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31.3.10

Meias-verdades

Quando alguém sofre por amor não correspondido, costuma-se dizer que teve uma desilusão amorosa. Ora, e seria melhor viver iludido por um falso amor – ao menos da outra parte –, ou se conformar com a verdade?

Profetas nos disseram que a verdade nos libertará, mas há que se perguntar quantos de nós desejam realmente ser libertos... Há quem postule a possibilidade da vida – toda a realidade –, ser uma ilusão, um sonho sonhado por outro alguém, um farfalhar de partículas em meio ao vácuo, que por alguma estranha razão gera esta “doce ilusão do existir”.

Ainda outros, os seguidores dos manuais de verdades absolutas, preferem deixar toda a inquietação, todo desassossego, com os místicos de eras que não mais existem. É mais simples crer num mundo criado em alguns dias, em animais sem alma a espera de serem subjugados, em pertencer à raça suprema no centro de toda a criação... Sim, é mais simples, contanto que não se pense nas conseqüências, contanto que se tape os olhos do coração e do raciocínio. Contanto que se ache confortavelmente estagnado em pensamentos que nunca foram realmente seus.

Dogmas e determinismos, religiosos ou científicos, que realmente são eles, senão a “doce ilusão amorosa”? – para a qual muitos de nós se encaminham, abominados com a possibilidade da desilusão, com a necessidade de termos de pensar por nós mesmos... Na vida, nos seres, no amor, na morte, na imensidão...

Pois há aqueles que se conformam em estacionar a visão abaixo dos “mistérios de deus”, ignorando o horizonte a frente. Estes dizem ter fé, e talvez tenham, mas não em si próprios. E ainda há aqueles outros que depositaram tamanha fé na matéria, que crêem piamente que ela é capaz de lhes explicar toda a realidade. Tal qual Tomé dizia: “Acredito no que posso ver e tocar”.

Mas mantiveram sua crença, mesmo após sua “divina academia” ter lhes demonstrado que tudo o que vêem são fótons, tudo o que tocam é a força eletrostática. Que toda energia e toda matéria surgiram de algum ponto “em meio a lugar algum”; Que somos formados por 4% da matéria que por acaso reflete a luz; Que por alguma razão as partículas só definem sua posição quando algum de nós as observa. A matéria é então tão mística quanto tudo o mais, cheia de mistérios ainda insondáveis, cheia de nuances que nos escapam à lógica... Ainda assim, estão perfeitamente felizes e satisfeitos em afirmar que ela explica tudo.

É mais fácil deixar que outros pensem por você, porém cedo ou tarde a existência cobrará o seu preço. O abismo entre o ser e o não-ser, entre a vida e a morte, o tudo e o nada, ainda há de lhe chacoalhar todo corpo e toda a alma, ainda há de lhe obrigar a abrir os olhos e perceber que tudo o que há é você... Você a navegar pelo mar infinito do Cosmos, sozinho ou acompanhado – pouco importa –, somente você poderá desvendar o mistério do existir.

Um antigo sábio disse que “todas as verdades são como meias-verdades, todos os paradoxos podem ser reconciliados”. Longe de relativizar a existência e reduzir todo conhecimento há algo tão inútil quanto à discussão se existe o quente ou o frio, a luz ou a escuridão, Hermes Trimegisto estava nos indicando um caminho...

De fato, o caminho da busca da verdade nos liberta, mas não porque encontramos a Verdade Absoluta, e sim porque encontramos a Divina Dúvida. Eis que a verdade se revela sempre em meias-verdades, e todo conhecimento gera mais conhecimento, toda busca gera mais busca, toda dúvida resolvida gera mais dúvidas. Nada está parado no universo, nem as galáxias, nem o Sol, nem a Terra, nem nós mesmos, ou uma pedra, um galho, uma partícula... Tudo vibra, tudo se renova, tudo vive e tudo morre, tudo chega e novamente parte, tudo finda e se reinicia – não há como saber onde uma partícula está exatamente quando não lhe damos atenção, não há como saber até onde esse caminho infinito nos levará.

Porém, ao trilhar tal caminho, ao nos desiludirmos de todos os dogmas – religiosos ou científicos –, ao aceitarmos que navegamos num mar revolto e que nem sempre se pode dizer quando vem uma nova tempestade, podemos finalmente encarar tal horizonte sagrado com os olhos e a mente de quem vive eternamente em liberdade!

