As Edições Textos para Reflexão trazem em 2015 o seu livro digital mais elaborado, com mais de 40 ilustrações de tela cheia (ver galeria) e uma cuidadosa tradução de um dos maiores clássicos do século XX – O Pequeno Príncipe de Antoine de Saint-Exupéry:
"Saint-Exupéry escreveu e ilustrou o nosso mundo interior. Ao saber deste pequeno milagre ocorrido em meio a um mundo em plena guerra, temos a esperança renovada de que lá dentro, em nosso planetinha mais íntimo, ainda brinca e ri com doçura a nossa criança mais frágil e preciosa... É difícil não se deixar corromper pelo peso do mundo das pessoas grandes. Mas, sempre que se sentir oprimido por ele, saiba que ainda terá este livrinho a sua inteira disposição."
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Abaixo, segue talvez o principal capítulo do livro, onde o viajante pequenino encontra a raposa (clique nas ilustrações para vê-las em tamanho maior):
E foi aí que apareceu a raposa...
“Bom dia”, disse a raposa.
“Bom dia”, respondeu educadamente o pequeno príncipe, apesar de que não a viu em canto nenhum quando se virou.
“Estou aqui, ao lado da macieira.”
“Quem é você? Nossa, você é muito bonita.”
“Eu sou uma raposa”, disse a raposa.
“Venha brincar comigo”, convidou o pequeno príncipe. “Estou um tanto infeliz...”
“Eu não posso brincar contigo, ainda não fui cativada.”
“Ah! Me desculpe.”, disse o pequeno príncipe.
Mas, após pensar um tantinho, perguntou:
“O que isto significa, ‘cativar’?”
“Você não é daqui”, disse a raposa. “O que é que veio buscar nessas redondezas?”
“Eu busco por pessoas”, disse o pequeno príncipe. “O que significa ‘cativar’?”
“As pessoas têm armas, e nos caçam. É algo muito perturbador. Elas também costumam criar galinhas. Bem, estes são os seus únicos interesses... Você procura por galinhas?”
“Não”, disse o pequeno príncipe, “eu procuro por amigos. O que significa ‘cativar’?”
“É algo muito esquecido hoje em dia”, disse a raposa. “Significa estabelecer laços.”
“Estabelecer laços?”
“Isso. Para mim, por exemplo, você ainda não passa de um garotinho, igual a cem mil outros garotinhos. E eu não tenho necessidade alguma de estar em sua presença, assim como você não tem necessidade de estar na minha.
Afinal, para você eu não passo de uma raposa, igualzinha a cem mil outras raposas que existem por aí... Se você me cativar, no entanto, nós passaremos a ter a necessidade de estarmos juntos. Para mim, você será um garotinho único em todo o mundo. E para você, eu serei uma raposa como nenhuma outra na Terra...”
“Estou começando a entender”, disse o pequeno príncipe. “Há uma flor... Eu acho que ela me cativou...”
“É possível. Aqui na Terra vê-se de tudo.”
“Oh, mas não foi na Terra!”
A raposa ficou intrigada, e um tanto curiosa:
“Foi noutro planeta?”
“Sim.”
“E há caçadores nesse planeta?”
“Não.”
“Ah, que interessante! E há galinhas por lá?”
“Não.”
“Nada é perfeito”, suspirou a raposa...
Mas logo ela retomou a conversa:
“Minha vida é um tanto monótona. Eu caço as galinhas, e os homens me caçam. Todas as galinhas são iguaizinhas, assim como todas as pessoas. Dessa forma, eu fico um pouco entediada...
Mas se você me cativar, será como se o sol viesse para iluminar a minha vida. Eu saberei do som de passos que serão diferentes do som de quaisquer outros passos.
Outros passos me fazem correr de volta para minha toca debaixo da terra, mas os seus me chamarão, como música, para sair do meu esconderijo.
E olhe: vê os campos de trigo lá no sopé da colina? Bem, eu não como trigo, então os campos de trigo nada têm a me dizer, e isto é triste... Mas você, você tem cabelos dourados. Pense como será maravilhoso quando houver me cativado!
O trigo, que também é dourado, me trará lembranças de você, e eu passarei a amar ficar contemplando os campos de trigo, e ouvindo o barulho do vento passando por eles...”
A raposa ficou olhando para o pequeno príncipe por um bom tempo, e depois lhe pediu:
“Por favor, me cative!”
“Eu gostaria muito”, respondeu o pequeno príncipe. “Mas eu não tenho tanto tempo. Eu tenho amigos por descobrir, e muitas coisas ainda por compreender.”
“Alguém só consegue compreender aquilo que cativa. As pessoas já não têm tempo para compreender coisa alguma. Elas compram tudo pronto nos seus mercados, mas não há loja alguma onde a amizade possa ser comprada, e assim as pessoas não têm mais amigos.
