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26.1.18

O problema do niilismo: o mundo da razão

Desde que o Ocidente começou a questionar os valores e concepções do mundo antigo e tradicional, seja através da ciência, da literatura ou da filosofia, alguns tem anunciado o niilismo como a destruição da moral e a ruína do homem. Depressão, indiferença, suicídio. Mas o que representa verdadeiramente o niilismo?

Para compreender o niilismo, antes precisamos nos remeter ao contexto de sua origem, percebendo como ele se relaciona com dois movimentos filosóficos modernos: o racionalismo e o romantismo. Como o assunto é extenso, dividirei o ensaio em duas partes, cada uma destinada a situar uma visão filosófica.

Sabemos que o ser humano é o único animal que necessita não apenas de abrigo e alimento para viver, como também de sentido. Sentir a sensação de propósito para nossas atividades cotidianas, conexão com algum contexto maior e que nossa existência não seja indiferente ao mundo. Até alguns séculos atrás, as tradições culturais da comunidade em que o homem se inseria compunham narrativas que forneciam o sentido que podíamos ansiar.

O mundo antigo era um mundo regido por tradições. Toda sociedade possui seus costumes, crenças, relações, que, mais do que particularidades culturais, são as ancoragens subjetivas dos membros daquela comunidade. Sabemos quem nós somos – da onde eu vim, para onde eu vou, o que eu devo fazer – a partir das crenças e experiências que compartilhamos com os outros.

As tradições locais e culturais constituem o laço simbólico ao qual nos filiamos para constituir a nossa existência, definindo nossa raça, nossa classe social, nossas expectativas quanto ao mundo. Ser camponês ou nobre representavam perspectivas existenciais muito distintas, assim como ser grego ou chinês, homem ou mulher. Diferentes filiações implicam em diferentes obrigações, ritos e responsabilidades em cada sociedade.

A religião tinha um papel fundamental no mundo antigo. Através dos códigos morais, a religião estabelecia quais comportamentos deviam ser encorajados ou punidos, explicavam a razão da existência dos seres humanos no mundo, e oferecia às pessoas – geralmente através de uma explicação metafísica – um sentido para viverem e realizarem algo durante a vida.

Tomemos a Idade Média como exemplo. Ser homem ou mulher representavam diferentes obrigações sociais. Assim como se nobre ou camponês. A religião cristã afirmava que a nobreza era uma missão divina, de modo que o nobre deveria defender e expandir os valores cristãos, uma tarefa pela qual era valoroso inclusive morrer. Já um camponês deveria saber que Jesus amava os humildes, e que sua vida de dificuldades seria recompensada após a morte, caso obedecesse a moral cristã. A religião oferecia um lugar e um sentido à vida, mantendo também a sociedade em funcionamento na medida do possível.

Para nós ocidentais, talvez seja mais fácil imaginar a sociedade medieval por conta da proximidade cultural, mas toda sociedade tradicional – chinesa, indígena, africana, romana etc. – funcionou do mesmo modo. Através de mitos, lendas e narrativas, símbolos sociais funcionaram como norteadores de sentido para cada ser humano que viveu neste mundo.

Cada ser humano acreditou fielmente na tradição de sua comunidade, e morreu acreditando nela. Muitas vezes, morreu em nome dela, defendendo-a até que uma espada cruzasse sua garganta. As crenças não apenas nos dão um sentido para viver, mas um sentido para morrer. O homem que vive com sentido alcança também uma “boa morte”, seja ao morrer em nome de sua pátria, comunidade ou mesmo de sua filosofia.

As crenças das sociedades tradicionais também ofereciam algum reconforto nas dificuldades. Quando se perdia um ente querido ou a terra era assolada por uma alguma peste, os homens encontravam nas narrativas metafísicas um sentido, e a esperança de que os deuses um dia recompensassem os homens que permanecessem fortes.

Porém, tudo isso começou a mudar quando surgiu a ciência moderna no Ocidente. Transformações culturais ocorridas no fim da Idade Média fizeram surgir um particular modo de pensar, conhecido como racionalismo.

O racionalismo não é exclusividade da modernidade ocidental. Na Grécia Antiga já existiam filósofos que defendiam uma visão racional de mundo. Também na China Antiga e em outras civilizações existiram pensadores igualmente racionais, se podemos dizer assim. Mas, em nenhuma dessas sociedades, este modo de pensar foi capaz de suplantar o modelo tradicional. Existiram apenas enquanto pensadores marginais. Somente na sociedade ocidental que o racionalismo difundiu-se ao ponto de transformar a própria forma como existimos em sociedade.

O racionalismo – também conhecido por movimento iluminista, embora não seja indicado usar este termo por nos dar a falsa noção de que a Idade Média foi um período de obscurantismo, sem nenhum valor filosófico – representou um período em que ideias centradas na razão começaram a se difundir. A ciência questionava os conceitos e valores difundidos pela Igreja e pela fé. O interesse científico era a realidade. Entender como as coisas funcionavam: os astros, o corpo humano, o pensamento.

A ciência se difere da religião na medida em que enquanto a primeira se preocupa com os fatos, a partir de uma ideia de realismo, a religião é uma ferramenta de valor. A ciência busca entender como o mundo funciona, enquanto a religião tenta explicar o porquê de existir um mundo, e qual valor podemos atribuir aos acontecimentos dele.

O método científico não é mais do que um método de investigação da realidade. A ciência pode dizer como os planetas giram ao redor do Sol, qual solo é mais produtivo para determinado plantio ou que forma de energia é mais rentável. Mas não pode dizer por que os planetas giram, por que devemos plantar um alimento e não outro, e qual o objetivo em se acumular mais energia.

