Quero me desculpar uma vez mais com os leitores por ter de me aventurar novamente na política, e mais precisamente no atual momento político do Brasil. Eu sempre tento evitar tocar no tema, mas desta vez não tive como me segurar, é algo que precisa sair de mim, transbordar em palavras... Portanto, como não sou nenhum especialista em ciências políticas, vou tratar do tema através do que eu entendo, e que a meu ver está em sua essência, o taoísmo (ou a arte de se perceber e compreender os opostos).
“Não sou nem de esquerda nem de direita”. Há muitos especialistas em ciências políticas que abominam quando alguém diz isto. Para os especialistas da chamada “direita”, denota algum grau de alienação. Para os especialistas da chamada “esquerda”, denota que “o sujeito é de direita, mas não quer admitir”. Então, vamos lá, eu admito, sou de Esquerda. Mas não a esquerda dos projetos de poder, não a esquerda do neofeudalismo, não a esquerda das revoluções pela força das armas...
Eu bem sei que o Che Guevara vende muitas camisetas, mas não posso concordar com ele quando diz que “há que endurecer, mas sem perder a ternura”. Para mim, não há como endurecer sem perder a ternura, uma coisa é totalmente incompatível com a outra. A Revolução que eu acredito não é armada, é a Revolução da liberdade das ideias, do compartilhamento de informações, da junção de etnias, culturas e visões de mundo diversas. Meu revolucionário não se chama Che, mas Aaron, Aaron Swartz, o homem do amanhã (que infelizmente, foi massacrado pelo mundo do ontem).
E, se eu sou de Esquerda, devo agradecer todos os dias por haver Direita. E devo respeitá-la quando o respeito é recíproco. Num país do século 21 onde não há oposição, onde não há visões contrárias, não há Política e tampouco liberdade. Há feudalismo (ou neofeudalismo), há sobretudo um grande resquício de Idade Média. Por outro lado, nem sempre os “sonhos de soberania do reinado” vêm do governo; tantas vezes vêm daqueles que controlam o sistema, a informação, e que se veem cada vez mais desesperados num século onde o conhecimento é cada vez mais livremente compartilhado, onde os pensamentos voam cada vez mais libertos.
“É somente porque há escuridão que sabemos o que é a luz. É somente porque há frio que sabemos o que é o calor. É somente porque há tempestade que sabemos o que é a tranquilidade”. Taoísmo básico. Uma eterna dança de opostos – e o mesmo, é claro, ocorre na Política. O problema está em associar o “bem” a um dos lados, e o “mal” ao outro. Os extremistas são grandes especialistas neste tipo de coisa, os verdadeiros mestres da falácia do “8 ou 80” – “ou está comigo, ou está contra mim”.
No entanto, é até estranho de se pensar, mas os extremistas necessitam ardentemente uns dos outros. Bin Laden necessitava ardentemente de George Bush, e vice versa. O Hamas necessita ardentemente de um governo de extrema direita em Israel, e vice versa. Até mesmo aqui pelo Brasil, como vimos nas manifestações populares de Junho de 2013 e nos meses subsequentes, os Black Blocs necessitavam ardentemente de uma polícia militarista e violenta, e vice versa... Um antigo rabino já havia resumido muito bem, “Quem com ferro fere, com ferro será ferido”.
O maior “mal” dos extremistas não é o “lado oposto”, mas o fim do conflito
O que muitos de nós que são seduzidos pelas extremidades não percebem é que os extremistas acabam por ajudar uns aos outros.