Into that heaven of freedom, my Father, let my country awake

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Crédito da foto: J.P. Greenwood/Corbis

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29.3.10

Tecendo sentidos

O neurologista Oliver Sacks costuma referir-se a si mesmo como um “cientista romântico”, ele acredita que a mente não pode ser descrita de maneira mecanicista, e que a neurologia moderna só será completa quando considerar a forma icônica e sentimental com que experienciamos a consciência e armazenamos nossas memórias.

Seus livros são verdadeiros dramas, descrevendo casos neurológicos sempre no contexto da vida e experiência pessoal de cada paciente. Muitos desses casos são devastadores, e somente a habilidade com a escrita (ele tem vários best-sellers no mundo todo) do autor faz com que a leitura seja pouco menos impactante do que um soco no estômago...

Sacks faz questão de destacar que cada doença é uma história, principalmente em se tratando de doenças da mente, algo ainda tão desconhecido, tão distante da visão mecanicista da ciência moderna. Em muitos casos as habilidades perdidas são compensadas por novas habilidades ganhas, o que fica muito bem explicado nos diversos casos de autistas savants descritos em seus livros – e principalmente no caso de Temple Grandin (tema principal do “Um antropólogo em Marte”).

Em seu livro “O homem que confundiu sua mulher com um chapéu”, ele faz uma curiosa classificação dos diversos tipos de doenças mentais: (1) Perdas – quando a mente perde habilidades de interpretação da realidade que nos chega pelos sentidos; (2) Excessos – quando a mente se torna incapaz de filtrar a informação que nos chega a cada segundo, e fica em uma espécie de “curto-circuito mental”; (3) Transportes – quando a mente perde a capacidade de diferenciar o sonho da realidade, no que muitas vezes pode ser considerado um misto de doença com experiência mística; e (4) O mundo dos simples – que descreve os retardos mentais, sempre considerando que a mente de um retardado é “muito mais do que se pode ver a primeira vista”.

Nota-se em seus livros, sobretudo, a busca incansável pela essência de nós mesmos, pelo mistério que se esconde entre a consciência e a inconsciência, pelo verdadeiro eu que interpreta a realidade, e não poderá nunca ser reduzido a mero computador, a computar – e não computar e interpretar e elaborar respostas morais – a informação sensorial.

Em muitos casos, mesmo os mais extremos, Sacks consegue identificar esse eu profundo, lutando para se impor sobre as dificuldades da doença e produzir um novo sentido para sua própria existência. Mesmo que oculto em meio à escuridão de certas doenças, o eu sempre é capaz de voltar à tona, seja ouvindo música, seja produzindo arte, seja exercendo a espiritualidade. Em nenhum momento Sacks fala em assuntos metafísicos – toda sua ciência é perfeitamente compatível com a matéria –, mas ele sempre leva em consideração que a ciência atual não tem uma resposta bem elaborada para o que diabos possa ser este eu profundo a tomar as rédeas da própria consciência, essa essência do ser que não é perdida nem nos casos mais extremos...

Particularmente nos casos de amnésia extrema, quando os pacientes perdem por completo a capacidade de reter novas memórias por mais do que alguns momentos – alguns, menos de um minuto –, percebemos o quanto essa busca pelo eu profundo pode ser complexa. Porém, mesmo nesses casos, onde o ser vive em um eterno e confuso presente, a essência não é perdida. Fica ela lá, armazenada em algum lugar entre o cérebro e a mente, em alguma gaveta etérea da consciência, sempre esperando pelo próximo sinal capaz de fazê-la emergir da escuridão do não-ser.

Uma melodia, o tocar das teclas de um piano, uma oração, seja o que for: se é que somos computadores, fomos “programados” para tecer sentidos. Se tudo o que somos é um tilintar aleatório de partículas no cérebro, se somos pouco mais do que “coisas biológicas”, que pelo menos não se afirme que muitos de nós se recusaram a se deliciar com a “doce ilusão” do ser. Que não se diga que muitos de nós se acomodaram em serem máquinas, e não espíritos!