Certamente poderíamos responder, através da ciência, que o movimento astronômico tornou a vida humana possível, que precisamos do alimento para viver, e que energia é necessária para as atividades humanas. Mas isso é mera questão técnica. Pragmática. Nada disso diz respeito ao sentido da existência, apenas às necessidades da manutenção da existência em si. A religião pode fornecer um sentido para a existência, e por isso religião é mais do que uma mera estrutura institucional. A própria etimologia da palavra (religare) está relacionada com “religação”, a conexão do homem com um propósito maior.

A emergência da ciência teve um efeito corrosivo ao modo de vida tradicional. A ciência, interessada pela verdade dos fenômenos, entrou em choque com o modelo tradicional de pensamento. O método científico, apoiado no ceticismo, questionou as verdades estabelecidas pela fé e a autoridade. Os valores e sentidos atribuídos pela religião e o pensamento tradicional.

Num mundo marcado pela ordem tradicional, em que ser homem ou mulher, nobre ou camponês, cristão ou judeu, representavam perspectivas existenciais muito bem definidas do seu nascimento à morte, o racionalismo começou a difundir valores como liberdade individual e tolerância à diferença. O liberalismo entendia o indivíduo como livre e responsável pelo seu destino, destituindo assim os laços simbólicos e tradicionais que o situavam enquanto raça, classe ou mesmo gênero.

O mundo racional dependia também da liberdade de expressão e da diversidade de pensamento. As ideias deveriam se mostrar verdadeiras através da demonstração científica e do debate, não pela autoridade. Isto, por exemplo, destitui o lugar de um velho pajé ou xamã de uma aldeia indígena. Numa sociedade racionalista, o saber do pajé não possui valor por ele ser o pajé, mas apenas se este saber puder ser verificável num método confiável.

A ciência questionava os valores tradicionais, concebidos como verdadeiros, para adotar uma verdade meramente pragmática, sempre parcial. O único critério que importa à ciência é a capacidade de um fenômeno ser explicado, previsto e, portanto, controlável.

O racionalismo deu assim início à era da técnica, em que os problemas humanos são vistos como questões operacionais. Cabe à ciência entendê-los adequadamente para encontrar sua solução. Doenças podem ser curadas se a medicina descobrir qual a sua causa. A fome pode ser reduzida se empregarmos sistemas mais eficazes de agricultura e pecuária. A miséria pode acabar se a política adotar sistemas econômicos eficientes em distribuir a riqueza. Distâncias podem ser encurtadas com a melhoria dos meios de transportes e comunicação.

Vivemos tempos de uma grande corrida tecno-lógica. Na crença de que o desenvolvimento técnico-científico poderá resolver nossos problemas, estamos sempre atrás de novos computadores, carros, ferramentas, aplicativos que facilitem nossas vidas. A corrida, porém, parece interminável. A cada ano surgem novidades sem precedentes.

O mundo antigo era um mundo de estabilidade. As pessoas nasciam, cresciam e morriam num mundo muito parecido. Ideias, costumes e ferramentas permaneciam praticamente intactos no transcorrer desse tempo. Já o mundo moderno assumiu um ritmo de transformações cada vez mais crescente. Não sabemos se nos próximos meses surgirá uma nova tecnologia que revolucionará novamente nosso modo de viver. Diante de tamanha imprevisibilidade, não há espaço para a transmissão de qualquer tradição. O homem deve estar sempre se adaptando ao novo, seja em seu trabalho, nas suas relações, ou em suas crenças.

Se os primeiros racionalistas tinham a ilusão de que a ciência iria um dia desvelar o funcionamento do Universo, prescindindo completamente da religião, alcançando um saber absoluto da realidade, essa posição hoje parece infundada. Como método, a ciência não alcança verdades definitivas, mas entendimentos parciais da realidade. A possibilidade de descobrir algo novo está sempre aí, não apenas porque a realidade pode ser mais profunda do que julgamos previamente, mas a própria ciência é sempre limitada pelo seu meio de investigação. Teorias científicas não simplesmente descrevem a realidade, como também as criam na medida em que selecionam evidências a favor, descartam índices contrários e dão privilégio a determinado modo de conceber o mundo. Não há uma teoria absoluta, mas diferentes teorias podem coexistir por tratarem do mesmo fenômeno por perspectivas diferentes, sem que um precise ser reduzido ao outro. O mundo em si permanece como absurdo e muito mais incompreensível do que nossas técnicas antropocêntricas poderiam alcançar.

A ciência também pode se tornar um pensamento religioso quando se acredita que ela é mais do que apenas um método para entender o funcionamento da realidade. Chamamos de cientificismo a crença de que a ciência, assim como a religião, pode dotar de sentido e valor a realidade que investiga. Um cientificista é alguém que acredita que a ciência – ou seu determinado modo de conceber a ciência – é uma visão de mundo onipotente para explicar todos os fenômenos, mesmo àqueles que extrapolam seu escopo, e qualquer outra forma de pensamento seja irrelevante. A mais alta demonstração da arrogância racionalista.

Porém, se levarmos a ciência e o pensamento racional a sério, não são às certezas que eles podem nos levar. A ciência questiona aquilo que pensamos ser verdadeiro – demonstrando que crenças religiosas sobre o céu e o inferno transmitidas por séculos parecem pouco prováveis, ou que classe social, casta ou gênero não definem quem eu realmente sou, pois não há qualquer destino divino para o que eu posso ser. Em resumo, a ciência libertou o homem dos grilhões do pensamento tradicional. No entanto, ela descartou algo junto com isso.

Mitos e lendas não são formas primitivas de explicar o mundo e transmitir conhecimento. As narrativas tradicionais compunham os alicerces simbólicos de uma comunidade. Através delas, os indivíduos identificavam-se com seus deuses, heróis ou antepassados, encontrando sentido para suas existências, dando continuidade a uma tradição maior do que eles mesmos.

