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20.3.09

O sistema da vida

Sistema: é um conjunto de elementos interconectados, de modo a formar um todo organizado.

Duas visões análogas a serem consideradas:

"Os organismos vivos podem obter sua energia de diferentes maneiras. Alguns, como os animais, os fungos e as bactérias que vivem no intestino humano, adquirem essa energia livre alimentando-se de outros organismos vivos ou de compostos orgânicos que eles produzem; esses organismos são chamados de organotróficos (do gênero trophos, que significa "alimento"). Outros, obtêm sua energia diretamente do mundo "não vivente". Estes se dividem em duas classes: os que obtêm energia da luz solar e aqueles que retiram energia de sistemas ricos em compostos químicos inorgânicos (sistemas químicos que estão longe do equilíbrio químico). Os organismos da primeira classe são chamados de fototróficos (alimentam-se da luz solar); os da segunda são chamados de litotróficos (que se alimentam de rochas). Os organismos organotróficos não sobrevivem sem os organismos conversores primários de energia, os quais constituem a maior parte da massa da matéria viva na Terra.

Para sobrevivermos, dependemos de organismos fototróficos, os quais incluem muitos tipos de bactérias, de algas e de plantas - e virtualmente todas as 'coisas vivas' que ordinariamente vemos ao nosso redor. Os organismos fototróficos mudaram toda a química de nosso ambiente: o oxigênio na atmosfera da Terra é um produto secundário de suas atividades biossintéticas.

Os organismos litotróficos não são tão obviamente observados em nosso mundo, provavelmente porque eles sejam organismos microscópicos e porque a maioria vive em lugares não-frequentados comumente pelos humanos - nos abismos oceânicos, no subsolo da crosta terrestre ou em vários ambiente inóspitos. Mas eles compreendem a maior parte do mundo vivo e são especialmente importantes em qualquer consideração a respeito da história da vida na Terra."

Trecho do Capítulo 1 (As Células Podem Ser Alimentadas por Várias Formas de Energia Livre) de "Biologia Molecular da Célula", diversos autores, editora Artmed.

***

"A lei do progresso não se aplica unicamente ao homem. Ela é universal. Há, em todos os reinos da natureza, uma evolução que foi reconhecida pelos pensadores de todos os tempos. Desde a célula verde, desde o embrião flutuando nas águas, a cadeia das espécies, no decurso de séries variadas, tem-se desenrolado até nós.

Nessa cadeia, cada elo representa uma forma de existência que conduz a uma forma superior, a um organismo mais rico, mais bem adaptado às necessidades, às manifestações crescentes da vida. Mas, na escala da evolução, o pensamento, a consciência, a liberdade aparecem apenas depois de muitos degraus. Na planta, a inteligência fica adormecida; no animal, ela sonha; apenas no homem ela acorda, conhece-se, possui-se e torna-se consciente*. A partir daí o progresso, de alguma sorte fatal nas formas inferiores da natureza, só pode realizar-se pelo acordo da vontade humana com as leis eternas."

Trecho de "O Problema do Ser, do Destino e da Dor", Leon Denis, editora FEB.

* Alguns atribuem a ele uma outra frase: "A alma dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no animal e acorda no homem." - a qual é motivo de discussão, no entanto a analogia clara com o que a Biologia Moderna descobriu anos depois é muito pertinente a alguma reflexão acerca da vida. Basta lembrar que a idéia de que a vida também é encontrada em abundância no Reino Mineral, por vezes em simbiose com animais como vermes tubulares, é bastante nova na história da Humanidade, considerando-se a tecnologia e conhecimento necessários para chegar até ela.

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Crédito da imagem: Andy Cambiasso

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6.3.09

Reflexões sobre o ceticismo, parte 3

continunando da parte 2...

Energia: é o potencial inato para executar trabalho ou realizar uma ação.

Quando a energia gera a si mesma.