Afinal, o que seriam nossas memórias, nossos registros atemporais da existência? Sabemos que ficam em nosso hipocampo, mas e daí? O que isso significa? Sacks passou boa parte da vida tentando resolver tal mistério (citando o pós-escrito do caso intitulado “Reminiscência” em “O homem que confundiu...”):

“Estimule-se um ponto no córtex de um paciente assim [descrevendo casos de “alucinações musicais”] e desenvolve-se, convulsivamente, uma evocação ou reminiscência proustiana. O que serviria de intermediário para isso? Que tipo de organização cerebral poderia permitir que isso acontecesse? Nossas concepções atuais sobre o processamento e representação cerebral são todas essencialmente computistas. E, como tal, são expressas em termos de “esquemas”, “programas”, “algoritmos” etc.

Mas será que esquemas, programas e algoritmos nos fornecem, por si sós, a qualidade ricamente visionária, dramática e musical da experiência – a vívida qualidade pessoal que faz dela uma “experiência”?

A resposta é, claramente, e até mesmo com veemência, “Não!”. Representações computistas jamais poderiam, por si sós, constituir representações “icônicas”, as representações que são o encadeamento e a essência da vida.

Assim, surge um hiato, na verdade um abismo, entre o que ficamos sabendo por nossos pacientes e o que os fisiologistas nos dizem. Existe algum modo de transpor esse abismo? [...] Existem conceitos além dos da cibernética com os quais possamos compreender melhor a natureza essencialmente pessoal [...] da mente?”

Sacks prossegue citando Sherrington em seu livro “Man on his nature”, onde este imagina a mente como um “tear encantado” a tecer padrões mutáveis porém sempre significativos – tecendo padrões de sentido:

“Esses padrões de sentido transcenderiam programas ou padrões puramente formais ou computistas e dariam margem à qualidade essencialmente pessoal que é inerente a reminiscência, inerente a toda mnesis, gnosis e práxis. [...] Padrões pessoais, padrões para o indivíduo, teriam de possuir a forma de scripts ou partituras – assim como padrões abstratos, padrões para computador, têm de estar na forma de esquemas ou programas. Portanto, acima do nível de programas cerebrais, precisamos conceber um nível de scripts e partituras cerebrais.

[...] A experiência não é possível antes de ser organizada iconicamente; a ação não é possível se não for organizada iconicamente. “O registro cerebral” de tudo – tudo o que é vivo – tem de ser icônico. Essa é a forma final do registro cerebral, muito embora o feitio preliminar possa ser moldado como cômputo ou programa. A forma final de representação cerebral tem de ser, ou admitir, a “arte” – o cenário e a melodia artística da experiência e da ação.”

Tal qual tecedores de tapetes mágicos, somos os eternos artistas de nós mesmos. Ainda que perdidos em poucos instantes de retenção da memória, ainda que tecendo desesperadamente um fio que logo depois se perde na escuridão do não-ser, estamos aqui lutando bravamente. Somos os grandes artistas da vida, resta-nos apenas reconhecer o quão belo e sagrado é todo esse mecanismo que nos permite existir – e existindo, tecer nossa própria história, nosso próprio sentido do existir.

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Crédito da foto: Dinorah

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19.3.10

O fóton primordial

Einstein nos trouxe esta poesia: E=Mc²
Quantos enigmas, desvelados e por desvelar
Quanto infinito em pouca matemática a rimar!

Eis que espaço e tempo são uma mesma substância
E tudo o que vemos é o que a curvatura da noite
Esticada, nos permite enxergar em nossa ânsia
Por descobrir o que esconde a gravidade
Nos buracos e dobras do céu estelar

Tudo o que tocamos é luz a bailar
A luz não gosta de ser contida, gosta de irradiar
Apertos de mão são sintonias de amizade
Jamais serão bombas a estourar

E vejam só que curioso: mesmo que por ocasião
Pudéssemos nalgum dia ficar perfeitamente imóveis
Em relação a todo o restante da imensidão
Ainda assim estaríamos viajando a velocidade maior
Pelo tempo, como a luz que nunca para...

