Texto recomendado para maiores de 16 anos.
« continuando da parte 1
2.
Ele, como sempre, agiu como se não estivesse a sua frente um homem desesperado, mas tão somente como se minha presença fosse um evento dentre tantos outros da vida, mais ou menos importantes, e que para ele eram como se fossem uma mesma coisa, uma coisa pequena... Ele estava acostumado ao fogo, e perto dele quase tudo era algo pequeno:
“Você deve estar se perguntando porque eu lhe trouxe aqui, meu amigo. Não é um ambiente interessante?”.
Obviamente isto era parte da aula, então dei de ombros e concordei, embora ele soubesse que eu estava sendo irônico, pois seus olhos percebiam cada nuance das coisas mais pequeninas. Assim ele prosseguiu:
“Veja ali aquele menino. Não deve ter nem seus 18 anos, embora eu não acredite em idade... Vê que ali junto dele há um grupo de homens mais velhos? Com certeza o convidaram para sua iniciação sexual. E ele, entretanto, nasceu noutra época, vindo de outra Mansão, e aqueles homens pensam que o estão dando um presente, quando não estão. Isto é tão frequente por esses dias, Giacomo”.
“Não entendo, o menino pode ser ainda virgem, este não é um belo presente?”.
“Noutras épocas, meu amigo, quando não existiam outras alternativas para meninos terem uma iniciação quente com alguma mulher experiente. Mas hoje isto não é mais necessário... Quantos jovens como ele se iniciam em lugares como este? Muito poucos, muitos poucos, Giacomo. O mundo muda, nada fica parado”.
“Ainda assim, isto não é um presente?”.
“Para os que ofertam, certamente, já que receberam o mesmo presente de seus pais. Mas nem sempre o que passamos na juventude servirá igualmente para nossos filhos. Nossos filhos não são nossos filhos, mas os filhos da ânsia da vida por si mesma. Vem através de nós, mas são como presentes de um Outro... Somente eles podem decidir o que servirá para sua felicidade, pois os pais já habitam este mundo há muito tempo, estão já entediados e enrijecidos. Ou não é disso que reclamava há pouco?”.
“Mas eu não tive filhos, ou pelo menos não fui o pai deles...”.
“Somos convidados pela vida há muitas formas de fecundidade, Giacomo. Tudo o que amamos pode ser fecundado, pode ser parte de nossa prole. Mas isto não importa agora, o que estava querendo dizer é que o menino não busca somente perder a virgindade, ele é um desses novos românticos que nasceram para reacreditar no Amor.”
“Não me diga que ele vai se apaixonar pela primeira puta que encontrar pela frente?”.
“Não pela primeira, ele vai escolher dentre todas as do recinto. Provavelmente a mais inocente, pois a inocência atrai a inocência. Só que a inocência não dura muito num cabaré de Beyazit, e o amor não poderá fluir por este rio... Então, não será um presente, mas antes um infortúnio. É claro que, no fim das contas, um infortúnio também pode ser um grande presente”.
“Então vai ser como eu, no início, que me apaixonava pelas prostitutas de Veneza e as convidava para navegar nas gôndolas?”.
“Não meu amigo. O mundo mudou”.
Chegaram às bebidas. Asik continuava um grande apreciador do çay, mas eu preferi um vinho doce, pois minha existência vinha demasiado amarga. Nunca tinha o visto bêbado, mas ele sempre me dizia que já estava inebriado de amor, e que se inebriar ainda mais seria desnecessário... Não que não bebesse vinho, apenas nunca ficava bêbado. Parece que bebia apenas porque os demais bebiam, e ele sempre procurou não se destacar na multidão...
Ora, era óbvio que o mundo havia mudado, mas seja lá como for, não haveria de ser uma mudança tão grande assim. Como havia dito, as felicidades e tristezas ainda se intercalavam umas as outras, cercadas pelo grande tédio... Eu queria saber mais, afinal Asik quase nunca se entediava, mas ele não me deu chances de perguntar:
“Veja aquele empresário da ilha do Oriente. Está já velho, mas insiste em fazer o mesmo que fazia enquanto jovem. É casado, bem sucedido nos negócios, e gerou alguns filhos... Mas sua família é sua empresa, e sua rotina familiar é composta de reuniões, grandes lucros e festas com mulheres compradas”.
“E que mal há nisso, afinal? Deixe-o curtir os momentos que lhe restam nesta vida”.
“Mal? Não há nenhum mal, Giacomo. Faz o que queres, há de ser o todo da Lei. Mas quando as pequenas vontades se dissociam do Amor, não há fecundidade, apenas estagnação... Ele não conta mais do que 40 anos, ainda viverá muito tempo, mas já é velho. Eu não acredito em idade, acredito em velhice e juventude!”.
Quando olhei melhor, vi que o homem tinha um olhar parecido com o meu. Mesmo por detrás dos olhos puxados, estávamos igualmente entediados. A única diferença entre nós naquele momento é que ele apalpava os seios fartos de uma bela moça. Mas nem querer apalpar os seios fartos de uma bela moça eu queria... Eu queria algo mais do que isso. Eu estava um tanto encrencado, pois seios fartos sempre foram o suficiente para me alegrar...
“E a mulher dele, o que faz? Cuida dos filhos?”.
“Não. Ela teve o azar de nascer nesta última geração em que os homens ainda pensavam como os homens de antigamente. Então ela encarou a liberdade feminina com o pensamento de um homem, mas com os pudores antigos das mulheres antigas. Como não tem coragem de se deitar com um homem de programa, seus programas são somente jantares românticos e, as vezes, uma sessão de cinema”.
“Está me dizendo que enquanto o marido viaja o mundo a negócios traçando putas de várias etnias distintas, ela permanece em casa e contrata amantes somente para que tenha com quem sair a noite?”.
“Exato”.
“E não vai nem para cama com eles?”.
“Não”.
“É por isso que digo que o casamento é uma maldição... Aliás, até hoje não compreendo porque foi se casar, Asik!”.
“Meu amigo, e quem lhe disse que eu acredito no casamento?”.
***
Esta foi a segunda parte de A educação de Casanova, por raph em 2013.
Comece a ler do início | Veja a terceira parte
Marcadores: A educação de Casanova, contos, contos (81-90)