O mundo da razão desprivilegiou as narrativas em favor das explicações lógico-matemáticas, fisicalistas e bioquímicas sobre o homem, esvaziando a vida humana de um sentido simbólico. Se o mundo moderno se tornou um lugar mais seguro e confortável para viver, amparado pelo avanço tecnológico crescente, parece ter se tornando também um mundo menos empolgante. Os altos níveis de depressão e suicídio dos países desenvolvidos indicam isso.

O niilismo, o sentimento de ausência de sentido para a vida, surgiu quando a razão moderna dissolveu a tradição como princípio norteador para a vida humana. A ciência destruiu as certezas do mundo antigo, mas foi incapaz de afirmar qualquer novo valor, já que isso não é de seu escopo.

A relação do homem moderno como o mundo foi precisamente descrita pelo personagem Morty num episódio da série Rick e Morty: “ninguém existe por um motivo, ninguém pertence a algum lugar, todos vamos morrer”.

Se a frase lhe parece desanimadora, essa foi exatamente a crítica dos conservadores ao mundo moderno. Tristeza, banalidade e indiferença. Os conservadores defendem que precisamos retomar as antigas tradições, inibir a razão, além de incentivar experiências simbólicas de transcendência através da fé.

Porém, o relógio da História não anda para trás. Não há retorno para as mudanças operadas pela ciência. Não por acaso, geralmente tratamos os conservadores como fundamentalistas loucos, que devem ser ridicularizados ou temidos. Ao mundo moderno, parece que há algo mesmo de loucura em se ter uma grande certeza sobre alguma coisa.

Coube ao movimento romântico dar uma resposta muito mais interessante ao problema do niilismo do que puderam fazer o conservadorismo e o racionalismo. Trataremos disso no próximo texto.

Igor Teo é psicanalista e escritor. Para saber mais acesse o seu site pessoal.

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Crédito das imagens: [topo] Google Image Search; [ao longo] Rick and Morty

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22.1.18

Reflexões políticas, parte final

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Ideias que humilham, ideias que iluminam

Em março de 2011 um grupo de adolescentes pichou mensagens contra o governo no muro de uma escola na cidade de Deraa, no sul da Síria. O ato foi reprimido de forma brutal: alguns dos adolescentes foram presos e torturados pelas forças policiais do presidente Bashar al-Assad. Tal ação foi como uma faísca a acender uma explosão de revoltas populares em boa parte do país. Os sírios em geral já se queixavam a algum tempo do alto desemprego e da falta de liberdade política, inspirados pela chamada Primavera Árabe; assim, com a reação desproporcional do governo às manifestações que se seguiram (incluindo a morte de manifestantes), uma epidemia revolucionária cobriu as principais cidades sírias, e eventualmente surgiu uma guerra civil contra o governo central. Essa guerra dura até hoje (início de 2018), e deixou boa parte do território em ruínas.

Ora, é claro que devemos considerar a importância estratégica da Síria em meio ao complexo jogo político milenar do Oriente Médio. De um lado tínhamos o interesse da Rússia em manter seu principal aliado no domínio daquela região; do outro, tínhamos os EUA e boa parte da Europa interessados justamente em minar a influência russa. Os grupos rebeldes, como de costume, foram financiados pelos EUA, e desse caldeirão descontrolado surgiu o chamado Estado Islâmico. A moral da história é que não devemos financiar revoluções em culturas que desconhecemos... No entanto, há ainda outro ensinamento antes desse, este sim válido para todo e qualquer país democrático, independente da região do planeta: o que garante a democracia é justamente o diálogo político, a convivência pacífica, os acordos tácitos possíveis entre lados opostos, os partidos e o Congresso. Sem eles, sem alguma espécie de Estado, com suas instituições mais ou menos independentes, as coisas descambam para as “soluções antigas”: violência, guerra civil, massacres étnicos etc.

Então, se por um lado a Síria era um caso muito específico de uma região particularmente problemática do planeta, por outro o fato é que quando a política deixou de existir por lá, o que se seguiu foi algo sombrio e nefasto, algo muito pior do que mera discordância de ideias e debates de bar. E, se formos analisar como tudo isso começa, chegamos à ideia de que um lado precisa não somente vencer um debate de ideias, mas humilhar o adversário; e, depois, se possível, acabar com a sua carreira política, acabar com o seu partido, acabar com a sua vertente ideológica. Dessa forma, fica muito claro que há ideias que vêm para humilhar e destruir, e ideias que vêm para iluminar e engrandecer o debate. Das primeiras, surgiram os regimes totalitários mais sanguinários de nossa história; das últimas, surgiram os próprios alicerces de toda a civilização digna do nome.

O meu objetivo principal desde que comecei a falar de política aqui no Textos para Reflexão não foi o de defender um ou outro lado em específico [1], nem mesmo o de fazer uma análise política ou econômica aprofundada. Como poeta, eu estou mais interessado nas relações humanas do que nos ideais políticos e/ou partidários. Como amante da sabedoria, eu estou mais interessado no debate construtivo do que nos embates que buscam tão somente “destruir e humilhar o argumento contrário”. Como cidadão, eu estou mais interessado em compreender todas as nuances da polis, todos os seus pontos de vista e receitas para o melhor caminho, do que em ingressar em seitas ideológicas que creem piamente que acharam a solução de todos os nossos problemas.

Mas, enfim, antes de encerrar esta série precisamos endereçar mais uma vez o problema dos eixos ideológicos. Como vimos no início, o eixo “esquerda-direita” se mostrou absolutamente incapaz de abarcar todas as formas de ideologia política. Depois, vimos como o Diagrama de Nolan, com seu eixo adicional de “totalitarismo-liberdade”, foi capaz de abranger uma gama bem maior de ideais políticos. Finalmente, começamos a ver o Diagrama rachar ao analisarmos totalitarismos de esquerda e de direita, e depois se esfacelar completamente quando consideramos a questão da globalização (e do “globalismo”). Em nossa viagem até aqui, portanto, ficou um tanto claro como a mera existência de um eixo ideológico, por si só, é incapaz de encerrar todas as questões pertinentes a ele, e definir completamente a posição de cada ideologia.

