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30.4.09

O sexto deus

Era um planeta minúsculo, não mais do que 100 km quadrados, a vagar em torno de alguma estrela de alguma galáxia do universo. Mas os deuses que o habitavam não se importavam com o restante do cosmos, estavam bem atribulados com suas existências imortais. Nesse distinto mundo, contavam-se ao todo seis deuses:

O primeiro deus era o Legislador. Era quem determinava as relações entre os demais deuses, cuidando para que ninguém fosse injustiçado. Ele recebia um imposto dos demais por seu trabalho, de acordo com as condições de cada um.

O segundo deus era o Lorde. Foi quem primeiro descobriu a única mina de ouro que existia em seu planetóide, e portanto a proclamou como sua posse. Era com o ouro do Lorde que a economia girava, e obviamente ele ficava com a maior parte dele (“para o caso de alguma crise”, explicava).

O terceiro deus era o Mercador. Era o responsável pelo giro financeiro do mundo. Através dele todos os outros deuses podiam comprar e vender mercadorias, de modo que todos ficavam satisfeitos de poder fazer alguma coisa com o ouro que recebiam. O Mercador sobrevivia da taxação de todas as transações comerciais. Muitos diziam que ele certamente teria mais ouro que o próprio Lorde, embora ninguém soubesse onde o escondia...

O quarto deus era o Minerador. Foi quem primeiro descobriu as técnicas para se extrair o ouro da terra, a convite do Lorde. Desde então trabalhou incansavelmente para extrair a maior quantidade de ouro possível, visto que seu pagamento equivalia a uma percentagem do que conseguia extrair. Obviamente que a maior parte ficava com o próprio Lorde.

O quinto deus era o Agricultor. Era ele quem conhecia os segredos das plantações de árvores frutíferas, folhas e legumes em geral. Apesar de imortais, todos os deuses precisavam comer para se manterem saudáveis. Estranhamente, o Agricultor era quem recebia menos ouro pelo seu trabalho, já que quase todos os outros deuses (menos o sexto) valorizavam mais o ouro do que a própria saúde. Dessa forma as frutas e verduras eram vendidas por preços ínfimos.

O sexto deus era o Sábio. Ele se recusava a trabalhar para outros deuses, e como era amigo do Agricultor, aprendeu com ele o necessário para plantar as próprias sementes. Tirando seu amigo, todos os outros deuses eram inimigos do Sábio: O Legislador não gostava dele porque quase nunca tinha qualquer imposto a pagar (já que não tinha renda alguma); O Lorde o ignorava solenemente porque abominava seu discurso de que “o ouro não é tão importante quanto à sabedoria”; O Mercador o tratava como um reles mendigo porque nunca tinha ouro suficiente para comprar qualquer mercadoria; Já o Minerador nunca havia compreendido como o Sábio podia viver sem o fascínio pelo ouro.

Então veio uma catástrofe mundial: o ouro que havia na montanha do Lorde acabou! Não havia mais nada para se extrair, e o ouro que já havia sido extraído estava adornando as mansões e os cofres secretos dos deuses mais abastados... Mas não havia mais como pagar pelos trabalhos do Minerador ou pelas frutas e verduras do Agricultor!

De um dia para o outro, todos eram tão mendigos quanto o Sábio. Porém, ao contrário do sexto deus, que dedicou sua imortalidade a estudar a si mesmo, eles haviam relegado a existência ao estudo do ouro, e de tudo que ele podia comprar e adornar – tudo que de nada mais serviria a eles...

Após confabularem entre si, para evitar um colapso mundial de seu sistema de existência, foram humildemente pedir conselho ao sexto deus, que fora chamado a fazenda de seu amigo Agricultor. O Legislador falou por todos:

“Sabes que sou responsável por manter nosso sistema justo para todos. Sempre me pareceu que o sistema de mérito pelo trabalho era o mais adequado, e que todo mérito deveria ser pago em ouro... Mas o ouro acabou e não sabemos mais com o que pagar nossos irmãos. Tu sempre fostes alienado de nosso sistema, nunca concordou com ele. Por isso viemos lhe pedir conselho sobre o que fazer agora. Acaso durante todo esse tempo tendes pensado em um novo sistema para o mundo? Acaso havia previsto que o ouro acabaria?”