Quando falamos em energia, as pessoas podem ter as mais variadas concepções. Para um físico energia é "a propriedade (um atributo) de um corpo ou partícula. Não existe sentido em dizer que algo é energia pura"; Já para um devoto de Saint Germain, energia também pode ser "espiritual, com as qualidades de misericórdia, perdão, justiça, liberdade e transmutação, e podemos invoca-la em nome de Deus, para que essas qualidades sejam transmitidas momêntaneamente a nós"; Para os que entendem energia como Ki, Chi ou Qui, "ela pode ser associada de um modo bem amplo ao conceito ocidental de energia: diferentes ideogramas com este mesmo som (da pronúncia da palavra 'Ki') representam em chinês a energia dos alimentos, do ar e a energia pré-natal".

O grande problema das definições não-científicas de energia é que elas são, na grande maioria, pouco específicas acerca do que pretendem definir. São muito mais um conceito, uma idéia, do que parte de um sistema lógico de compreensão do mundo físico. Se a energia é entendida como "potencialidade", não faz mesmo sentido falarmos em "energia positiva" ou "energia negativa" - não é a energia que é positiva ou negativa, mas o uso que fazemos dela. Mesmo essa classificação como positivo ou negativo depende de nossos próprios conceitos do que vem a ser "positivo" e do que vem a ser "negativo"... Interessante que existe uma analogia a isso na ciência: quando falamos em pólos magnéticos positivos ou negativos, estamos usando termos definidos pelos cientistas que servem apenas para definir os pólos que se atraem (opostos) ou se repelem (idênticos).

Então, da mesma forma que poderíamos chamar a energia eólica de "positiva", pois pode nos auxiliar a reduzir o aquecimento global (visto que outras formas de energia contribuem muito mais para o aquecimento do globo), se chamarmos o ódio de "energia negativa", estaremos apenas atribuindo um julgamento a um sentimento humano, sentimento este que pode ser "forte", mas que será sempre "negativo", já que tende a prejudicar ou machucar as pessoas (inclusive a própria pessoa que sente ódio).

Tudo isso é muito filosófico, mas passa longe de uma análise mais cética, que pretende definir com mais clareza o que é energia enquanto conceito científico (um atributo das partículas) e o que são a miríade de energias espirituais: sentimentos, entidades, seres imateriais, forças metafísicas? - Por mais que essas definições embrulhem o estômago de alguns céticos, o ceticismo não pretende ignora-las, mas apenas compreender o que realmente modifica a nossa realidade física, e o que não passa de mito ou imaginação.

Da mesma forma, para os espiritualistas, compreender a energia de forma científica me parece um bom caminho para classificar melhor as diversas teorias envolvidas, utilizando do ceticismo como ferramenta para julgar quais merecem maior crédito de estudo, e quais se apresentam absurdas de antemão. Se ouvirmos falar em "seres de energia", precisaremos nos perguntar então "de onde vem sua energia"? Toda teoria que diz que a energia gera a si mesma, que é uma entidade incriada, ou que existe desde o início do Universo, deve ser analisada e reanalisada, pois vai no sentido oposto de muito do que temos observado acerca da Natureza nos últimos séculos...

Não me parece que a consciência, ou alma, ou espírito, seja imaterial. Pelo contrário, diversas teorias espiritualistas modernas, como o espiritismo, ou milenares, como o I Ching, afirmam exatamente que a energia vem das coisas em si, não de fora delas, e que não é a energia que opera a matéria, mas a matéria que irradia energia... Se essa matéria interage com a luz (fótons), se já foi detectada em laboratório, se assemelha-se mais a ondas eletromagnéticas do que a partículas determinadas no espaço, aí sim é uma outra história. Porém, essa "outra história" passa a não soar tão absurda a luz de um ceticismo responsável, por mais que possa soar absurda a um materialista convicto.

Como disse Lavousier, "na Natureza nada se cria e nada se perde, apenas se transforma" - Imaginarmos que "raios de energia espiritual" podem se formar no Universo, apontados para nós, porque "de alguma forma os invocamos por nossa fé em Deus", pode até soar confortador e nos ajudar bastante quando estamos nos sentindo depressivos, porém usarmos desses conceitos metafísicos ao pé da letra para explicar os sistemas naturais ao nosso redor me parece um extremo exagero, no mínimo um atentado ao ceticismo.

