que um martelo ou uma bomba nuclear. Não é o martelo que mata ou constrói coisas, é quem o empunha. Não foi o material radioativo, e nem mesmo os físicos que descobriram a fissão nuclear quem arrasaram Hiroshima, foram aqueles que deram a ordem: “soltem a bomba”...

Somos, desta forma, todos prisioneiros desta enorme simulação chamada “mundo”, e só sairemos desta prisão de mãos dadas – todos serão livres somente quando não houver mais nenhum prisioneiro.

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[1] Isto não deixa de ser uma forma de programação genética.

Crédito das imagens: [topo] Quake III Arena (captura de tela); [ao longo] Adrianna Williams/Corbis

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5.12.12

A idade do ser, parte 2

« continuando da parte 1

"A pior das loucuras é, sem dúvida, pretender ser sensato num mundo de doidos." (Erasmo de Rotterdam)

A ilha errante de Azeroth

Aos 19 anos, estava terminando a faculdade, gostava de assistir basquete americano na TV, e jogar Role Playing Games [1] na casa de amigos até a alta madrugada. Teve uma ou outra paixão, mas naquele ano não conseguiu engatar um namoro duradouro. “Que bom, assim não preciso faltar o RPG” – pensou, mas a verdade é que sangrava por dentro (da alma).

15 anos depois, aos 34, estava casado, morando noutra cidade, e trabalhando com algo que não tinha muito a ver com a faculdade que fez, embora gostasse mesmo assim. Ainda jogava basquete, e voltou a acompanhar o campeonato americano assim que seu time conseguiu retornar aos playoffs finais após quase uma década de vacas magras. As paixões antigas viraram amizades duradouras (quando foi possível).

Não podia mais jogar RPG na casa dos amigos, mas passou muitos anos jogando num mundo virtual, com milhares de outros jogadores do mundo todo, alguns deles seus amigos da “vida real”. E, dessa forma, ainda era o mesmo de antes, poderia pensar: ainda arremessava bolas ao cesto nas tardes de sábado, e ainda poderia jogar RPG com os amigos no mundo de Warcraft [2], caso assim desejassem... Tudo era exatamente como antes, a mesma vidinha de sempre. Será?

Muitas vezes reencontramos paixões antigas, ex-namoradas ou ex-namorados, antigas amizades da época de colégio, e alguma coisa dentro de nossa alma percebe: mudou, o mundo mudou, os convívios e amizades mudaram, a personalidade mudou, a alma mudou... Pretendemos, em nossa inocência no paraíso ilusório que criamos para nós mesmos, sermos sempre os mesmos, imortais, ancorados no que já somos. “Não mudarei!” – brada alguém em nossa alma: “Serei sempre eu mesmo, com estes mesmos defeitos, estas mesmas qualidades, estes mesmos amigos, estas mesmas crenças e descrenças!”.

No entanto, conforme já disse um sábio antigo: tudo vibra, tudo tem seu ritmo, nada está parado. A maior parte das células de nosso corpo não tem mais do que uma década de idade. Ao longo da vida, todas as células que nos formavam ao nascermos terão morrido, e sido substituídas... O que permanece? Um fluxo, um teatro mental, uma encenação cerebral? E, ainda assim, quem nos garante que este teatro têm nos apresentado a mesma peça, a exata mesma peça, de 15 anos atrás? Quem nos garante que as máscaras que usávamos então, ainda são as mesmas?

Muitas vezes o folião não percebe como suas máscaras têm mudado, carnaval a carnaval... E não é preciso se converter a Nosso Senhor Jesus Cristo ou a Nosso Doutor Richard Dawkins para efetivamente mudarmos. Para mudar, basta viver!

Da mesma forma que cada novo dia recebe fótons inteiramente novos do sol matinal, em nosso cérebro algumas células estão morrendo, e outras nascendo. Em nossa personalidade, ideias, símbolos, crenças, informações, pensamentos, estão em constante mutação e afloramento. Não as represemos! É de nossa natureza mudar, e todo questionamento é divino... Foi da dúvida, e não do dogma ou da certeza infalível, que surgiram à religião, a filosofia, a ciência, a arte e a mitologia. Foi para reencenar este turbilhão de ideias internas, quem sabe, que Deus nos deu a imaginação. Mas então, para que tudo isso? Para que imaginar, ou vivenciar, todos esses bailes sem fim?