“Eu nunca previ que o ouro acabaria, mas fico satisfeito que finalmente acabou. Tu dizes que eu era contra o sistema de mérito, mas não é verdade: sou contra o pagamento em ouro. Durante todo esse tempo tenho pensado numa melhor forma de pagar pelo mérito alheio.” – Respondeu o Sábio.

“E achastes uma forma melhor?” – Prosseguiu aflito o Mercador.

“Não. Mas o que importa é que tenho sobrevivido esse tempo todo sem participar do sistema de vocês graças ao que o Agricultor me ensinou. E ele não me ensinou apenas a plantar sementes... Ensinou também a plantar amizades. Não tenho, depois de todo esse tempo, uma resposta simples para nosso sistema futuro. Mas tenho uma resposta simples para o que me manteve contente e mentalmente produtivo durante todos esses ciclos: sementes e amizade.”

raph'09


» Veja também a continuação deste conto, "O sétimo deus"

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Crédito da imagem: Divânia

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29.4.09

Estaria a física quântica errada?

É isso que o polêmico Nassim Haramein postula nessa parte da longa palestra (45 partes no YouTube [1]) sobre a natureza fractal da geometria do Universo. Obviamente ele precisa comprovar suas teorias com equações que façam sentido, mas se ele estiver mesmo certo ainda serão anos para a comunidade científica admitir... Em todo caso, vale lembrar que não é apenas ele quem critica o fato dos físicos constantemente "inventarem" forças e propriedades de partículas para descreverem o universo ultra-microscópico que vem sendo desvendado aos poucos pelos aceleradores de partículas; A teoria das cordas/teoria M também procura explicar o porque de tais características existirem (vibrações de cordas, membranas ou p-branas minúsculos que produzem as famílias de partículas elementares), a diferença é que a teoria das cordas é oficialmente científica...

[1] Para continuar vendo, na sequência deste primeiro vídeo no link, basta ir clicando em "Este vídeo é uma resposta a..." logo abaixo dos videos no YouTube.

Nota: Nassim Haramein até hoje não tem trabalhos científicos publicados em sites ou revistas de renome, e suas teorias não são consideradas de forma séria (ao menos até o momento) pela comunidade científica internacional. Isso não quer dizer que seja um charlatão ou uma fraude, apenas um homem com idéias heterodoxas acerca da geometria do Cosmos.

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O rabi

Essa é a narrativa da conversa que o jovem Ayatsu teve com o Mensageiro dos Céus no topo de uma colina na Índia, no final da tarde após a morte do velho monge que um dia havia estado em Jerusalém, e que era o mestre de ambos no budismo...

Ayatsu – Nosso mestre dizia que era nosso professor apenas nos ensinamentos de Buda, mas que você era o rabino de todos nós... O que isso quer dizer?

Mensageiro – De onde caminhei antes de chegar aqui, rabino significa “professor”; Espero ser um bom rabino, para poder passar tudo aquilo que aprendi de outros mestres, e do reino de Deus.

Ayatsu – O reino de Deus! Gostaria de saber mais sobre isso... É verdade que quando atingimos o nirvana nos livramos da roda de encarnações e podemos entrar no reino de Deus?

Mensageiro – Qualquer um que nascer de novo pode entrar no reino de Deus.

Ayatsu – Ora, mas e todos nós não nascemos de novo? Então, você encontrou o reino de Deus, sabe onde fica?

Mensageiro (ele olhou de forma enigmática para Ayatsu, e levantou uma pequena pedra do chão) – Você vê o reino de Deus aqui?

Ayatsu – Não, isso é apenas uma pedra!

Mensageiro (ele suspirou e lançou a pedra longe, e ela rolou colina abaixo até cair em um pequeno lago) – Então você ainda não sabe onde fica o reino de Deus...