Por outro lado, continuarmos estudando a consciência humana e outros fenômenos ainda além das cartilhas científicas, valendo-nos do ceticismo, me parece no mínimo uma promessa de estudo dirigido pela lógica... Até onde a ciência nos explica a Natureza, saudemos a ciência. Nos limites do horizonte onde ela ainda não chega, valemo-nos da lógica, do bom senso, e de um ceticismo como ferramenta de ajuda, e não de cegueira.

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Crédito da foto: Diiego!

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4.3.09

Reflexões sobre o ceticismo, parte 2

continunando da parte 1...

Mecânica quântica: é o estudo dos sistemas físicos cujas dimensões são próximas ou abaixo da escala atômica, tais como moléculas, átomos, elétrons, prótons e de outras partículas subatômicas. A Mecânica Quântica é um ramo fundamental da física com vasta aplicação. Para compreender melhor este artigo é recomendado ver esta animação explicando a dualidade onda/partícula pelo experimento de fenda dupla.

Quando a quântica deixa de ser física.

Para começar nossa história, vamos trazer a informação deste artigo da Superinteressante sobre o livro mais antigo do mundo:

"Os físicos do século 20 descobriram que as partículas que compõem a matéria estão em perpétua transformação: prótons se convertem em elétrons que se convertem em nêutrons, e assim por diante. O Universo não é algo estático, mas uma massa de energia em constante transformação, uma teia de processos infinitos e dinâmicos – ou mutações. E mais: o fluxo de metamorfoses que domina o mundo subatômico e forma tudo o que existe é regido pela dança de opostos. Os elétrons de carga negativa giram em torno dos núcleos de carga positiva, formando o átomo e o Universo.

Niels Bohr, um dos pais da física quântica, ajudou a derrubar a noção de que as leis que regem o Cosmos são independentes da matéria – em vez disso, hoje se acredita que essas leis emanam da própria energia em mutação que forma o mundo. Idéia que pode ser resumida no seguinte lema: 'As leis naturais não são forças externas às coisas, mas representam a harmonia e o movimento inerente às próprias coisas'. Note bem: essa frase não saiu de um livro de física. É um trecho do I Ching."

Na história da ciência, engana-se quem imagina que encontram-se apenas gênios racionais, porém absolutamente materialistas. Como dito anteriormente, a ciência não é materialista nem espiritualista, é apenas um método racional de observação e compreensão da Natureza. Ora, Niels Bohr foi genial, um dos pais da física quântica, mas não usou apenas sua razão para chegar a criação e comprovação dos ramos científicos pelos quais é reconhecido: sem dúvida, não apenas ter lido o I Ching e pesquisado doutrinas espiritualistas, como também não ter tido receio de usar sua própria imaginação, decerto o ajudou imensamente, talvez tanto quanto o próprio estudo do cálculo em si.

Não é materialista quem crê na existência da matéria, fosse esse o caso alienado seria aquele que não fosse materialista. É materialista aquele que acredita que somente a matéria existe, e que tudo pode ser explicado através dela, incluindo a consciência... O problema não é crer especificamente que somente a matéria existe, mas crer que essa matéria se resume aquela matéria já detectada, do tipo que interage com a luz (fótons) - assim como crer que todos os mecanismos por detrás da formação e funcionamento dessa matéria já foram desvendados pela ciência (por exemplo: classificar de absurda por antemão uma teoria que afirme que "a alma" pode ser formada de "matéria desconhecida"). Se Bohr houvesse se limitado pelo que "já se sabia" sobre a matéria, teria sido materialista, teria ignorado o I Ching possivelmente, e seria um completo desconhecido na história da ciência.

Porém, não foi através do I Ching que Bohr compôs suas equações. O I Ching, a exemplo do que falamos sobre o ceticismo em si anteriormente, foi uma ferramenta e não um meio em si próprio: nesse caso, a espiritualidade e imaginação de Bohr o auxiliaram em suas descobertas científicas - porém, o que ele alcançou dentro da ciência, foi somente através do método científico. O problema está, obviamente, em se misturar os conceitos e os métodos.