Por exemplo, ainda no caso da globalização: ora, poderíamos construir um novo eixo à partir dela, e se numa ponta teríamos os grandes entusiastas da própria expansão das trocas econômicas e culturais entre todos os cantos do planeta, como uma Rota da Seda a percorrer todos os países, no outro teríamos o pessoal mais nacionalista, que acredita que a abertura cultural e comercial pode prejudicar a difusão de sua própria cultura local, alterando de forma nem sempre positiva os seus valores mais tradicionais, que garantiam a estabilidade política e ideológica da nação.

Bem, os nacionalistas costumam ficar no espectro do “politicamente incorreto” nessa questão, mas será que eles mereceriam ser demonizados? Será que nada do que falam merece ser levado em consideração? Será que uma cultura de séculos baseada em valores religiosos e conservadores estaria preparada para ser “invadida” por filmes com cenas de sexo, nudez e uso de drogas? E, por outro lado, será que uma cultura de séculos baseada em valores democráticos e progressistas estaria preparada para receber grandes levas de imigrantes com um pensamento completamente diverso? Tudo isso são questões que muitos nacionalistas conservadores levantam, e que não merecem ser demonizadas, mas debatidas. No mínimo, ainda que eles sejam “voz vencida”, pelo menos ficarão mais satisfeitos por terem sido ao menos ouvidos. Pode ser muito, muito perigoso deixar conservadores à margem das decisões políticas, dentre outras coisas porque ainda que eles não costumem se organizar tanto para irem as ruas protestar, quando finalmente o fazem, as ruas costumam se abarrotar de gente, uma vez que é perfeitamente normal que todas as sociedades tenham uma proporção maior de conservadores do que de progressistas (fica a dica).

***

Em meados do ano passado, quando inclusive já havia começado a escrever esta série, esbarrei na internet com uma espécie de teste de coordenadas políticas e ideológicas chamado 8values. Nele, após respondermos a 70 afirmações razoavelmente bem elaboradas com assertivas que iam de “concordo fortemente” a “discordo fortemente”, chegamos a um resultado final que mede nossas coordenadas políticas não somente em um ou dois eixos, mas em quatro eixos (com oito valores ideológicos, daí o nome do teste: “oito valores”, em português). E isso foi o que mais me chamou a atenção nele, pois parecia fazer todo o sentido usarmos alguns eixos a mais para definir melhor onde se situam exatamente nossas ideias políticas e econômicas:

O eixo econômico
Neste eixo, temos de um lado o polo ideológico que defende a igualdade, as políticas públicas e a maior distribuição de renda. E, do outro lado, o polo que defende o mercado, o incentivo ao livre-mercado e a valorização do crescimento econômico.

O eixo diplomático
Neste eixo, temos de um lado o polo ideológico que defende o nacionalismo, a defesa da independência governamental em relação às regulações globais e o maior controle do fluxo de imigrantes. E, do outro lado, o polo que defende a globalização, a defesa dos tratados de cooperação global e a maior abertura das fronteiras aos imigrantes.

O eixo civil
Neste eixo, temos de um lado o polo ideológico que defende a liberdade individual, a descriminalização do uso de drogas e uma interferência mínima do Estado nas questões de cunho privado de cada um, como sua sexualidade. E, do outro lado, o polo que defende a autoridade estatal, o combate ao uso de drogas e a possibilidade do Estado intervir em questões de cunho privado, invadindo a privacidade alheia se necessário.

O eixo social
Neste eixo, temos de um lado o polo ideológico que defende a tradição, os valores religiosos e conservadores, e uma crítica aos ditames do chamado Estado Laico. E, do outro lado, o polo que defende o progresso, os valores do racionalismo científico, e uma crítica a qualquer tipo de interferência religiosa no Estado.

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Claro que, ainda assim, tais eixos continuam não sendo valores absolutos, pois as ideologias humanas não são como a temperatura, que pode ser medida em graus. Elas se misturam e se interconectam a todo momento; elas passam por ciclos e movimentos pendulares; elas num tempo podem parecer lógicas e pragmáticas, e noutro, utópicas e apaixonadas.

O que é mais importante compreender de tudo isso é que ninguém é obrigado a “pensar em bloco”, pois de fato não existe “venda casada” quando falamos de ideologias. Por exemplo: não é porque um sujeito defende a descriminalização de todos os tipos de drogas que ele necessariamente precise defender a descriminalização do aborto; não é porque alguém se coloca contra os grandes tratados de comércio internacional que ele necessariamente precise defender o fechamento das fronteiras aos imigrantes de países pobres; não é porque uma pessoa defenda as políticas de distribuição de riquezas aos mais necessitados (como o Bolsa Família) que ela necessariamente precise se posicionar contra toda e qualquer privatização de empresas estatais... Os exemplos aqui seriam infindáveis.

O que o 8values nos ajuda, portanto, é a percebermos o quanto podemos ter em comum com nossos adversários de debates políticos, o quanto muitas vezes podemos discordar tão somente num dos eixos, enquanto concordamos em geral nos três demais. Muitas vezes, afinal de contas, debatemos mais por defendermos apaixonadamente certas “ideologias pré-moldadas” do que por realmente discordarmos absolutamente uns dos outros. O maior e mais antigo remédio para isso é aprender a pensar por si mesmo, e deixar de ser mero papagaio de seitas ideológicas mundo afora.