O maior “mal” dos extremistas não é o “lado oposto”, mas o fim do conflito, o mundo dos moderados, dos pacíficos, dos mansos. Dizem que os mansos estão “em cima do muro”, que são “alienados” e etc. Um antigo andarilho (que também era muito manso) já havia resumido isto também:
“A alma vem primeiro. Se você não mudar o que a alma deseja, você irá apenas substituir a dominação romana por outra dominação, e nada nunca irá mudar. Primeiro você deve mudar o homem por dentro. Então o homem pode mudar o que está a sua volta. É o desejo de riquezas e poder que faz com que o homem queira dominar os outros. É o desejo que precisamos mudar, precisamos primeiro libertar a alma. Com amor.” [1]
Então chegamos ao atual momento político do país, onde dois partidos que vieram da mesma família ideológica brigam entre si como irmãos raivosos, e creem piamente que um é o oposto do outro. O irmão da “direita” acusa o outro de “haver tomado controle do parquinho, e não querer mais sair de jeito nenhum”; já o irmão da “esquerda” retruca que “todos os garotos ricos estão com vocês, e eles falam um monte de mentiras para tentar convencer os garotos pobres de que queremos controlar os brinquedos, e isso não é verdade!”.
A verdade... A verdade é uma coisa complicada em Política. Uma das principais razões da criação da Política e da Democracia, e que pareceu clara aos filósofos gregos, é que “ninguém é o dono da verdade, até mesmo porque não existe verdade absoluta”. Desta forma, a Política nasceu como forma de criar um diálogo muito necessário entre os pensamentos e crenças opostas, de forma que não seja necessária uma guerra ou matança para decidir quem, afinal, “tinha razão”. E, da mesma forma, os acordos servem para que a vontade da maioria seja realizada, sem que no entanto a vontade da minoria seja ignorada, ridicularizada, ou censurada...
O maior divertimento para quem, como eu, se equilibra na mureta do caminho do meio, é observar como as pessoas raivosas de um lado muitas vezes se comportam como o reflexo das pessoas raivosas do outro. Isto nunca foi tão evidente quanto quando Marina Silva surgiu como possibilidade de “terceira via” para o governo do Brasil.
Antes de mais nada, devo dizer que eu não voto em Marina no primeiro turno das eleições de 2014. Mas não deixo de votar nela porque a abomino, deixo de votar nela simplesmente porque acredito que exista um candidato imensamente superior a ela e a todos os demais, que se chama Eduardo Jorge. Eu poderia lhes trazer mais parágrafos e parágrafos explicando o motivo pelo qual Eduardo, assim como tantos outros bons candidatos que não abandonaram suas ideologias na Política do país, dificilmente vencerá alguma eleição enquanto não jogar o jogo do Grande Negócio Eleitoral, e aceitar os milhões de financiamento das empreiteiras e outras grandes empresas, e então ser eleito com o rabo preso (e etc.), mas acredito que isto todos vocês já estão cansados de saber. Então, prossigamos...
Eu não sei quanto a vocês, mas eu me divirto muito comparando frases como estas
Quando Marina tentou criar sua Rede, preferiram liberar para o Kassab e encrencar com ela. Quando Marina se aliou a Eduardo Campos, disseram que “ela jamais aceitaria ser vice” e que “ela quer somente o poder”. Quando, finalmente, a tragédia em Santos nos privou da companhia do neto do grande Miguel Arraes na vida política brasileira, Marina despontou como possibilidade altamente viável para vencer as eleições para a presidência. E adivinhem o que ocorreu? Os extremistas passaram a acusá-la de “pertencer ao outro lado”.
Eu não sei quanto a vocês, mas eu me divirto muito comparando frases como estas [2]:
“Depois de Collor de Mello e FHC, Marina é o novo ilusionismo da direita.” (Sergio Saraiva)
“Confesso ao leitor: tenho calafrios com a imagem de um segundo turno entre Dilma e Marina. É uma visão assustadora.” (Rodrigo Constantino)
Daqui a pouco podem ser grandes amigos...
Se é quase automático o repúdio da extrema direita a candidatura de Marina, é um tanto quanto irônico que muitos “direitistas” se vejam quase que obrigados a apoiá-la num segundo turno, por aparentemente (segundo as pesquisas de opinião) ser a única capaz de retirar a presidenta Dilma Rousseff do poder.
É mais hilário, no entanto, ver a extrema esquerda se comportar exatamente como a direita, só que para atacar uma adversária que, até outro dia, estava brincando no mesmo parquinho.