***

Na primeira vez que adentrou Azeroth, o mundo de RPG virtual, veio a convite de seus amigos em sua cidade natal. Nasceu novamente como humano, mas um humano feito de pixels, que habitava a capital Stormwind, e soltava raios de gelo pelas mãos! Ganhou muita experiência e níveis de poder ao se agrupar com seus amigos virtuais, e enfrentar a horda inimiga, seus orcs e trolls, ao longo de toda a Azeroth. Quando chegou ao nível máximo, adentrou Molten Core e matou o Demônio em pessoa (ou pixels), ganhando poderosos tesouros... Mas depois, com o tempo e as repetições, após matar o Demônio pela 42º vez, enjoou.

Voltou ao “mundo real”, e só se lembrava de suas aventuras em Azeroth num ou noutro sonho... Mas então, o mundo de Warcraft se expandiu, e agora seus amigos lhe chamavam para renascer novamente neste baile de pixels. Entretanto, ele estava relutante: “Não vai dar, fazem muitos anos que parei, eu mal lembro como era o jogo, e as regras mudaram muito, vou ter de subir de nível com um outro personagem, tudo de novo”.

Ao que seu amigo respondeu: “E eu também. Mas quem disse que jogamos este jogo para estarmos sempre no nível máximo, e sempre com os mesmos personagens? Jogamos porque somos amigos, e gostamos de nos aventurar juntos, ora bolas!”.

Estranho de se pensar, seu amigo tinha toda razão... Desta vez, criou um monge panda [3] que nasceu numa ilha formada no casco de uma gigantesca tartaruga, a navegar por Azeroth. Depois escolheu defender a horda, e fez muitos amigos entre os orcs e trolls que, da outra vez, eram seus inimigos mortais. Uma nova vida, uma nova encenação, uma nova personalidade virtual – não importa, o importante é que estava ali para se divertir com os amigos, reais ou virtuais [4].

Assim também é este dito “mundo real”, e se aqui não podemos soltar bolas de fogo ou voar nas costas de dragões, podemos ainda imaginar tudo isto, pois que tudo, no fim do dia, surgiu da imaginação. Em nossa mente, nada nos impede de nos reunirmos com aqueles que amamos, ainda que seja no casco de uma tartaruga gigante, numa ilha errante.

Vivemos nesta idade humana, nesta humanidade, que por vezes nos acusa de sermos loucos por imaginarmos que, nalgum dia, adentramos masmorras obscuras dentro de nós mesmos, e por lá enfrentamos terríveis dragões, e conquistamos tesouros fantásticos. Se lhe acusam de tudo isto, não faz mal, minta para eles: “Sou são, e não comungo com tais loucuras”.

Porém, entre seus amigos, entre todos os iniciados, continue batalhando para que sua loucura seja feita de luz. Cada vez mais luz...

» Em seguida, alienígenas entre nós...

***

[1] Jogo de interpretação de personagens, criado por Gary Gygax e Dave Arneson no século passado, a partir de jogos de tabuleiro com miniaturas.

[2] World of Warcraft, ambientado no mundo imaginário de Azeroth, foi o primeiro RPG online a alcançar a marca de 10 milhões de assinantes mensais no mundo, e até hoje domina boa parte deste mercado.

[3] Aos iniciados: um pandaren, nova raça da expansão Mists of Pandaria.

[4] Boa parte disto é uma narrativa fictícia, se eu realmente estivesse voltando a jogar World of Warcraft, este blog estaria seriamente ameaçado :)

Crédito das imagens: [topo] Elmore; [ao longo] Divulgação (World of Warcraft: Mists of Pandaria)

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22.6.12

Todas as guerras do mundo, parte 1

Guerra é um confronto sujeito a interesses da disputa entre dois ou mais grupos distintos de seres, que se valem da violência para tentar derrotar o adversário.

Quem chora pelos demônios?