Ayatsu (confuso) – Mas, não entendo o que quer dizer. E eu estudei anos com meu mestre. Eu sei ler e escrever, conheço os segredos da meditação... E não entendi. Você não veio ensinar a todos nós? Não vai retornar a sua terra e ensinar o povo de Jeová? Como você espera que eles compreendam algo?

Mensageiro – Mas Buda não veio e ensinou-nos sobre o nirvana e sobre o reinado de nós mesmos? (Ayatsu concordou) Pois eu vim falar também de coisas celestiais, e haverão poucos que as entenderão e passarão adiante, exatamente como nosso mestre que ensinou-nos apenas o que pode ensinar. É assim que o reino de Deus se instaura no mundo, pois todos devemos entrar nele de mãos dadas.

Ayatsu – Mas nem todos vem estudar nos mosteiros, com os sábios. A maioria prefere tratar de assuntos de ouro e guerras, e todas essas coisas mundanas... Eles não vão aceitar esse novo conhecimento. Eles vão preferir continuar como estão. Eles podem mesmo te expulsar de sua terra... Você não teme isso?

Mensageiro – E eu não vim apenas trazer uma mensagem do reino de Deus? Como poderei ser expulso se aqui não está minha terra? Na verdade lhe digo que cada um compreende o que pode compreender. Se o reino de Deus ficasse abaixo do mar, os peixes seriam nossos mestres. Se ficasse acima das nuvens, as aves seriam nossas sacerdotisas. Mas, se o reinado se faz no coração, o único caminho até ele é o amor.

raph'09

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Este conto é continuação direta do "O mensageiro dos céus", e continua em "O pescador de almas".

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Crédito da foto: huminiak

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28.4.09

O mensageiro dos céus

Há quase dois milênios atrás, um sexagenário budista indiano, que tinha um grande número de seguidores estudantes da doutrina de Buda, resolveu viajar até o oriente médio. O senhor só iria levar consigo suas roupas, seu cajado de madeira e um seguidor ainda jovem... Poucos na localidade sabiam o que iria o velho monge fazer tão longe, mas alguns especulavam que ele seguia uma mensagem dos espíritos; Iria atravessar enormes distâncias em nome da fé: a mensagem dizia que o mensageiro dos céus, o filho de deus, estava entre os povos do mundo; E logo iria se revelar, mudando para sempre o coração entristecido e desorientado da humanidade.

Ayatsu foi o escolhido para acompanhar o monge. Era ainda jovem e vibrava com o glorioso destino de conhecer o filho de Deus! Após anos de andanças, os dois finalmente chegaram à cidade de Jerusalém. Lá encontraram um outro velho budista, que havia vindo do Nepal anteriormente. O outro monge disse que havia desistido da procura; Afinal, era impossível achar um único homem numa região tão extensa... Depois voltou para sua terra natal.

Após algum tempo de reflexão, o monge teve uma idéia e a seguiu: montou uma tenda numa das entradas da cidade e mandou Ayatsu espalhar a notícia de que naquela tenda recrutavam-se pobres e pastores para trabalhos de empregaria em casas abastadas. No outro dia formava-se uma pequena fila fora da barraca. O monge disse a Ayatsu que iria se ajoelhar e reverenciar cada um dos que entrassem pela tenda como o filho de Deus, mas só uma reação específica indicaria ser aquele o homem dos céus.

Durante aquele dia e outros, e semanas, e meses, nenhum homem reagiu da forma adequada... E finalmente o monge se deu por vencido e decidiu retornar a Índia. Ayatsu tentava imaginar que tipo de reação indicaria ser o filho de Deus: brilhar como o Sol? Levitar? Fazer algum milagre?

Depois de anos voltaram a Índia. O monge já estava conformado e não esperava mesmo encontrar o mensageiro dos céus. Porém, numa ensolarada manhã, um homem de aparência judia, barba e cabelos acastanhados, olhos verdes e trajando roupas leves e de cores quentes apareceu na entrada do mosteiro. Ele falou:

"Eu vim aprender sua religião. Não procuro nada senão teu conhecimento."