Desde a primeira explosão, o primeiro raio
Navega pelo Cosmos como um mensageiro
Trazendo as boas novas da eternidade
Para ele – o fóton primordial
Não existe tempo, não existe idade...
Eis que todo dia é relativo
Eis que toda luz é imortal!

raph'10

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Crédito da foto: Atronomy Picture of the Day (NASA)

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16.3.10

Passeios de aeróbus

No livro “Nosso Lar”, de autoria de André Luiz e psicografado por Chico Xavier, temos uma curiosa descrição de um veículo de transporte público na colônia espiritual que dá título ao livro:

Mal me refazia da surpresa, quando surgiu grande carro [aeróbus], suspenso do solo a uma altura de cinco metros mais ou menos e repleto de passageiros. Ao descer até nós, à maneira de um elevador terrestre, examinei-o com atenção. Não era máquina conhecida na Terra. Constituída de material muito flexível, tinha enorme comprimento, parecendo ligada a fios invisíveis, em virtude do grande número de antenas na tolda. Mais tarde, confirmei minhas suposições, visitando as grandes oficinas do Serviço de Trânsito e Transporte.
Lísias não me deu tempo a indagações. Aboletados convenientemente no recinto confortável, seguimos silenciosos. Experimentava a timidez natural do homem desambientado, entre desconhecidos. A velocidade era tanta que não permitia fixar os detalhes das construções escalonadas no extenso percurso. A distância não era pequena, porque só depois de quarenta minutos, incluindo ligeiras paradas de três em três quilômetros, me convidou Lísias a descer, sorridente e calmo (Trecho do início do Capítulo 10: “No Bosque das Águas”, onde André Luiz tem o primeiro contato com o aeróbus).

Uma pergunta muito comum dos céticos (espíritas ou não) em relação a algumas descrições detalhadas de veículos e construções nas colônias espirituais é bastante válida, a primeira vista: “Ora, se essas colônias dispõe de tamanho nível de tecnologia, porque os espíritos não nos entregam de mão beijada os planos e as plantas para que nossos engenheiros e arquitetos possam construir tais veículos e construções aqui na Terra?”.

Um espírita precavido irá citar outro trecho do próprio “Nosso Lar” para explicar porque um aeróbus não poderia viajar pela Terra:

Dirigi-me, incontinenti, a Narcisa, perguntando:
- Onde o aeróbus? Não seria possível utilizá-lo no Umbral?
Dizendo-me que não, indaguei das razões.
Sempre atenciosa, a enfermeira explicou:
- Questão de densidade da matéria. Pode você figurar um exemplo com a água e o ar. O avião que fende a atmosfera do planeta não pode fazer o mesmo na massa equórea. Poderíamos construir determinadas máquinas como o submarino; mas, por espírito de compaixão pelos que sofrem, os núcleos espirituais superiores preferem aplicar aparelhos de transição (Trecho do Capítulo 33: “Curiosas Observações”).

Mas será que isso resolve o problema? Não poderiam, por acaso, os espíritos ajudarem nossos engenheiros e homens de ciência a inovar nossa tecnologia atual? Mesmo que não fosse possível construir uma espécie de metrô que plana em alta velocidade muito acima do solo, certamente algum tipo de avanço descrito nos livros de André Luiz poderia ajudar, e muito, a Terra...

Arthur C. Clarke, célebre escritor de ficção científica, dizia que “qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinquível de magia”. Clarke foi, ele mesmo, um “antecipador” de algumas tecnologias que só viriam a ser viáveis muitos anos após a descrição – então fictícia – das mesmas em seus livros. Particularmente com o conceito dos satélites geoestacionários, Clarke não só antecipou o futuro, como contribuiu decisivamente para ele: nossas telecomunicações devem muito ao que antes era pura ficção.

Interessante que, num nível mais extraordinário (e incerto), é possível que algumas das tecnologias descritas em “Nosso Lar” – que diga-se de passagem, foi publicado em 1944 – possam ser igualmente antecipações de avanços futuros da tecnologia na Terra. Se a décadas atrás o aeróbus – uma espécie de metrô se movendo pelo ar, sem contato com o solo e a altas velocidades – parecia um veículo mágico, hoje talvez não chegue a tanto:

Um trem de levitação magnética ou maglev (Magnetic levitation transport) é um veículo semelhante a um metrô que transita numa linha elevada sobre o chão e é propulsionado pelas forças atrativas e repulsivas do magnetismo através do uso de supercondutores. Devido à falta de contato entre o veículo e a linha, a única fricção que existe, é entre o aparelho e o ar. Por conseqüência, os maglevs conseguem atingir velocidades enormes, com relativo baixo consumo de energia e pouco ruído. Embora a sua enorme velocidade os torne potenciais competidores das linhas aéreas, o seu elevado custo de produção limitou-o, até agora, à existência de uma única linha comercial, o transrapid de Xangai. Essa linha faz o percurso de 30 km até ao Aeroporto Internacional de Pudong em apenas 8 minutos. No Brasil, existem projetos para se implementar o maglev, por exemplo, na Ilha do Fundão.