Columbine sempre fora um local pacato. Situada em Colorado, nos EUA, a escola sempre teve um dos índices mais elevados do país na aceitação de seus alunos em universidades, com cerca de 82%. Columbine também se orgulhava de não registrar casos de violência. O policial de plantão se limitava a multar alunos que estacionavam os carros nas vagas destinadas a professores. A escola também era famosa por ser conservadora e privilegiar aos atletas, que defendiam os times da própria instituição. Foi esse o provável estopim da tragédia...

Em Abril de 1999, dois alunos que se sentiam excluídos dos outros grupos, particularmente por não serem atletas e nem muito dados ao convívio social, entraram armados até os dentes em Columbine, e atiraram em quem viram pela frente, matando 13 e ferindo 21, dentre professores, alunos e funcionários. Quando a polícia chegou, os jovens assassinos atiraram contra as próprias cabeças, morrendo imediatamente. Deixaram uma nota, encontrada perto dos corpos, que dizia: “Não culpem mais ninguém por nossos atos. É assim que queremos partir”.

Mas não era apenas um suicídio, e sim um verdadeiro ato de terror. A mídia na época procurou analisar minuciosamente a vida dos dois jovens, na tentativa de encontrar uma possível motivação para ato tão brutal... Como não era conveniente culpar as grandes indústrias do entretenimento, na época a maior parte da “culpa” caiu no colo da indústria dos videogames que, há mais de uma década atrás, não tinha a força política e econômica de que dispõe hoje. Os assassinos de Columbine eram assíduos jogadores de Doom, um dos primeiros games de tiro com visão em primeira pessoa e cenários 3D.

Em Doom, o personagem controlado pelo jogador é um fuzileiro espacial de um mundo futurista fictício. Ele é deportado da Terra para Marte quando se recusa a atirar em civis desarmados (ordem de um oficial superior). Para seu infortúnio, em Marte uma experiência militar secreta dá errado, e abre uma espécie de “portal para o Inferno”, de onde saem demônios e zumbis, que precisam ser dizimados pelo jogador. O jogo foi muito criticado pelos conservadores por exibir muito sangue (apesar de ser o sangue dos demônios) e muitas “imagens satânicas” (afinal, eram demônios ora essa). O fato de o personagem estar agindo heroicamente para proteger a Terra e, principalmente, o fato de ele estar nessa situação exatamente por ter se recusado a atirar em civis desarmados, é sumariamente ignorado pelos críticos conservadores. Doom foi o primeiro bode expiatório que a sociedade americana encontrou para “explicar” o massacre em Columbine.

Mesmo após Doom, muitos outros games similares sofreram a acusação de incitar a violência nos jovens, incluindo outros baseados nas guerras modernas, onde os inimigos não eram demônios, mas membros de um exército inimigo... Com o tempo, as acusações foram “esfriando”, até que se soube que o próprio exército dos EUA via com muito interesse o impacto que tais games provocavam nos jovens.

Com o alistamento caindo ano após ano, o exército americano precisava de um chamariz que pudesse realmente “seduzir” os jovens. Assim foi criado o America’s Army, um jogo inteiramente gratuito onde todo o treinamento militar americano é simulado, até que os jogadores são aprovados no “exército virtual”, e podem então realizar missões militares pelo mundo afora, numa simulação de guerra que privilegia a estratégia, o trabalho em equipe, e que é elogiada por seu realismo. Interessante como, após o lançamento do America’s Army, os produtores de games de guerra passaram de personas não gratas para grandes colaboradores da tecnologia de treinamento e alistamento militar.

Ao contrário de Doom, no entanto, games como o America’s Army, Full Spectrum Warrior e outros, apesar de agora serem reconhecidos como “algo sério” pela sociedade americana, tem um grande problema, ironicamente ignorado pelos conservadores: neles os inimigos são soldados, pessoas como nós, seres humanos, e não demônios ou zumbis. Para um jovem americano, pode ser entusiasmante jogar uma simulação da guerra no Iraque. Para um jovem israelense, pode ser incrível simular um conflito com palestinos terroristas... Mas, para os jovens palestinos, iraquianos, ou árabes, nem tanto.