Extasiado, o velho monge ajoelhou-se ante o homem; E o homem, inconformado com a atitude do monge, ajoelhou-se também. O monge então encostou sua cabeça no chão, e foi imediatamente acompanhado. Com enorme alegria em seu coração, o budista olhou nos olhos do desconhecido e bradou:

"Tu és o senhor de todos nós, o mensageiro dos céus!"

Com a face plena de paz, o homem respondeu:

"Não, nada além do que você ou qualquer homem do mundo, todos nós trazemos um pouco de Deus em nosso interior. Todos somos filhos de Deus. O que eu fiz foi olhar em meu coração e descobrir a verdade sobre todas as coisas maravilhosas que compõe a divina criação, o tudo."

raph'96

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Este texto "chegou" para mim de maneira inesperada. Em meados de 1996 eu era apenas um jovem universitário que gostava de quadrinhos, esportes e RPG - nunca tive qualquer tipo de educação religiosa, a não ser as intuições que trouxe comigo desde o nascimento (imagino)... No entanto, não lembro bem o que assistia na TV, peguei uma carta impressa de condomínio, uma caneta, e na parte de traz do papel (que estava em branco) escrevi a mão esse conto que acabou de ler (não estou dizendo que psicografei o texto, apenas estava estranhamente inspirado).

Fato é que, de lá para cá, obviamente a temática de meus textos mudou consideravelmente (embora não tenha deixado de escrever sobre fantasia). Se hoje tenho esse blog, um livro de filosofia espiritualista e mais de uma centena de poesias escritas, é porque de certa forma tudo se iniciou naquele dia em que escrevi esse conto - em que deixei ele chegar, por assim dizer. Para mim pessoalmente ele é importante por inúmeras razões: pelos comentários que recebeu, pelas pessoas que o leram, pelos lugares onde foi lido, etc. Mas acima de tudo ele iniciou um ciclo pessoal, por assim dizer. Ciclo este que se renovou com o conto que vem na sequência deste:

» Leia o próximo conto desta série, O Rabi

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Este conto também se encontra traduzido para o inglês: "The messenger of the skies"

Crédito da foto: Wikipedia (cristianismo arcaico)

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Rumo as estrelas

Texto de Brian Greene no "Universo Elegante" (ed. Cia das Letras)

Embora estejamos tecnologicamente ligados à Terra e às suas cercanias no sistema solar, o poder do pensamento e da experimentação nos permite sondar as profundidades do espaço exterior e do espaço interior. Particularmente durante os últimos cem anos, o esforço coletivo de muitos físicos revelou alguns dos segredos mais bem guardados da natureza. E uma vez reveladas, essas jóias explicativas abriram novos panoramas sobre um mundo que pensávamos conhecer mas cujo esplendor nem sequer chegáramos perto de imaginar. Uma maneira de medir a profundidade de uma teoria física é verificar até que ponto ela desafia aspectos da nossa visão de mundo que antes pareciam imutáveis. Sob esse ponto de vista, a mecânica quântica e as teorias da relatividade foram muito além das nossas expectativas mais ousadas: funções de ondas, probabilidades, tunelamento quântico, o incessante tumulto das flutuações de energia no vácuo, o entrelaçamento do espaço e do tempo, a natureza relativa da simultaneidade, a curvatura do tecido do espaço-tempo, os buracos negros e o big-bang. Quem poderia pensar que a perspectiva intuitiva, mecânica e precisa de Newton se tornaria tão provinciana — que havia um mundo novo e extraordinário logo abaixo da superfície das coisas que vemos todos os dias?