***

O teste 8values foi criado em Abril de 2017 por um usuário anônimo do GitHub, cujo codinome é TristanBomb. Eu gostei tanto do teste que recentemente o traduzi para o português e o hospedei em meu site. Caso queiram realizá-lo, cliquem aqui.

Algum tempo depois de haver lançado o teste em português tive a curiosidade de tentar entrar em contato com o autor original (hoje ele é um projeto colaborativo, mas a essência do teste ainda é inteiramente dele), e acabei descobrindo que se trata de um garoto do Arizona, nos EUA, provavelmente viciado em Civilization, que criou todo o projeto como um trabalho escolar quando tinha, pasmem, dezesseis anos...

Então, gostaria de levar isso em consideração e voltar à frase de Eduardo Galeano, para encerrar a série:

Este mundo de merda está grávido de um outro, e são os jovens que nos levam adiante.


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[1] Dito isso, não nego nem nunca neguei que sou de centro-esquerda e defendo o modelo político-econômico escandinavo, apesar de ter lucidez suficiente para saber que o Brasil não é uma Suécia tropical, e talvez jamais seja. No entanto, espero ter deixado claro em meus textos que somente pelo fato de eu “defender um lado” não significa que eu deseje ver “o outro lado exterminado” – muito pelo contrário, como já disse inúmeras vezes: quando o outro lado é exterminado, temos a certeza de que uma ditadura foi instaurada.

» Veja também o debate Entre a esquerda e a direita

Crédito das imagens: [topo] Dimitar Dilkoff/AFP/Getty Images (soldados infantis da guerra na Síria); [ao longo] 8values/TristanBomb/raph.

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17.1.18

Reflexões políticas, parte 4

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O avanço dos monopólios globais

Donald Trump nunca foi exatamente muito querido para além da sua base eleitoral em seu próprio país, mas não podemos ignorar que aqueles que lhe apoiam costumam defender algumas de suas ideias de forma bastante fervorosa. E não, nem todos são conservadores de direita.

Por exemplo, no Peru, a coalisão de esquerda Frente Ampla organizou várias manifestações de apoio a Trump ainda durante a eleição de 2016. E, mesmo após a sua surpreendente vitória, eles continuaram a se manifestar em seu favor e contra o então presidente, Barack Obama. O objetivo deles era muito claro: Trump havia prometido cancelar o Tratado Transpacífico (TPP) assim que tomasse posse. O que a esquerda do Peru queria era derrubar mais um grande tratado de livre-comércio que favorecia a Globalização e as grandes empresas multinacionais.

O TPP vinha sendo costurado ao longo de pelo menos 5 anos pelo governo Obama com a China e outros países que são banhados pelo Oceano Pacífico. Antes da saída dos EUA, o TPP reunia 40% da economia mundial, e um mercado de pelo menos 800 milhões de consumidores. Até mesmo o atual vice-presidente dos EUA, Mike Pence, o defendeu enquanto era governador do Estado de Indiana, em 2014: “comércio significa empregos, mas também segurança”.

E, de fato, desde o advento da bomba nuclear, o mundo civilizado se inclinou para um esforço de integração econômica, social, cultural e política entre as nações que, de uma década para outra, subitamente tinham toda a razão para não guerrearem mais abertamente pela conquista de territórios, pois com as novas armas a destruição mútua de dois países nucleares envolvidos num conflito seria praticamente garantida. A todo este movimento das três últimas décadas do século passado se convencionou dar o nome “Globalização”. Em 2000, o Fundo Monetário Internacional (FMI) identificou quatro aspectos básicos da Globalização: comércio e transações financeiras, movimentos de capital e de investimento, migração e movimento de pessoas e a disseminação de conhecimento.

Muito bem, e apenas três dias após assumir o cargo de presidente dos EUA, Trump cumpriu o prometido e se retirou do TPP. Não foi somente a esquerda peruana que aplaudiu, muitos eleitores de Bernie Sanders, que perdeu as prévias do Partido Democrata para Hillary Clinton, também se entusiasmaram. Ora, até mesmo o próprio Sanders elogiou a medida de Trump: “Agora é a hora de desenvolvermos novos tratados de comércio que beneficiem as famílias de trabalhadores, e não somente as corporações multinacionais”. Sanders, como muitos devem saber, está muito mais a esquerda dentro do partido Democrata do que a mulher de Clinton. Alguns americanos chegaram a acusá-lo de ser “socialista”. Muito radical!

Bem, nesse momento vocês já devem ter percebido a imensa estranheza da coisa toda: se Trump foi considerado um candidato de extrema-direita durante a eleição de 2016, e Sanders era basicamente o representante da extrema-esquerda (até onde é possível ser de extrema-esquerda no sistema americano, obviamente), como é possível que eles concordassem em gênero, número e grau acerca da necessidade do seu país se retirar o mais breve possível do potencial maior tratado de livre-comércio da história da humanidade? Mesmo recorrendo ao Diagrama de Nolan [1], continuamos confusos: era para a esquerda combater o comércio desregulado e as grandes multinacionais, era para a esquerda, e somente a esquerda, ter tamanho asco da Globalização. Então, onde diabos Trump está situado, seria ele de esquerda?

Para resolver tal enigma eu confesso que tive de recorrer aos meus amigos da direita econômica. Devo dizer que, obviamente, a maior parte não é nenhum fã de Trump, mas foi de nossas conversas que pude entender um pouco melhor como foi que, afinal de contas, parte da direita passou a se contrapor a grandes acordos como o TPP. Eles dizem que o ódio deles é diferente do ódio da esquerda, pois eles odeiam na realidade o Globalismo, e não a Globalização... Pois é, agora teremos de tentar entender o que é esse tal de Globalismo.