Ultimamente a física quântica tem sido vítima dessa confusão. São livros, documentários e outras mídias que afirmam que "somente a consciência causa o colapso de onda, então a realidade física só existe porque a observamos", e que não param por aí, dizem mais adiante que "se podemos causar o colapso de onda, podemos moldar nossa própria realidade". Em suma, uma extrapolação não apenas da ciência, mas também de diversas noções espiritualistas, extrapolação esta que afirma que em última instância "as coisas a nossa volta ocorrem porque pensamos nelas, ou as desejamos."

Segundo a teoria da Redução Objetiva Orquestrada, dos cientistas Stuart Hammeroff e Roger Penrose, a consciência é fruto de processos quânticos no cérebro, e nossas decisões nada mais são do que "colapsos de onda de estados cerebrais" - essa teoria de que pensamentos e decisões podem ser explicados pela Mecância Quântica é não apenas de uma lógica elegante, como também resolve o problema da ausência de livre-arbítrio nas teorias que afirmam que absolutamente tudo, mesmo nossas decisões morais e sentimentos, são fruto de reações químicas do cérebro, que são por si mesmas já determinadas.

Muitos cientistas e espiritualistas viram essa teoria como uma forma de ligação entre o que diz a ciência e o que diz a espiritualidade. Amit Goswami é um físico polêmico que, à partir dessa teoria, chegou a inúmeras conclusões das quais infelizmente uma análise cética nos traz muitos poucos resultados, ou mesmo nenhum, que possam ser considerados à luz da ciência. Mas pelo menos Goswami partiu de uma teoria científica, infelizmente não precisamos nem de muito ceticismo para perceber que muitas outras teorias pseudocientíficas acerca da Mecânica Quântica e da consciência não passam de uma espécie de mistificação da espiritualidade, também sem nada de realmente científico.

Analisemos a teoria mais comum em muitos desses livros, que diz que "qurendo muito podemos modificar a realidade a nossa volta": imaginemos duas ruas transversais, um cruzamento com um sinal para cada uma, e um motorista em cada uma delas, dirigindo seus respectivos carros em direção ao cruzamento, ainda um pouco distante. O motorista A, usando dessa teoria, pode imaginar que o sinal deve ficar verde enquanto ele está cruzando. O motorista B fará o mesmo. Então, o que diabos ocorrerá? Será que a Natureza irá "medir" quem está "desejando mais forte" que o final fique verde, e julga-lo o ganhador? Ou pior, será que a Natureza não fará absolutamente nada e ambos se encontrarão em um acidente estúpido? Ou um dos motoristas, reconhecendo "sua falta de fé", irá freiar o carro bem a tempo? Qual o "segredo" nessa teoria? O "segredo" é que ela é ilógica, injusta, e portanto não serve nem para a ciência nem para a espiritualidade (tudo bem, muitos espiritualistas até tem uma visão utópica de que "pela fé tudo conseguimos", mas se isso significa prejudicar o direito do próximo, de que vale uma "fé que favorece a injustiça"?).

Nesse sentido verificamos que o ceticismo é uma poderosa ferramenta para que julguemos de forma responsável e justa teorias científicas e espiritualistas. Pode ser que o ceticismo as vezes nos leve a lugares sombrios, mas enquanto estiver baseado na lógica, na ponderação e coerência de pensamento, ainda assim será um poderoso aliado nessa jornada pela selva dos mistérios da Natureza. Nosso facão para cortar as matas da ilusão, mas também para formar uma trilha coesa em direção as maravilhas que a Natureza ainda nos esconde.

Na última parte, a energia na ciência e a energia na espiritualidade...

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Crédito da foto: Mark Miller e The Virgo Consortium

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3.3.09

Reflexões sobre o ceticismo, parte 1

Ceticismo: é a doutrina que afirma que não se pode obter nenhuma certeza a respeito da verdade, o que implica numa condição intelectual de dúvida permanente e na admissão da incapacidade de compreensão de fenômenos metafísicos, religiosos ou mesmo da realidade. O termo originou-se a partir do nome comumente dado a uma corrente filosófica originada na Grécia Antiga.

Quando o ceticismo é bom?