Dizem os generais que a guerra não tem nada de bonito há não ser a vitória. Eles talvez estejam errados: na guerra, nem a vitória é bonita. Ainda assim, segundo o psicólogo Steven Pinker, “provavelmente vivemos na época mais pacífica da existência de nossa espécie” — mesmo que, “confrontados com intermináveis notícias sobre guerra, crimes e terrorismo, pudéssemos facilmente pensar que vivemos na era mais violenta jamais vista”. Em seu livro Os melhores anjos de nossa natureza, Pinker defende a tese de que, grosso modo, a violência tem diminuído muito no mundo civilizado, ao menos se formos considerar números relativos, e não absolutos. E ele provavelmente tem toda razão, se hoje vivemos alarmados com a violência, é muito mais pela atenção que a mídia dá a ela, do que por ela estar realmente crescendo. Entretanto, mesmo Pinker concorda: é exatamente na guerra que a moral humana é subitamente reprimida, e os ecos da nossa animalidade, nossa propensão à barbárie, retornam com toda a força. Mas, como acabar com a guerra? Seria com a educação?

Pode até ser, mas vai depender de que tipo de educação que estamos falando, e da real atenção que queremos dar a ela. Os gastos militares do exército dos EUA, por exemplo, são exorbitantes (de longe o maior do mundo), e superam em muito não só o investimento em educação, como em saúde, em ciência, e em quase tudo o mais somado. Ainda assim, lado a lado com alguns países do Oriente Médio, como Omã, Iraque e Israel, os gastos militares americanos, numa comparação percentual com o PIB (Produto Interno Bruto), não mais figuram entre os primeiros da lista. Em todo caso, o gasto com a indústria bélica é muito elevado no mundo todo, principalmente se considerarmos que ainda temos milhões de miseráveis, e um clima global cada vez mais instável para tomarmos conta...

Se parte do gasto do exército dos EUA vai para produzir games de simulação como o America’s Army, porque não investir também em games ainda mais educativos, que simulem estratégias de paz, e não de guerra? No game Peacemaker (Pacificador), cabe ao jogador escolher jogar como o Primeiro Ministro de Israel, ou a Autoridade Palestina. Neste jogo muito elogiado pela crítica especializada, o objetivo da simulação é chegar a um tratado de paz duradouro entre Isreal e a Palestina, e, ao contrário de tantos outros jogos, chegar a uma situação de guerra significa perder o jogo, e não ganhar – independente do resultado final da guerra. Para os jovens que desenvolveram esse game como um projeto numa universidade americana, tendo sido lançado comercialmente em 2007, apenas a paz é bela, apenas a paz indica que o jogo foi vencido.

Em tantos e tantos games de simulação de guerra, os “demônios” a serem mortos estão sempre do outro lado, na nação inimiga. Mas, e quem chora pelos demônios? Os palestinos choram pelos seus mortos da mesma maneira que os israelenses. Quando são atingidos por balas, sangram da mesma maneira, e até mesmo o sangue é da mesma cor... Talvez os assassinos de Columbine tenham se espelhado mais nos senhores da guerra, nos ditadores de ideologias falsas que pretendem nos fazer crer que existem seres “do outro lado”, inimigos, que não são como nós, que não pensam como nós, que não sangram ou sofrem como nós, e que merecem morrer como demônios, pois é mais fácil pegar um fuzil e matar do que negociar acordos e tratados de paz.

Infelizmente (ou felizmente) os demônios de Doom nunca existiram. Em todas as guerras do mundo, nunca existiu um único inimigo que não fosse humano, que não tivesse alma, como nós temos. Talvez o exército dos EUA esteja investindo nas ideias erradas: precisamos de gente criativa e pacífica, como os criadores de Peacemaker, e não de jovens sedentos por atirar em demônios... Afinal, é capaz de eles um dia acreditarem, como os generais acreditam, que a vitória é bela, e que os demônios da nação vizinha são realmente demônios.

» Na próxima parte, o mito das nações...