Ainda assim, talvez não se pareça tanto com um aeróbus... André Luiz disse que “ele parecia ligado a fios invisíveis”, e que se movimentava muito acima do solo. Será que tudo não passou de ficção da cabeça de Chico Xavier? Obviamente que para um cético em relação à existência de comunicação com espíritos desencarnados, tudo já seria ficção a priori. Mas e quanto aos que crêem na possibilidade – será mesmo possível que a tecnologia humana seja apenas uma sombra da tecnologia espiritual, e que a inspiração para as grandes descobertas se deva ao fato de que quase tudo já foi descoberto no plano espiritual?

Quem se preocupa com isso certamente irá sorrir ao conhecer uma distinta empresa americana, chamada Aerobus International, que constrói trens suspensos por fios condutores que parecem voar pelos céus. Dificilmente os engenheiros americanos leram “Nosso Lar”... Mas e daí? E se for mesmo verdade cada pequena descrição da colônia? E se a ela tem mesmo a forma de estrela e todos os Ministérios citados por André Luiz estão mesmo lá, até hoje – em que exatamente isso nos ajuda em nossa evolução espiritual?

Nosso Lar é apenas uma das muitas colônias espirituais a beira do Umbral, onde espíritos de elevada moral e caridade tentam a todo custo auxiliar aqueles que perambulam nas trevas de sua própria consciência... Que nos importa saber o perímetro da colônia? Ou em quanto tempo podemos atravessá-la em um aeróbus? Ou se ela tem restaurantes e casas noturnas? Certamente, se um dia estivermos por lá, essas serão nossas últimas preocupações.

Lendo alguns dos livros de André Luiz, percebi que eles nunca se trataram apenas de descrições – fictícias ou não – de colônias do plano espiritual da Terra. Ora, começando pelo “Nosso Lar” e passando por todos os outros, eles tratam principalmente da tão falada reforma íntima, da reforma de nós mesmos; Do caminho das trevas da consciência egoísta para as campos ensolarados da consciência amorosa, conectada ao Cosmos que pulsa e vibra com vida, em cada partícula e em cada plano de existência.

É possível que os espíritos nos inspirem descobertas e idéias para novas tecnologias. Mas é igualmente possível que estejam mais preocupados em nos inspirar o amor e o auto-conhecimento. Em todo caso, cada ser está onde seus pensamentos o sintonizam.

André Luiz (ou Chico Xavier, caso você seja cético) perderia fácil numa comparação com autores de ficção científica como Arthur C. Clarke... Mas André Luiz não pretendeu nos trazer aulas sobre a tecnologia ultra-avançada dos espíritos, e sim ensinamentos sobre a moral avançada dos seres de luz. Se ele recorreu a histórias que ocorriam ao mesmo tempo na Terra e no plano espiritual, e acaso tenha se preocupado em descrever como é a vida enxergada do lado de lá, foi porque reconheceu o tempo perdido em sua encarnação prévia – um grande neurologista e médico sanitarista do Rio de Janeiro, que tinha muito conhecimento, mas pouca sabedoria.

Em seus livros, não encontramos batalhas fascinantes entre “o bem e o mal”, mas sim relatos sinceros e perturbadores da ignorância e falta de caridade de grande parte dos seres; A começar pelo próprio André Luiz, que passou anos no Umbral, e mesmo depois de socorrido em Nosso Lar custou a perder os vícios e a pompa de “grande médico”. Custou a vencer o próprio ego e reconhecer que a luz que vem de cima é sempre maior do que a nossa própria. Custou, mas venceu, e depois dedicou alguns de seus anos a ditar livros para um dos maiores médiuns de que se tem notícia. E o resto é história.

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Crédito da imagem: Nosso Lar, O Filme

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12.3.10

Deus e os astrônomos

Texto de Fred Heeren em "Mostre-me Deus" (editora Clio) com citações de Robert Jastrow e outros cientistas. Tradução de Soraya Bausells. As notas ao final são minhas.

Os cientistas honestos em relação à questão de onde a matéria e a energia se originaram admitem duas coisas: primeiro, que o problema é impossível de ser solucionado por meio da ciência [1]; segundo, que essa situação é extremamente frustrante para o cientista.