A primeira vista o ceticismo nos parece algo cinzento e sem brilho: "não podemos obter nenhuma certeza a respeito da verdade, somos incapazes de compreender a realidade". Ora, mas que tipo de afirmação é essa? Será que tudo o que conhecemos, e mesmo a realidade, é algo falso e incompreendido? Esse tipo de pergunta ocorre para todos aqueles que, geralmente, de tão apegados a sua noção de realidade, tratam qualquer tipo de "afronta a sua realidade" mais ou menos como a loba que protege seus filhotes de estranhos, mostrando os dentes afiados.

Esse pensamento precipitado, quando extendido ao ceticismo científico, nos leva a crer que "como os próprios cientistas afirmam que não conhecem a verdade, então não devemos dar ouvidos a eles. Daremos ouvidos a quem afirma que a conhece, como a Bíblia." - obviamente que esse tipo de pensamento é bem arcaico e não se aplica a maioria dos religiosos dos dias atuais (será mesmo? espero que não se aplique), mas considerando nossa história religiosa, e de como foram necessários séculos de ciência para que modificássemos finalmente algumas de nossas noções mais básicas da realidade (como por exemplo, a de que a Terra gira em torno do Sol, e não o oposto, como acreditamos na maior parte de nossa história), poderemos entender como um cético hoje tende a ser "mau-visto" por aquelas pessoas que "tem certeza de que compreendem a realidade".

Felizmente, a Natureza nos mostra que não precisamos compreender a realidade para viver nela. Ou melhor: não precisamos compreender cada aspecto e detalhe das leis naturais, para que estas funcionem, e para que vivamos conscientes da maravilha que é a Natureza, ainda que talvez nunca a compreendamos devidamente. Vale então um outro pensamento: "mais vale avançar a passos curtos e cortando grama e galhos de ilusão, na trilha da Verdade, do que permanecermos alegres e felizes com o que já conseguimos, no vilarejo da Ignorância" - ou seja, tudo bem que não compreendamos toda a verdade ou toda a realidade, isso não nos impede, de forma alguma, de prosseguir nessa trilha de descobertas.

Será que só deveríamos nos sentir "seguros o suficiente para caminhar adiante" quando trazemos conosco, abaixo do braço, um Manual da Verdade Absoluta? Ou será que é perfeitamente possível seguir adiante, observando e desvendando a natureza, sem que tenhamos a "segurança aparente" de uma ou inúmeras Verdades? - o problema com essas perguntas é que que elas envolvem uma certa dose de risco: se vamos seguir adiante no ceticismo, é possível que muito do que consideramos a Verdade hoje esteja errado lá na frente, é possível que todo nosso trabalho de reflexão e análise dessa "verdade aparente" se perca, pois no futuro pode ser provado como falso; Por outro lado, se abraçarmos as verdades de algum Manual, e também essas se provarem falsas, teremos nos enganado duplamente - uma, em relação a nossa "verdade aparente" que se provou falsa, e outra em relação a crer que algum livro poderia ter nos trazido a Verdade Absoluta de mão-beijada.

O ceticismo não é inimigo da religião. Religião é apenas a forma que os homens encontraram para alcançar alguma forma de compreensão da Natureza de forma mais sentimental do que racional, mais no sentido do Amor do que da Razão. Não significa que um religioso não possa ser cético, não possa ser cientista, não possa unir todas as potencialidades humanas em prol de um conhecimento mais abrangente da Natureza. Significa apenas que um religioso precisa aprender a deixar de se apegar a este ou aquele dogma. Pois um dogma, enquanto "verdade já encerrada em si mesma", é a antítese da busca por conhecimento, busca essa que ocorre na religião (porque não?) tanto quanto em qualquer outra área de conhecimento humana. Talvez a busca religiosa seja mais interna do que externa, mais sentimental do que racional, mas continua sendo válida: não existe espaço na Natureza em que possamos "estar fora dela", portanto mesmo a busca interna não deixa de ser uma busca "dentro da Natureza".