Se você realmente quer um amigo, me cative...”
“O que eu preciso fazer para lhe cativar?”, perguntou o pequeno príncipe.
“Bem, você precisa ser muito paciente. Primeiro, você vai se sentar a uma certa distância de mim – desse jeito – na grama. Então eu olharei para você de canto de olho, e você não deverá dizer nada. Palavras são uma fonte de mal entendidos. A cada dia, no entanto, você irá se sentar um pouquinho mais perto de mim...”
No outro dia o pequeno príncipe retornou ao mesmo local...
“Teria sido melhor que viesse no mesmo horário”, disse a raposa. “Se, por exemplo, você vier às quatro da tarde, então desde as três da tarde eu já começarei a ficar feliz. Daí eu ficarei cada vez mais feliz na medida em que as horas forem passando. Às quatro horas, eu já estarei inquieta e preocupada, mas lhe mostrarei o quão feliz fiquei em lhe ver!
Mas se você vier a qualquer hora, eu nunca saberei em qual hora meu coração deverá se preparar para recebê-lo... É preciso que obedeçamos a certos ritos...”
“O que é um rito?”, perguntou o pequeno príncipe.
“São coisas que também foram esquecidas nos dias de hoje”, disse a raposa. “Os ritos são o que faz um dia ser diferente do outro, e uma hora diferente da outra. Há, por exemplo, um rito entre os homens que me caçam: toda quinta-feira eles vão dançar com as garotas do vilarejo. Daí a quinta-feira é um dia maravilhoso para mim!
Nesse dia eu posso passear até bem longe, posso ir até as vinhas... Mas, se os caçadores fossem dançar a qualquer dia, então todo dia seria para mim como qualquer outro, e eu não teria a quinta-feira para descansar.”
Assim, o pequeno príncipe cativou a raposa.
E, quando a hora da sua despedida se aproximou, a raposa lhe disse:
“Ah, eu vou chorar.”
“Mas isto é sua culpa”, disse o pequeno príncipe. “Eu nunca lhe quis nenhum mal; mas você insistiu para que eu a cativasse...”
“Sim, é verdade”, disse a raposa.
“Mas agora você vai chorar!”
“Sim, é verdade.”
“Então isto não lhe trouxe nada de bom! Você não sai ganhando em nada...”
“Ganho sim”, disse a raposa, “por causa da cor dos campos de trigo.”
E então ela ainda acrescentou:
“Vá observar novamente as rosas. Agora você deverá compreender que a sua rosa é única em todo o mundo. Daí, venha me dizer adeus, e eu lhe darei de presente um segredo.”
O pequeno príncipe se foi para ver as rosas novamente:
“Vocês não são nem um pouco parecidas com a minha rosa”, ele as disse. “No momento vocês ainda são como nada. Ninguém as cativou, e vocês ainda não cativaram ninguém. Vocês são como a minha raposa quando a vi pela primeira vez. Ela era somente uma raposa como cem mil outras raposas. Mas hoje nós somos amigos, e ela é para mim uma raposa única em todo o mundo.”
E as rosas ficaram muito desapontadas...
“Vocês são belas, mas são vazias”, ele prosseguiu. “Ninguém iria morrer por vocês. De fato, um transeunte qualquer poderia pensar que a minha rosa se parece muito com vocês... Mas ela, apenas ela, é mais importante do que todas vocês, pois foi somente ela a rosa que eu reguei; foi somente ela a rosa que eu coloquei sob a redoma de vidro; foi somente ela que eu protegi com o pára-vento; foi somente por ela que eu matei as larvas (exceto as duas ou três que salvei para que se tornassem borboletas).
E foi somente ela que eu tive paciência de escutar, enquanto se queixava ou se gabava, ou mesmo quando não dizia absolutamente nada. Pois ela é a minha rosa.”
E assim, ele retornou para se despedir da raposa:
“Adeus”, ele disse.
“Adeus”, disse a raposa. “E agora, como prometido, aqui vai o meu segredo. De fato, é um segredo bem simples: é somente com o coração que podemos ver corretamente; o essencial é invisível aos olhos.”
“O essencial é invisível aos olhos”, repetiu o pequeno príncipe, para que tivesse certeza de que iria se lembrar.
“Foi o tempo que perdeu com a sua rosa o que fez dela uma rosa tão importante.”
“Foi o tempo que perdi com a minha rosa...”, repetiu o pequeno príncipe, para que tivesse certeza de que iria se lembrar.
“As pessoas esqueceram esta verdade”, disse a raposa. “Mas você não deve esquecer. Você se torna eternamente responsável pelo que cativou. Você é responsável por sua rosa...”
“Eu sou responsável por minha rosa”, repetiu o pequeno príncipe, para que tivesse certeza de que iria se lembrar.
(tradução de Rafael Arrais)
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