Mas mesmo essas descobertas que sacodem os nossos paradigmas são apenas uma parte de uma história maior, que tudo abarca. Com uma fé inquebrantável em que as leis do que é pequeno e as do que é grande devem harmonizar-se em um conjunto coerente, os físicos prosseguem em sua luta incessante por encontrar a teoria definitiva. A busca ainda não terminou, mas a teoria das supercordas e a sua evolução em termos da teoria M já fizeram surgir um esquema convincente para a fusão entre a mecânica quântica, a relatividade geral e as forças forte, fraca e eletromagnética. Os desafios trazidos por esses avanços à nossa maneira de ver o mundo são monumentais: laços de cordas e glóbulos oscilantes que unem toda a criação em padrões vibratórios executados meticulosamente em um universo que tem numerosas dimensões escondidas, capazes de sofrer contorções extremas, nas quais o seu tecido espacial se rompe e depois se repara. Quem poderia ter imaginado que a unificação entre a gravidade e a mecânica quântica em uma teoria unificada de toda a matéria e de todas as forças provocaria uma tal revolução no nosso entendimento de como o universo funciona?

Não há dúvida de que encontraremos surpresas ainda maiores à medida que avançarmos na nossa busca de entender a teoria das supercordas de maneira total e factível do ponto de vista do cálculo. O estudo da teoria M já nos propiciou vislumbrar um reino estranho no universo, abaixo da distância de Planck, em que possivelmente não vigoram as noções de espaço e de tempo. No extremo oposto vimos também que o nosso universo pode ser simplesmente uma dentre inumeráveis bolhas que se espalham pela superfície de um oceano cósmico vasto e turbulento chamado multiverso. Essas idéias estão na vanguarda das especulações atuais e pressagiam os próximos saltos pêlos quais passará a nossa concepção do universo.

Temos os olhos fixos no futuro, à espera dos deslumbramentos que nos estão reservados, mas não devemos deixar de olhar também para trás e maravilhar-nos com a viagem que já fizemos. A busca das leis fundamentais do universo é um drama eminentemente humano, que expande a nossa visão mental e enriquece o nosso espírito. Einstein deu-nos uma descrição vívida da sua própria luta por compreender a gravidade: "os anos ansiosos da busca no escuro, que provocavam sentimentos intensos de angústia e alternâncias entre estados de confiança e de exaustão, e, finalmente, a luz". Aí vemos a profundidade desse drama humano. Todos nós buscamos a verdade, cada qual à sua maneira, e todos esperamos um dia poder dizer que sabemos por que estamos aqui. À medida que subimos a montanha do conhecimento, cada nova geração apoia-se sobre os ombros da anterior, aproximando-se coletivamente do cume. Não temos como prever se algum dia os nossos descendentes chegarão ao topo e gozarão da soberba vista que se abre sobre a vastidão e a elegância do universo, com clareza infinita. Mas ao trilharmos o caminho, subindo um pouco a cada nova geração, realizamos as palavras de Jacob Bronowski, que dizia que "a cada época corresponde um ponto de inflexão, uma nova maneira de ver e de afirmar a coerência do mundo". Hoje a nossa geração se maravilha com a nossa nova visão do universo — a nova maneira de afirmar a coerência do mundo — e cumpre assim o seu papel, contribuindo com um degrau a mais na escada humana que conduz às estrelas.

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Crédito da foto: mib_hr

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25.4.09

Alguém tem de estar errado

Quando analisamos as doutrinas das maiores religiões mundiais, percebemos que nem todos podem estar certos. Para muitos cristãos, Jesus foi uma espécie de avatar de Deus; Para os muçulmanos Jesus foi mais um na linhagem de profetas, porém apenas homem; Já para certos judeus Jesus não passa de um herege... Nós poderíamos prosseguir com inúmeros exemplos, seja dessas religiões majoritárias, seja de tantas outras doutrinas pelo mundo: Uns afirmam que a teoria de Darwin-Wallace é um equívoco e que a história de Adão e Eva é a descrição mais fiel da realidade do surgimento do ser humano na Terra, enquanto outros aceitam (com ou sem ressalvas) o evolucionismo dentro de sua doutrina; Uns afirmam que Buda atingiu o nirvana e foi o maior sábio a passar pelo mundo, outros desdenham dizendo que a meditação budista não serve para nada; Uns afirmam que é possível se comunicar com espíritos sábios e receber instruções profundas de conduta moral, outros dizem que não passa de misticismo fajuto ou comunicação com entidades demoníacas; Uns afirmam que Deus não pode ter criado o mal e que um inferno eterno não existe, outros fazem ameaças dizendo que aqueles que não aceitam ou temem ao mesmo Deus serão condenados ao inferno; Uns afirmam se comunicar com Deus todos os dias, outros dizem que é impossível termos qualquer tipo de compreensão aprofundada de Deus (se é que ele existe)... É, acho que já deu para ter uma idéia da confusão né?