Também podemos dizer que nem todo cientista será necessariamente cético (ainda que acredite piamente que o seja): ciência é conhecimento, é observação e compreensão racional das leis naturias. Ciência não é materialista nem espiritualista, ateista ou teista, ciência é apenas ciência, se baseia em fatos comprovados experimentalmente, e novas teorias que surgiram através deles, a ciência nunca teve a pretensão de "validar" ou explicar toda a realidade (nisso ela se assemelha ao ceticismo). O cientista que baseia toda a sua visão de realidade apenas na ciência, está no mínimo "vivendo pela metade", esquecendo-se de tantas outras coisas que a realidade nos traz, e que não podem ser medidas ou equacionadas... para não extender muito a lista, fiquemos apenas no Amor.

Como físico, Max Planck observou em seu livro "The Philosophy of Physics" [A Filosofia da Física], de 1936: "uma importante inovação científica raramente faz seu caminho vencendo gradualmente e convertendo seus oponentes: raramente acontece que 'Saulo' se torne 'Paulo'. O que realmente acontece é que os seus oponentes morrem gradualmente e a geração que cresce está familiarizada com a idéia desde o início". O ceticismo pode, portanto, tornar-se vicioso e sua prática deve ser balanceada. É importante que o cético mantenha-se neutro, tenha consciência de sua posição e evite um ceticismo descontrolado que possa vir a transformar-se num fanatismo tecnologico ou numa espécie de fundamentalismo onde se pretende "evangelizar o ceticismo científico" como úncia compreensão válida da realidade (quando o próprio ceticismo exatamente nos afirma que não podemos compreender a realidade por completo).

Quando o ceticismo é bom? A resposta é: quando ele é usado como ferramenta e não como fim. O ceticismo não é um fim em si mesmo, não é uma ideologia. O ceticismo é uma ferramenta para auxiliar na racionalização da realidade, e que leva em consideração a falibilidade humana acima de tudo. Ou, como nos diz R.T.Carrol sobre "em que os céticos acreditam":

"O ceticismo não é um conjunto de crenças, assim pode não haver muitas convicções mantidas por todos os céticos. Até mesmo se houvesse, tais convicções poderiam não revelar nada sobre o ceticismo, já que estas mesmas crenças podem ser mantidas por muitos que não sejam céticos."

Na continuação a relação do ceticismo com física quântica e algumas teorias espiritualistas...

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Crédito da foto: GarotosHorriveis

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Stay hungry, stay foolish

Neste discurso proferido para os formandos da faculdade de Stanford, na Califórnia, no ano de 2005, e com legendas em português (vá no botão "CC" e selecione "Traduzir legendas"), Steve Jobs, CEO da Pixar e da Apple, nos dá uma lição de vida em 3 contos e um pequeno lema: "Stay hungry, stay foolish".

Os contos falam sobre ligar os pontos em nosso passado, sobre amor e perda, e sobre a melhor invenção da vida: a morte.

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2.3.09

O caso da consciência 333, parte 2

continuando da parte 1...

O dr. Dennet ficou pasmo (se é que ele podia descrever tal sensação nesses termos, visto que nunca a havia realmente sentido antes). "Envolvimento com militares, esse caso poderá arruinar minha carreira" - foi a primeira coisa que lhe surgiu a mente... Trêmulo, pensou em tomar alguns comprimidos de emergência para evitar qualquer stress momentâneo, mas achou por bem primeiramente encerrar aquela seção, e mesmo o tratamento do paciente Parnia como um todo:

"Parnia, você chegou além do meu limite. Não posso continuar arriscando minha carreira no tratamento de indivíduo tão anarquista (nessa era essa era uma grande ofensa) quanto você... Iremos encerrar o tratamento ainda hoje, e peço encarecidamente que não comente com ninguém que algum dia fui seu psicanalista virtual!"

A consciência 333 ficou estranhamente calma, e falou ao doutor:

"Sabe dr. Dennet, devo lhe confessar uma coisa: realmente faz quase um ano que venho evitando tomar as pilúlas PG que me receitou. No início fiquei verdadeiramente apreensivo quanto a isso, pois que me parecia uma estupidez me arriscar a entrar em depressão, principalmente aqui na Terra onde esse mal é visto como algo ultrapassado, digno dos maiores alucinados nos arcabouços de contenção... Mas, sabe o que me deu a maior coragem em seguir adiante e interromper o tratamento?"