Em minhas pesquisas pelas “mídias alternativas”, eu encontrei o depoimento mais sensato acerca do que seria o Globalismo na voz de Rodrigo Constantino, uma espécie de “herói nerd” da direita, isto é, do chamado liberalismo econômico. Me baseando no vídeo do Constantino no YouTube, eu consegui traçar mais ou menos as diferenças entre Globalização e Globalismo:

Características da Globalização
(a) Defesa da implementação de acordos de livre-comércio simples para a redução efetiva das barreiras comerciais e/ou do protecionismo.

(b) Tende a favorecer a maior integração entre os povos e culturas, diminuindo as chances de guerras (sobretudo nucleares).

(c) Empregos locais são afetados (são transferidos para países onde a mão de obra é mais barata, muitas vezes por poder ser explorada livremente em regimes ditatoriais), mas há benefícios à economia do país como um todo, gerando crescimento e novas oportunidades (sobretudo nas áreas tecnológicas).

(d) Tende a gerar menos burocracia e mais livre-comércio (em teoria).

Características do Globalismo
(e) Tende a favorecer os grandes acordos comerciais validados por “superburocratas sem rosto”, não eleitos diretamente pelo povo; como, por exemplo, os burocratas de Bruxelas (Suíça), que determinam os rumos econômicos da União Europeia.

(f) Na verdade a complexidade burocrática tende a aumentar em acordos econômicos “esotéricos”, cheios de cláusulas que em realidade favorecem mais a manutenção do monopólio global das multinacionais do que propriamente um livre-comércio genuíno.

(g) Assim, os empregos locais continuam sendo afetados, mas não está tão claro se o domínio dos mercados globais por multinacionais de fato melhora a economia geral dos países (isto é: o que melhora de fato a economia global é o livre-comércio, algo que não está garantido aqui).

(h) Ao invés de uma real integração de culturas, há uma tendência de imposição cultural por parte de multinacionais de mídia, como a Disney ou Hollywood como um todo (algo não necessariamente tão ruim, os nerds adoram!).

(i) Mais burocracia nos grandes acordos de comércio mundial garante o avanço dos monopólios globais, e não o livre-comércio. Tudo se torna como “um jogo de cartas marcadas”, onde só sobrevivem os “amigos do Rei”.

***

Ou seja, o que a gente que fala em Globalismo quer dizer é que o sonho do livre-comércio mundial, da grande integração de culturas sem a supressão de umas pelas outras, da ideia da garantia da paz através da maior integração econômica num mundo genuinamente livre e democrático, isto é, as grandes promessas da Globalização, que tudo isso está colocado em xeque pelo avanço dos “superburocratas sem rosto” que desejam tão somente implementar uma agenda de comércio global que favoreça somente as grandes multinacionais. Isto é, aqueles conglomerados empresariais que, no frigir dos ovos, são exatamente os que financiam os “superburocratas” e os mantém, como fantoches, onde estão.

Mas, se eu entendi bem, o que o Constantino fez foi justamente listar, um por um, todos os pontos negativos da Globalização. Afinal, não é nem preciso ser hermetista para saber que sim: obviamente a Globalização não ocorreria sem que os grandes grupos de poder tentassem ditar o seu rumo de maneira a se manterem exatamente onde estão – no topo do mundo.

Talvez seja por isso que desde que o processo de Globalização se acentuou o número de bancos nos EUA tenha se reduzido drasticamente, o que foi impulsionado pela crise de 2008. Ora, seja porque eles vêm sendo comprados por bancos maiores, seja porque simplesmente não conseguem mais “competir” com os “amigos do Rei” e entram em falência, o resultado é o mesmo: maior concentração de mercado, maior monopólio, maior poder a uma elite cada vez menor do sistema financeiro. Aonde está o sonho do livre-mercado, afinal? Talvez ele tenha sido uma espécie de mito estranho, que já existiu, e não existe mais.

Também poderíamos levantar algumas questões. Uma delas: se a maior potência econômica democrática do planeta terceiriza boa parte de seus empregos do setor industrial para outra potência ascendente, porém ditatorial e supostamente comunista, ela está defendendo propriamente o livre-mercado ou o chamado “capitalismo de Estado”? Outra: se a democracia supostamente mais bem sucedida do globo é a maior aliada de um Estado teocrático onde surgiram as ideias fundadoras do maior grupo terrorista de nosso tempo, ela está defendendo propriamente a liberdade de crenças ou os seus próprios interesses? Diga-me com quem andas que eu te direi quem és – isso também é válido nas relações comerciais?

Enfim, eu poderia falar muito mais sobre a doença do capitalismo, mas isso já foi tratado em nossa série Entre a esquerda e a direita [2], portanto me perdoem, mas vou voltar ao tema anterior para podermos encerrar...

Voltemos aos manifestantes da esquerda peruana, que gritavam e brandiam seus cartazes contra o TPP. Diga-me, com sinceridade: você acha mesmo que eles estavam lá para defender o ideário dos “superburocratas sem rosto” de Bruxelas, ou estavam tão somente tentando defender a manutenção dos seus próprios empregos? Ora, e o mesmo foi feito por boa parte dos eleitores que deram a vitória a Trump em estados americanos onde historicamente venciam os democratas. Eles estavam pensando em si mesmos, na manutenção e/ou melhora das suas condições de vida, e não em favorecer o avanço de multinacionais sobre os países alheios, ainda que muitos desses conglomerados empresariais sejam fruto do próprio sistema americano. Eles não querem saber o quanto uma multinacional de petróleo lucrou com a invasão do Iraque, eles querem um emprego com salário digno e, se possível, paz. Somente isso.

E, se os que chamam os aspectos nefastos da Globalização de Globalismo são simplesmente incapazes de dividir o mesmo espaço na rua com aqueles que sempre enxergaram o que havia de intrinsecamente errado no processo de Globalização conforme orquestrado por algumas multinacionais e um punhado de “superburocratas sem rosto”, quem vocês acham que sai ganhando nessa história?