É hilário ver as línguas venenosas nos blogs chapa branca e nas redes antissociais alertarem para “a teocracia evangélica que se aproxima”, enquanto quase que ao mesmo tempo, vemos Dilma se dirigir nestes termos aos religiosos da Assembleia de Deus [3]:
“O Brasil é um Estado laico, mas, citando um salmo de Davi, eu queria dizer que feliz é a nação cujo Deus é o Senhor.” (Dilma Rousseff)
Eu quero crer que Dilma estava apenas lendo um discurso do seu “marqueteiro” de campanha. Pois além da frase já não fazer o menor sentido, denota no mínimo um grau enorme de falsidade, considerando que a presidenta sempre foi, para dizer o mínimo, “católica não praticante”. O que o Grande Negócio Eleitoral não faz pelas ideologias e as crenças dos políticos...
Agora, vejamos o que a própria Marina, que sempre foi extremamente religiosa (só que de verdade: antes católica, e depois evangélica), tem a dizer sobre a relação entre a fé e o Estado [4]:
“Eu acho que a grande conquista do nosso país é ser um Estado Laico. Um Estado Laico não pode ser confundido com um estado ateu. Um Estado Laico serve para defender os direitos de quem crê e de quem não crê. E a construção da laicidade do Estado é uma construção da Reforma Protestante, é uma pena que as pessoas tenham esquecido disso. Havia uma Igreja oficial que na época estava intimamente ligada ao Estado, e esta foi uma grande contribuição do protestantismo, o conceito de separação entre Igreja e Estado.” (Marina Silva)
Então, Marina é conta às pesquisas com células-tronco? Contra a legalização do aborto? Contra o casamento gay? Muito provavelmente... Porém, ao contrário de outros políticos de ideologias maquiadas pelo marketing eleitoral, ela **sempre** defendeu suas convicções, e não mudou de ideia para ganhar votos. Da mesma forma, nada, absolutamente nada, indica que o fato de ela ser eleita acarretará no arquivamento ditatorial destas ideias. Ela pode fazer plebiscitos (aliás, como Dilma propõe em muitas áreas essenciais), vetar de forma ditatorial, jamais (e ainda que fosse o caso, o próprio PT, na oposição, ajudaria em muito a derrubar qualquer veto do tipo).
Finalmente, temos o costumeiro ataque da “esquerda” que visa associar Marina aos grandes empresários e banqueiros, como se isto por si só fizesse dela uma “bruxa do mal”... Quanto a esta última questão, prefiro deixar uma frase do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que reflitam, e aproveito para encerrar esta minha breve excursão pelo pântano da política brasileira [5]:
“Não tem lugar no mundo onde o [banco] Santander esteja ganhando mais dinheiro que no Brasil” (ex-presidente Lula)
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[1] Em realidade um trecho de A última tentação de Cristo, de Nikos Kazantzakis. Porém, acho verossímil que Jesus tivesse uma visão parecida. Em todo caso, o que importa aqui é a mensagem em si.
[2] Escolhi dois jornalistas que dão voz a opiniões de extrema esquerda (Luis Nassif Online) e extrema direita (Rodrigo Constantino/Veja). Não quero aqui fazer nenhum tipo de comparação entre eles para além disso. A frase de Saraiva foi retirada do artigo O discreto charme de Marina Silva, publicado no blog de Luis Nassif. A frase de Contantino foi retirada de sua coluna para a Veja, intitulada Marina vem aí? Ou: A Rede da demagogia.
[3] Fonte: Reuters Brasil.
[4] Retirado de vídeo que anda viralizando no YouTube, intitulado Marina Silva - Democracia, laicidade e não preconceito (o trecho inicia em torno de 01:45). Fiz uma ligeira adaptação ao final para deixar mais clara a citação.
[5] Fonte: Estadão. O ex-presidente Lula citava o episódio envolvendo o banco Santander, que emitiu, uma semana antes, um comunicado sugerindo que se a presidente Dilma Rousseff fosse reeleita haveria uma deterioração na economia brasileira.
Crédito das imagens: [topo] raph (montagem com imagens de Che Guevara e Aaron Swartz); [ao longo] raph (montagem em cima de cartaz do filme Malévola da Disney, com Angelia Jolie)
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