Vendo que o doutor estava tão exaltado que mal esboçou qualquer reação a pergunta, respondeu a si mesmo:

"Houve a quase um ano nosso encontro pessoal anual para discutir o tratamento e seus custos para o próximo ano. Eu sempre suspeitei de uma coisa, mas só a pude confirmar quando tive a oportunidade de conversar com o senhor pessoalmente, olhando em seus olhos - A verdade é que você nunca esteve especificamente interessado em que eu melhorasse. O senhor aceitou me tratar porque percebeu a oportunidade de tratar de alguém que foi famoso na infância, um homo sapiens geração 7 de alta cognição, e esperava que com seu 'tratamento infalível' a base das novas pílulas PG eu voltasse ao meu 'equilíbrio' e aceitasse voltar a MSGoogle-Academics, e consequentemente ao noticíario extra-planetário, o que lhe garantiria no mínimo a maior fama que poderia almejar em sua vida... Mesmo que seja uma vida a base de amplificadores genéticos, de quase 4 séculos de duração..."

"Ora, isso eu não nego. Será crime almejar ser bem sucedido na carreira? Será crime esperar que um jovem tão promissor como você pudesse aceitar finalmente que todo seu potencial cognitivo fosse devidamente explorado pela Scientia?" - Agora mais calmo, o doutor pode participar do diálogo.

"Dr. Dennet, me desculpe, mas exatamente de que carreira estamos falando?"

"Parnia, você sabe muito bem: psicoterapia."

"Uma pena doutor, pois que eu saiba a psicoterapia faz parte do tratamento de pacientes com problemas psicológicos que os aflingem e atrapalham em sua vida. Para ser um psicoterapeuta deve-se, portanto, não só estimar sempre a melhora constante e gradual de seus pacientes, como ama-los e estimula-los em qualquer caminho que lhes traga felicidade. Uma pena que nenhum desses conceitos foi compreendido pelo senhor. Uma pena que a única 'felicidade' que conhece é aquela que vem através de uma pilúla. Boa sorte doutor, ainda que viva 4 séculos, o senhor vai precisar dela..."

E desligou o holocomunicador.

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Nota: o objetivo deste conto não é estimular pacientes em estado de depressão a deixar de tomar anti-depressivos. Se tudo o que você compreendeu desse conto foi isso, talvez seja melhor o ler novamente. Não vivemos numa "era científica-materialista" no contexto do conto, e felizmente ainda temos livre-arbítrio o suficiente para sermos capazes de discutir se nossa consciência é apenas fruto de uma configuração exótica do cérebro, ou algo mais profundo...

Crédito da foto: Mª Eugênia M. Guimarães

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1.3.09

O caso da consciência 333, parte 1

Era a última seção do dia 265/611ec (lê-se dia 265 do ano terrestre 611 da Era Científica) e o doutor Dennet já estava ávido para encerrar o dia de trabalho, afinal já estava atendendo pacientes em seu consultório virtual a quase 4 horas seguidas - "Que estranho, estou me sentindo descontente com o trabalho de novo, preciso lembrar de duplicar a dose semanal de PG447 (lê-se proteínas G de estímulo a sensações de prazer relacionadas ao trabalho)" - pensou, para logo após compreender o porque do mal-estar: teria de atender novamente o caso do paciente Parnia, o caso da consciência 333.

As consciências eram então classificadas por extensos códigos, mas normalmente apenas os 3 últimos dígitos eram usados para classificações de pacientes de consultóros psiquiátricos. Isto é, os dígitos associados ao nome de registro na sociedade. Parnia333 era filho de Greenfield012, e fora gerado por configuração genética classe A a cerca de 25 anos terrestres... Era dono de uma cognição impressionante. Quando jovem fora noticiado na imprensa galáxica como primeiro homo sapiens de geração 7 da MSGoogle-Genetics a conseguir resolver equações quânticas de nível gama aos 6 anos, e conseguir elaborar construções virtuais em 9 dimensões aos 15 (os outos que conseguiram tais feitos não foram completamente gerados em laboratórios certificados, e portanto não constavam nos registros da Scientia); Porém, infelizmente, talvez a exemplo dos outros "candidatos a gênio", recusou-se a cumprir o programa de Ensino a Excepcionais da MSGoogle-Academics, e foi excluído do noticiário... Em sua cidade, muitos dizem que foi esse o principal motivo de seu quadro psiquiátrico de felicidade ter se agravado, ao ponto de hoje estar próximo da depressão, algo absolutamente impensável na era atual.