» Na sequência, encerramos a série: o Diagrama de Nolan já foi pro saco, agora precisaremos de alguns eixos a mais...

***

[1] Se não sabe do que se trata o Diagrama de Nolan, recomendamos muitíssimo que leia esta série desde o seu início.

[2] Em Entre a esquerda e a direita eu convidei dois amigos de espectros opostos das ideologias políticas para debatermos sobre política, economia e os rumos da nossa sociedade. Você pode ler sobre o tema específico da “doença do capitalismo” aqui, com meus comentários aqui.

Crédito das imagens: [topo] AP (peruanos protestam contra o TPP em Lima); [ao longo] Google Image Search (uma ilustração alegórica dos “superburocratas sem rosto”).

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13.1.18

Papo na Encruza: fui convidado para falar de Tarot

O Papo na Encruza é um podcast apresentado pelo pessoal do blog Perdido em Pensamentos: Douglas Rainho, Luiz Guenca, Roe Mesquista e Luciana Fidelis. Nele eles tratam quinzenalmente de diversos assuntos ligados a espiritualidade em geral, com foco em Umbanda e Magia.

Por exemplo, eles já falaram de Yeshuah, uma das maiores HQs de todos os tempos, diretamente com o seu autor, Laudo Ferreira; também já fizeram um excelente podcast com o Léo Lousada do canal Conhecimentos da Humanidade no YouTube, quando falaram de Kabbalah e Árvore da Vida. Desta vez, no entanto, o tema foi o Tarot:

O primeiro programa de 2018 está muito especial! Estamos falando sobre um dos mais populares oráculos e também uma das mais populares ferramentas de magia, o Tarot. Para não falarmos só bobagens chamamos dois especialistas, Raph Arrais, poeta, filósofo, tradutor e criador do blog Textos para Reflexão e a Professora Ediléia Diniz, Mestra em Ciências da Religião, Oraculista e professora de teologia e de tarô.

Este episódio foi transmitido no dia 12 de Janeiro de 2018, às 21 horas. Ouça o episódio gravado aqui:

Observações

1. Sobre o Tarot da Reflexão
Para quem não sabe, o Roe Mesquita é o ilustrador e criador, junto comigo, do Tarot da Reflexão. Durante diversos trechos do podcast falamos mais sobre como começou o projeto, e como está o andamento.

2. Sobre eu ser um "especialista em Tarot"
Quando vi que estavam me considerando um "especialista" em Tarot, escrevi este texto abaixo como um guia para tentar falar durante o podcast. Se você já ouviu ele inteiro deve ter percebido que não falei tudo, mas consegui falar boa parte do conteúdo:

Bem eu devo dizer que não sou nenhum especialista em Tarot, mas também nem sei se alguém é.

Tem gente, como o Constantino Riemma, autor do site Clube do Tarô, que é sem sombra de dúvida uma verdadeira autoridade mundial em história do Tarot.

Tem também gente como meu amigo Marcelo Del Debbio, que é uma das pessoas que mais entende da relação dos diversos baralhos de Tarot com as diversas ordens iniciáticas e com a Kabbalah Judaica e a Árvore da Vida. Quer dizer: faz essa mistureba toda e consegue trazer um resultado coerente.

Tem gente, como o Frater Goya, que é também uma autoridade imensa no Tarot do Aleister Crowley (Tarot de Thoth), na sua simbologia, como foi criado e tal...

Mas, assim, será que existe mesmo especialista em Tarot? Será que podemos fazer uma tese de mestrado ou doutorado em Tarot?

Eu vejo o Tarot muito como vejo a poesia. Tem um novelista inglês chamado John Galsworthy que um dia escreveu uma coisa eu que achei belíssima, e nunca mais esqueci. Ele disse que “as palavras são como cascas de sentimento”.

O que funciona na poesia é que, de algum jeito maluco, ela consegue trazer um sentimento embutido nas palavras. E isso já é meio que um milagre, se a gente for ver, porque é muito difícil descrever um sentimento. Dizer como exatamente amamos ou sentimos tristeza ou angústia e tal...

E o Tarot faz isso não com palavras, mas com imagens. E não com sentimentos, mas com arquétipos, com os grandes símbolos da humanidade, a Jornada do Herói de Campbell, as esferas da Árvore da Vida, os deuses de todas as mitologias, está tudo lá no Tarot. Mas aí que está: UMA CARTA É UMA CASCA.

É só quando a gente descasca essa casca que chegamos no fruto. E isso não está na carta, mas na nossa interpretação dela, na nossa intuição, na nossa mediunidade, quem sabe no contato direto ou indireto com o nosso Sagrado Anjo Guardião.

Por isso não adianta ser especialista em Tarot. É que nem ser especialista em história da natação. Saber todas as medalhas de ouro de todas as Olimpíadas e tal.

Mas só quem vai e mergulha entende o que é o mar!

E o Tarot não é questão de “ser especialista”. É questão de conhecer a si mesmo.

Então você não é um especialista em Tarot, mas pode ser um especialista em si mesmo, aí tudo bem...


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10.1.18

Lançamento: O Caibalion

As Edições Textos para Reflexão desta vez trazem a você o grande clássico do hermetismo moderno, O Caibalion.

Escrita e publicada no início do século 20 por estudantes anônimos do hermetismo, esta obra introdutória traz preceitos e axiomas do antigo hermetismo, comentados e explicados para uma nova era e um novo público. Publicado originalmente em inglês, nos EUA, este Caibalion é mesmo um fruto de nosso tempo, porém ele se refere a outro Caibalion, bem mais antigo e oculto, que se perdeu nos anais da história, mas que se encontra preservado nas mentes e nas almas de todos aqueles que não deixaram morrer a chama. Acaso deseje se tornar um jogador no jogo de tabuleiro da vida, e não mais mera peça a ser movida pelas circunstâncias e influências externas, este pequeno livro cheio de luz pode ser o seu guia nas noites mais escuras.