O astrônomo respeitado internacionalmente (e agnóstico declarado) Robert Jastrow admite que os cientistas foram “traumatizados” por terem se empenhado em solucionar um problema que deve permanecer para sempre além deles [2]. Em seu livro God and the Astronomers, Jastrow diz: “O desenvolvimento é inesperado porque a ciência vem tendo um sucesso extraordinário na investigação da cadeia de causa e efeito no tempo retroativo.

A situação viola uma “fé religiosa” profundamente arraigada nos cientistas na própria ciência, a crença de que a ciência deveria finalmente ser capaz de descobrir as forças e leis para explicar tudo [3]. Afinal de contas, Carl Sagan nos diz que a ciência é “aplicável a todas as coisas. Com essa ferramenta nós vencemos o impossível”. Mas Jastrow escreve:

“Considere a grandiosidade do problema. A ciência provou que o universo surgiu de uma explosão em determinado momento. Pergunta-se: Que causa produziu este efeito? Quem ou o que colocou a matéria e a energia dentro do universo?... E a ciência não pode responder essas perguntas, porque, de acordo com os astrônomos, em seus primeiros momentos de existência, o universo foi comprimido a um grau extraordinário e consumido pelo calor de um fogo além da imaginação humana [4].”

Jastrow diz que o universo começou “sob circunstâncias que parecem tornar impossível – não apenas agora, mas sempre – descobrir que força ou forças trouxeram o universo à existência naquele momento.”

Antecipando tais questões sobre o incompreensível momento da criação, Isaías nos diz que ninguém pode sondar o entendimento do Criador (Isaías 40:28). Mas quem ou o que é a causa desse efeito? A Bíblia levanta a questão: não deveríamos saber a resposta desde sempre? “Ergam os olhos e olhem para as alturas. Quem criou tudo isso?... será que você não sabe? Nunca ouviu falar? O Senhor é o Deus eterno, o Criador...” (Isaías 40:26a, 28a).

Ao comparar com a suposição alternativa de que a matéria e a energia de alguma forma sempre existiram, o físico britânico Edmund Whittaker diz: “É mais simples postular a criação ex nihilo – o Divino constitui a natureza a partir do nada.”

O físico Barry Parker concorda: “Nós com certeza temos uma alternativa. Poderíamos dizer que não houve uma criação e que o universo sempre existiu. Mas isso é ainda mais difícil de se aceitar do que a Criação [5].”

Após considerar a descoberta de que nosso universo teve um começo e que a ciência é incapaz de descobrir o que houve antes dele, o astrônomo Jastrow conclui seu livro:

“Para o cientista que viveu acreditando no poder da razão, a história termina como um pesadelo. Ele escalou as montanhas da ignorância; está perto de conquistar o ponto mais alto; à medida que se esforça para alcançar a última rocha, ele é recebido por um bando de teólogos que estavam sentados lá há séculos [6].”

***

[1] Por isso o agnosticismo é um caminho tão comum a maioria dos cientistas que só conseguem enxergar a realidade pelas lentes da ciência.

[2] Mas esta “angústia” é compartilhada por cientistas, filósofos e religiosos, desde que o homem foi capaz de se indagar “porque existe algo e não nada?” (essa pergunta é atribuída ao filósofo Lucrécio). Afinal: Ex nihilo nihil fit (Do nada, nada se faz).

[3] Certamente o autor usa o termo “fé religiosa” de forma sorrateira, ainda que entre parêntesis. Por mim, seria melhor usar o termo “convicção na ciência”, ou seja: a crença de que a ciência ainda tem muito a alcançar na capacidade de descrever a realidade (e decerto o tem, embora certamente será incapaz de descrever toda a realidade).

[4] Trata-se da Teoria do Big Bang, que é ainda incapaz de descrever o que ocorreu no universo antes do Tempo de Planck (um tempo muito, muito curto, após o “bang” inicial). Einstein disse certa vez, assim que se convenceu de que o universo realmente havia surgido de uma singularidade inicial: “[Quero] saber como Deus criou esse mundo. Eu não estou interessado nesse ou naquele fenômeno, no espectro desse ou daquele elemento. Eu quero conhecer Seus pensamentos, o resto são detalhes.” (citado por Nick Herbert em Quantum Reality – Beyond the New Physics, p. 177).