Decerto existem muitos que gostam de trocar idéias e aceitam (com ou sem ressalvas) a crença ou descrença alheia - Porém há que se admitir que é bem mais fácil encontrar os radicais, em maior ou menor grau, que se tornaram "especialistas" na arte da supersimplificação: ou uma doutrina está totalmente correta, ou totalmente errada. Pior ainda são aqueles radicais que colocaram na cabeça que a sua doutrina, ou a sua verdade, deve ser espalhada pelos sete ventos, pois "certamente todos seriam mais felizes seguindo-na". Pode-se pensar que esse grupo é composto apenas de evangelizadores religiosos; mas não: existem alguns ateistas ou céticos radicais que acreditam piamente que devem "converter" os outros a "luz da razão" - Mas, e quem julga o que é racional, factível, verdadeiro?

Alguns séculos antes do nascimento de Jesus, o método experimental surgia na ilha de Samos, na Grécia. Enquanto o grande Pitágoras descobria os fundamentos da física, da matemática, da geometria, da música e outros conceitos que foram depois classificados como esotéricos, outros sábios da mesma ilha inauguravam o método experimental: observavam a natureza antes de confirmar qualquer teoria, e não mais se limitavam apenas ao campo das idéias (mental). Aristarco de Samos foi uma dos primeiros a prever que a Terra girava em torno do Sol, e não muito longe de Samos, em Alexandria Eratóstenes já provava que a Terra era uma esfera com o auxílio de dois gravetos expostos a luz solar - e de um ajudante dedicado... De lá para cá o método científico avançou de forma avassaladora, hoje a ciência já explica o nascimento do espaço-tempo até seus minutos iniciais, e investiga minuciosamente o próprio código que nos faz humanos - o Genoma.

Mas é o próprio "amigo inseparável" da ciência que afirma que não teremos tão cedo (talvez nunca) o conhecimento completo da realidade - detectada ou não. Os dados corroboram com o ceticismo: é verdade que a gravitação de Newton juntamente com a relatividade especial e geral de Einstein provaram ser capazes de medir com extrema exatidão a órbita da Terra e outros planetas em torno do Sol... Porém, a medida nunca alcança a exatidão máxima, pois é impossível prever os desvios provocados pelos campos gravitacionais de certos planetas minúsculos, luas, cometas, etc. Tudo bem, podemos afirmar que esses desvios serão mínimos; mas em sistemas binários ou trinários, onde temos mais de uma estrela orbitando juntas no centro gravitacional do sistema, ainda é impossível obter uma boa aproximação da órbita desses planetas, pois as equações tornam-se demasiado complexas. Da mesma forma, existe ainda muita coisa acima do céu, e do outro lado do véu, que a ciência não faz ainda vaga idéia de como exatamente funcionam: o problema difícil da consciência, a matéria escura, a unificação das forças fundamentais da natureza, o surgimento da vida na Terra, os diversos fenômenos ditos paranormais que ela não explica mas também não prova como fraude - e, aqui também, a lista seria interminável...

Isso não é ruim. Significa apenas que não obtemos o conhecimento pleno da natureza. Que não podemos bater no peito e dizer: "aqui está, esta é a verdade absoluta!" - Ah meu ver, a vida perderia muito de sua graça se isso fosse possível. Ainda temos muito para descobrir, investigar, compreender, evoluir em nosso conhecimento. Santo Agostinho dizia uma frase profunda, que explica a si mesma: "crer para compreender, compreender para crer." Toda jornada em busca de conhecimento é tão infinita quanto o céu noturno ou o olhar de uma criança recém-nascida. Este é o espanto, isto é o sagrado, é isso que sempre moveu o ser humano e os grandes sábios e gênios da humanidade.