Disponível em e-book e versão impressa :

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Se você mora fora do Brasil e deseja ter minha tradução impressa, também colocamos à venda uma versão impressa exclusiva na Amazon.com

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À seguir, trazemos um trecho do Cap. I – A Filosofia Hermética:

Nos primeiros tempos, havia uma compilação de algumas Doutrinas Herméticas Básicas, passadas de instrutor a estudante, que ficaram conhecidas como O Caibalion, cujo exato significado do termo esteve perdido por muitos séculos. Este ensinamento, entretanto, é conhecido por muitos seres ao qual ele foi derramado ao longo dos séculos, de lábios a ouvidos, sempre escoando pelo tempo. Até onde sabemos, os seus preceitos nunca foram escritos ou impressos. Se tratava de uma mera coleção de máximas, axiomas e preceitos, que soavam incompreensíveis aos estrangeiros das ordens, mas que eram prontamente assimilados pelos estudantes assim que o seu conteúdo era explicado e exemplificado pelos Iniciados aos seus Neófitos.

Tais ensinamentos constituíam de fato os princípios básicos da Arte da Alquimia Hermética, que, ao contrário da crença popular, se baseia no domínio das Forças Mentais, e não dos Elementos Materiais – portanto, a Alquimia não fala da transmutação de um tipo de metal em outro, mas da transmutação de um tipo de Vibração Mental em outra. As lendas acerca da Pedra Filosofal, que transformava qualquer metal comum em Ouro, falavam tão somente de uma alegoria relacionada à Filosofia Hermética, facilmente compreendida por quaisquer estudantes do verdadeiro Hermetismo.

Neste pequeno livro, cuja Primeira Lição é esta, nós convidamos nosso estudante a examinar os Ensinamentos Herméticos, conforme expostos no Caibalion e explicados por nós, humildes estudantes dos Ensinamentos (e que, apesar de carregarem o título de Iniciados, são tão somente estudantes prostrados aos pés de Hermes, o Mestre). Assim, nós lhe oferecemos muitas das máximas, dos axiomas e dos preceitos do Caibalion, acompanhados de explicações e comentários que acreditamos servir de auxílio para a compreensão do estudante moderno, particularmente porque o texto original se encontra propositalmente velado em muitos termos obscuros.

As máximas, axiomas e preceitos originais do Caibalion estarão sempre destacados em negrito no restante de nossa obra, e todos eles vêm diretamente dos lábios de Hermes. O restante do texto, sem destaque, pertence a nós. Esperamos que muitos dos estudantes aos quais nós hoje oferecemos esta pequena obra possam tirar tanto proveito do seu estudo e conhecimento quanto aqueles buscadores que já a seguiram através do Caminho do Adepto, ao longo dos muitos séculos que se passaram desde o tempo de Hermes Trimegisto, o Mestre dos Mestres, o Três Vezes Grande:

“Onde se encontram as pegadas do Mestre, os ouvidos daqueles preparados para os seus Ensinamentos se abrem completamente.” – O Caibalion

“Quando os ouvidos do estudante estão preparados para ouvir, logo vêm os lábios para preenchê-los de sabedoria.” – O Caibalion

Assim, conforme indicam os Ensinamentos, a divulgação desta obra se dará na medida em que os seus futuros estudantes se encontrarem em condições de compreendê-la, pois do contrário sequer lhe darão a atenção devida, e ela lhes passará desapercebida, como deve ser. E, segundo a mesma Lei, quando o pupilo estiver devidamente preparado para receber a verdade, então esta pequena obra dará um jeito de chegar ao seu conhecimento.

O Princípio Hermético de Causa e Efeito, em seu aspecto de Lei de Atração, tratará de juntar lábios e ouvidos – e muitos pupilos ainda hão de conhecer este livro.

Que Assim Seja!


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2.1.18

A jornada dos ratos

Fico feliz de começar o ano novo do blog com esta pérola de Steve Cutts, Hapiness (Felicidade), um curta de animação sobre a jornada dos ratos em busca de felicidade e significado em suas existências:

Eu poderia, é claro, falar muitas coisas acerca deste curta que não tem de fato diálogo algum, mas creio que Alan Moore já resumiu tudo para mim, então aqui vai (trecho do documentário The Mindscape of Alan Moore):

Muitos dos magos como eu entendem que a tradição mágica ocidental é uma busca do Eu com "E" maiúsculo. Esse conhecimento vem da Grande Obra, do ouro que os alquimistas buscavam, a busca da Vontade, da Alma, a coisa que temos dentro que está por trás do intelecto, do corpo e dos sonhos. Nosso dínamo interior, se preferir assim. Agora, esta é, particularmente, a coisa mais importante que podemos obter: o conhecimento do verdadeiro Eu.

Assim, parece haver uma quantidade assustadora de pessoas que não apenas têm urgência por ignorar seu Eu, mas que também parecem ter a urgência por obliterarem-se a si próprias. Isto é horrível, mas ao menos vocês podem entender o desejo de simplesmente desaparecer, com essa consciência, porque é muita responsabilidade realmente possuir tal coisa como uma alma, algo tão precioso. O que acontece se a quebra? O que acontece se a perde? Não seria melhor anestesiá-la, acalmá-la, destruí-la, para não viver com a dor de lutar por ela e tentar mantê-la pura. Creio que é por isso que as pessoas mergulham no álcool, nas drogas, na televisão, em qualquer dos vícios que a cultura nos faz engolir, e pode ser vista como uma tentativa deliberada de destruir qualquer conexão entre nós e a responsabilidade de aceitar e possuir um Eu superior, e então ter que mantê-lo.

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Crédito da imagem: Steve Cutts/Divulgação (Hapiness)

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