Sua mãe, Greenfield, já havia relatado ao dr. Dennet que em repetidas semanas houvera reparado que Parnia havia simplesmente desintegrado as pílulas PG (anti-depressivas e de estúmulo ao amor-próprio e contentamento social) que o tratamento prescrevia que tomasse. Quando finalmente sua mãe teve coragem de tocar no assunto, ele apenas se limitou a dizer "que não queria que pílulas determinassem sua vida. Se era verdade que a consciência humana tendia a depressão se fosse deixada sem controle químico, ele queria conhecer essa depressão, queria 'saborea-la', queria ter o controle de suas próprias decisões." - A tendência a experiência anti-científica do livre-arbítrio era ainda comum nas colônias planetárias distantes, onde ainda praticavam-se crendices arcaicas de outras eras. Mas que isso ocorresse na própria Terra, e ainda, em um homo sapiens de geração 7, era impensável para o dr. Dennet. Em suma, talvez fosse essa série de eventos que estivesse lhe causando certo desconforto. Mas teria de continuar a atender Parnia, não queria "desistir" de um paciente, sua reputação na Scientia dependia inteiramente disso.

"Olá doutor" - Disse Parnia no holocomunicador, com uma expressão intrigante, misto de tristeza e alegria inexplicáveis para os conceitos do dr. Dennet.

"Olá Parnia. Aqui consta que seu quadro continua perigosamente próximo a depressão... Você seguiu minha recomendação de tentar a transferência de consciência para um corpo feminino, talvez a interação hormonal ou o simples efeito de novidade tivesse algum efeito mais aprofundado que as pílulas PG que tenho certeza que está tomando regularmente, não?"

"Oh sim doutor, eu tentei a transferência por duas semanas. Foi algo bem interessante, sem dúvida. Ocorre que eu não sou bissexual como a maioria, então não pude aprofundar o tratamento a nível de experiência sexual, se é que me entende..."

"Parnia, Parnia... Você de fato é um espécime raro. Existe por acaso alguma característica genética ou memética em sua consciência que se assemelhe 'a alguma maioria'?"

"Genética ou memética não doutor... Mas confesso que desde que experimentei parar com as seções de refreamento da Pineal, assim como as seções de eletromagnetismo fluido para supressão de flutuações quânticas nas sinapses cerebrais, tenho compreendido muito mais acerca das outras dimensões que visualzei quanto ainda jovem..."

"O que?!" - pululou o dr. Dennet visivelmente exaltado - "Você tem idéia do que é isso? O desligamento continuado desse tipo de tratamento deve ser explicitamente permitido pela Scientia e só ocorre em casos raríssimos! Você por acaso está agindo de maneira anti-científica, contra a lei?"

"Ora doutor, ir contra a lei não é mesma coisa que ir contra a ciência... Até mesmo porque tenho uma visão um pouco diferente do que seja a ciência, pelo menos da visão da maior parte das pessoas. A começar pelo fato de crer que algumas novas descobertas serão alcançadas em laboratórios fora do padrão da Scientia, alguns deles pertencentes a Mobilização Linux de colônias a alguns anos-luz da Terra. Mas o fato é que consegui uma autorização da lei para interromper o tratamento, portanto estou inteiramente dentro da lei."

"Como conseguiu esse tipo de autorização, Parnia?"

"Eu consegui manter contato cognitivo de classe beta com consciências extra-corpóreas, não catalogadas no sistema da Scientia. O grupamento militar ExxonBlackwater ficou bastante alarmado quando consegui trazer provas de que certos segredos militares foram transmitidos a mim por esse tipo de contato, tanto que me liberou do tratamento de refreamento da Pineal, que sempre foi o principal obstáculo para que eu continuasse a ter esse tipo de experiência... anti-científica, como bem sabe..."

continua...

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Crédito do desenho: Santiago Ramón y Cajal

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