[5] Não necessariamente, mas mesmo que fosse, ainda assim não resolveria o problema inicial: há que existir um ser ou substância incriado(a) e eterno(a), em oposição ao nada. Este sim seria a causa primeira de tudo.

[6] Sempre digo que ciência e religião são duas lentes para se enxergar a realidade. Somente quando usadas em conjunto a realidade passa a ser percebida integramente, tanto em seu Mecanismo quanto em seu Sentido. É ignorância (ou muitas vezes puro sofismo) pretender que a realidade não tenha Sentido, e que tudo tenha surgido do nada sem nenhuma causa. Porém, também é ignorância pretender compreender a realidade sem o conhecimento detalhado de seus belos e elegantes Mecanismos. Se o cientista chegou no topo da montanha e encontrou um bando de teólogos, é porque precisará deles para seguir adiante; assim como os teólogos que lá estavam precisam dos cientistas.

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Crédito da foto: Wikipedia (nascimento de estrelas a bilhões de anos-luz da Terra)

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10.3.10

Reflexões sobre o sexo, parte 1

O ato sexual ou relação sexual é a denominação geral dada à fase em que dois animais com reprodução sexuada, mais especificamente o ser humano, realizam a ação física de junção dos seus órgãos sexuais, originalmente para a transmissão do gameta masculino ao feminino. Contudo, nem sempre tem uma função reprodutiva.

No mais elevado trono

Ao longo dos tempos o sexo tem sido tratado como um “assunto secundário” no pensamento filosófico. Talvez os antigos simplesmente não achassem o assunto digno das reflexões filosóficas, ou talvez os compiladores de seus ensinamentos tenham tido certo pudor em expor assuntos que normalmente escandalizam o ser social. Escandalizam, isto é, na medida em que dada sociedade é aberta ou fechada ao assunto.

A época medieval na Europa é particularmente lembrada por seu cuidado em relação ao assunto. Não que não praticassem sexo, mas é que evitavam falar abertamente sobre ele; Até mesmo porque segundo a religião dominante da época o sexo deveria ser praticado apenas com fins de reprodução, e toda uma gama de pecados foram associados ao ato libidinoso. De forma que, em certos contextos, era preferível ser considerado um depravado moral do que um depravado sexual – embora as duas classificações andassem de mãos dadas na maioria dos casos.

Montaigne viveu nessa época, e era um filósofo particularmente interessado nesse paradoxo. Ora, se todos fazem sexo, porque falamos tão pouco sobre ele, pelo menos abertamente ou em algum livro de filosofia? Montaigne atribuiu em parte os problemas que enfrentamos com nosso corpo ao fato de eles não serem tema de uma discussão honesta entre pessoas educadas. A literatura e a pintura representativas não tendem a identificar a graça feminina com grande interesse por atividades sexuais, nem a autoridade com o fato de possuir esfíncteres e falos. Representações pictóricas de reis e damas não nos encorajam a imaginar que espíritos tão eminentes possam soltar gases intestinais ou copular. Montaigne recorreu a um francês belo e sem cerimônia para preencher essa lacuna nas artes:

Au plus eslevé throne du monde si ne sommes assis que sus nostre cul. Les Roys et les philosophes fientent, et les dames aussi.

(Mesmo no mais elevado trono do mundo, continuamos sentados sobre nossos cus. Os reis e os filósofos defecam, e as damas também.)

Essa falta de pudor para tratar de assunto tão natural, mas que por alguma razão é sempre resguardado em nome dos “bons costumes”, geralmente faz com que as pessoas associem tais palavras à mente de pessoas vulgares e ignorantes. Mas isso não parece ser verdade, Montaigne foi apenas o primeiro da série de grandes pensadores que passaram a falar abertamente sobre o sexo, até os nossos dias.

No Gênesis bíblico temos uma bela metáfora para a época em que os seres humanos passaram a ter vergonha da nudez alheia. Talvez sirva como uma boa explicação para a origem desse pudor, talvez a “descoberta do bem e do mal” tenha levado o homem a cobrir as partes íntimas e passar apenas a praticar o sexo, mas raramente falar abertamente sobre ele... Isso parece ligar o ato sexual a uma forma obscura de nossa natureza, como se ele fosse algo sujo e pecaminoso, algo que não deveria ter tanta relevância na vida de seres racionais. Será mesmo?