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Crédito das imagens: [topo] Divulgação (Doom); [ao longo] Divulgação (America’s Army); Divulgação (criadores do game Peacemaker)

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10.2.09

O criacionismo de Spore

Em Setembro de 2008 o conceituado designer de jogos Will Wright realizou o projeto de sua vida: finalmente o jogo Spore era lançado. Will é conhecido por seus jogos de simulação, como Sim City, um simulador de administração de cidades que até o ex-prefeito do Rio, César Maia, jogava; ou The Sims, o jogo que "simula a vida real" e foi o grande responsável por uma legião de mulheres passar a se interessar por jogos de computador... Mas Spore foi algo muito mais ambicioso: um simulador do desenvolvimento de uma espécie de vida, desde os estágios celulares (em uma poça) até a conquista do espaço, após ter passado pelos estágios intermediários de criatura, tribo e civilização.

Não quero aqui analisar o jogo em si, que achei excelente (principalmente nas duas primeiras fases, geniais!), mas sim lembrar que foi lançado a poucos meses do ano em que a teoria de Darwin-Wallace para a evolução das espécies completa 150 anos, enquanto também comemora-se os 200 anos do nascimento de Charles Darwin. Ora, para os cientistas e céticos, nada mais oportuno do que se deleitar com um jogo tão educativo, e verificar que a ciência finalmente está chegando no "campo de visão" dos jovens, correto?

Nem tão depressa... Na verdade, muitos cientistas tem criticado Spore num ponto fundamental: por incrível que pareça, acaba por defender, de certa forma, o criacionismo, ou neo-criacionismo. Ora, sabemos que durante o jogo nossa célula vai evoluindo até virar peixe, depois uma espécie anfíbia, depois uma espécie que pode lembrar diversas outras conhecidas, de répteis a aves ou mamíferos, ou algo completamente novo e exótico... Isso porque é o jogador quem decide! É o jogador quem define como a espécie vai se desenvolvendo com seus "pontos de DNA". É simples identificar porque os cientistas céticos não gostaram muito da idéia: primeiro, não existem os tais "pontos de DNA", na verdade as espécies se desenvolveram pela seleção natural de mutações em seu próprio DNA ancestral - segundo, teoricamente não existe inteligência alguma por trás desse desenvolvimento das espécies. Será mesmo?

Segundo a Wikipedia nos fala sobre o Neocriacionismo:

"Apesar da predominância de correntes evolucionistas nos meios acadêmicos, alguns cientistas tornaram-se notados por defenderem o criacionismo clássico, que envolve a crença num criador. Os argumentos de pessoas pertencentes a comunidade científica em favor do criacionismo apontam para a organização e exatidão das leis naturais. Essa visão dá uma imagem que parece com aquela proposta por Isaac Newton, ao comparar o mundo a um mecanismo que evidencia um projeto inteligente e sobrenatural."

Ou seja, me parece irônico e pitoresco que exatamente no jogo eletrônico onde mais se investiu em estudos para que a ciência fosse corretamente retratada, tenhamos o velho dilema do Evolucionismo vs. Criacionismo... Porém, não seria o caso de nos perguntarmos se, em realidade, as coisas não sejam exatamente uma mistura das duas teorias? Será que antes não se complementam, antes de se exlcuir mutuamente?

De fato, a teoria de Darwin-Wallace nunca pretendeu explicar a origem da vida, apenas a forma pela qual ela se desenvolveu na Terra. Porém, mesmo lembrando que os elementos químicos que teoricamente possibilitaram o surgimento da vida no planeta tenham chegado aqui através de asteróides nômades, há que se perguntar - "mas e de onde exatamente vieram esses elementos?" - Pois ainda que toda a evolução das espécies na Terra seja fruto do código gerado por tais elementos, fica a questão de quem ou o que os criou, e se não teve um objetivo inteligente ou consciente. Afinal, todo efeito tem causa, e todo efeito que gera consciência teoricamente teve causa consciente. Lógica pura e simples.

Mas não temos provas: nem para o Evolucionismo (dentre os problemas podemos citar as grandes "lacunas" entre espécies de hominídeos, assim como o mistério do grande salto da consciência humana), nem para o Criacionismo (basta lembrar que "deus" ainda não desceu na Terra e nos informou de seus planos divinos, ou pelo menos não nos deixou nenhuma prova científica de que tenha feito isso). Então, só nos resta continuar jogando Spore, e ponderando sobre a grande questão... "Como você criaria o Universo?"

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Crédito da imagem: minha espécie no Spore

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