Montaigne chegou a perambular por boa parte da Europa a cavalo, em suas viagens descobriu que uma norma cultural bem aceita em determinado país ou cidade poderia ser diametralmente oposta à outra norma, centenas de quilômetros em alguma outra direção do velho continente. Isso despertou sua curiosidade para terras ainda mais distantes: teve acesso ao livro “Viagem à terra do Brasil”, onde Jean de Léry afirma, por exemplo, que na América do Sul as pessoas gostavam de comer aranhas, gafanhotos, formigas, lagartos e morcegos.

O filósofo, porém, ficou mais curioso com o lado sexual dos índios nativos. Afinal de contas, eles mal cobriam o corpo no calor tropical – era como se ainda não tivessem sido expulsos do Éden... Os homens tupis tinham permissão para desposar mais de uma mulher e eram considerados maridos devotados a todas. Segundo Montaigne, “seu código de ética contém apenas dois artigos: demonstrar coragem em tempos de guerra e amar as esposas.” As esposas pareciam felizes com a poligamia e não se mostravam ciumentas. A única coisa realmente proibida em relação à vida sexual era a proibição em se dormir com um parente próximo.

Montaigne estava maravilhado: “Uma característica interessante de sua vida sexual é digna de nota: nossas esposas mostram-se extremamente zelosas em reprimir o amor e a ternura que outras mulheres despertam em nós; já as esposas tupis são igualmente zelosas em arrebanhar outras mulheres para seus maridos. Mais preocupadas com a reputação deles do que com qualquer outra coisa, elas empenham-se em conseguir o maior número possível de ‘co-esposas’, já que uma ‘família’ grande reafirma o valor do marido.”

O filósofo não encontrou nada de particularmente anormal ou terrível no comportamento sexual desses índios, mas ele fazia parte da grande minoria. Logo depois da descoberta de Colombo, os colonizadores portugueses e espanhóis que vieram da Europa colonizar o novo mundo concluíram que esses nativos eram “pouco mais do que animais”. Um ministro calvinista afirmou que não possuíam nenhum senso moral. Um médico europeu, após examinar cinco nativas e perceber que não menstruavam, concluiu que “não pertenciam à raça humana”...

Não satisfeitos em despojá-los de sua humanidade, os espanhóis começaram a dizimá-los como animais. Por volta de 1534, 42 anos após a chegada de Colombo, os impérios inca e asteca haviam sido destruídos e seu povo escravizado ou assassinado. A hospitalidade inata dos nativos não comoveu os “seres morais do velho continente”: os colonizadores matavam crianças, rasgavam o ventre de mulheres grávidas, arrancavam olhos, queimavam vivas famílias inteiras e incendiavam aldeias à noite.

Montaigne gostava desta frase de Terêncio, um poeta cômico latino que viveu no segundo século a.C.:

Homo sum, humani a me nihil alienum puto.

(Sou homem; nada do que é humano me é estranho.)

Em nossa curta estadia neste planeta, temos erguido civilizações e sociedades das mais variadas culturas e formas de pensamento. Se é verdade que boa parte de nossas sociedades encontram enorme dificuldade em tratar do sexo, não é verdade que ele deva ser relegado a escuridão, como se o ser sexual fosse o maior depravado, o maior devasso.

É exatamente por escondermos o assunto que muitos de nós desenvolvem os mais variados transtornos psicológicos, e passam a agir de forma violenta, como animais que não sabem o que fazer com tamanha força e tamanho instinto trancafiado dentre regras e mandamentos absolutamente hipócritas. Ora, quem foram os maiores depravados no novo mundo, os nativos que andavam semi-nus e eram polígamos, ou os “conquistadores” que viram nisso razão para os exterminar da maneira mais bruta e cruel possível?

Ao longo da história, o ser humano acreditou que, em sendo um animal racional, estava tão acima dos outros animais que não poderia mais praticar atos animalescos. Mas a força que move a vida não pode ser renegada e nem esquecida apenas porque manuais de verdade absoluta assim ditaram. Que o homem ainda está longe de deixar de lado o seu lado animal, e todo o sangue derramado no novo mundo, em pleno Renascimento, é um obscuro lembrete disso...

A seguir, o sexo como força motriz da vida.

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Crédito das fotos: [topo] Sigi Kolbe , [ao longo] treppenstufe

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