E será que algum deles encontrou a verdade absoluta? Provavelmente não. Buda chegou ao nirvana e Jesus aparentemente tinha uma forte conexão com Deus, mas nenhum deles disse que havia chegado ao final do caminho. "Vocês farão tudo o que faço, e muito mais" - dizia aquele que muitos afirmam ser Deus. Ora, então nosso futuro será extraordinário - seremos deuses, faremos coisas que um deus faz e ainda muitas coisas mais. Para tal, não me parece necessário buscar apenas um caminho, apenas uma doutrina, apenas um sábio. Se é verdade que alguém tem de estar errado, também é verdade que muitas vezes alguém estará certo... Passo a passo, com a pequena vitória de cada um, caminhando juntamente com Newton "nos ombros de gigantes", sem dúvida o futuro me parece bem promissor. Qual é minha religião? Meu pensamento. Qual é minha ciência? Meu bom senso.

Você pode afirmar que "preciso escolher um lado", que "não posso ficar em cima do muro"... Mas eu não me alistei para lutar uma guerra. Eu fui chamado para um banquete de amigos no jardim de Epicuro - a minha felicidade na existência é buscar, é amar a sabedoria. Se por "em cima do muro" você quer dizer que eu não escolhi nenhuma igreja ou comunidade científica para defender... Direi-te que tem toda a razão. Mas acaso o "em cima do muro" signifique que reconheço o ecumenismo de toda crença e toda descrença, a liberdade sublime de cada ser fazer o que quer através da própria vontade, e de toda beleza que existe em tal sistema - então direi-te que estou equilibrado em cima deste muro. E esse muro se chama Tao.

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Crédito da foto: Marco Gomes

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Falácia!

O texto abaixo usa passagens da Wikipedia e do artigo original de Azel no ateus.net

Segundo a Wikipedia uma falácia é um argumento logicamente inconsistente, sem fundamento, inválido ou falho na capacidade de provar eficazmente o que alega. O conhecimento do que é ou não um raciocínio falacioso certamente é um dos mais úteis que existem quando vamos analisar criticamente qualquer assunto. As falácias e inconsistências lógicas abundam em nossa sociedade e são utilizadas o tempo todo, como podemos verificar facilmente nos pronunciamentos de políticos demagogos, entre outros casos. O problema é que, de tão comuns, as falácias costumam ser usadas por descuido... Quem não se utilizou de alguma que atire a primeira ofensa!

Vejamos alguns exemplos mais comuns de falácias:

Raciocínio circular ou petição de princípios
Esse é um erro comuníssimo em debates ou pregações religiosas. Trata-se simplesmente de afirmar a mesma coisa com outras palavras. Alguns exemplos:

1. “Por que a Bíblia é a Palavra de Deus? Ora, porque ela foi inspirada pelo próprio Criador.”
2. “A Bíblia é perfeita porque é a Palavra de Deus. E como sabemos que ela é a Palavra de Deus? Pela sua perfeição.”

Esse exemplo é fácil de encontrar, especialmente nos meios evangélicos mais conservadores. É importante ressaltar que ele foi posto aqui apenas para ilustrar um tipo de raciocínio falacioso muito freqüente, não para desmerecer a Bíblia ou a crença de quem quer que seja. Um exemplo laico agora:

3. “Eu acho que alpinismo é um esporte perigoso porque é inseguro e arriscado.”

Dizer que algo é “inseguro e arriscado” não é o mesmo que dizer que ele é “perigoso”? Ora, o que essa “explicação" acrescentou que justificasse a idéia de que alpinismo é perigoso? Nada. Simplesmente repetiu-se a primeira afirmação com outras palavras.

Supersimplificação e raciocínio “8 ou 80”
Essas são praticamente inevitáveis, e se você não se deparar com elas, é porque está debatendo filosofia ou seu interlocutor é diplomata profissional. Um bom argumento deve resumir as questões em debate e simplificá-las para o leitor ou a audiência. Dizemos que há supersimplificação quando isso é feito de tal forma que muitos detalhes importantes são deixados de lado e o resumo feito só permite uma única conclusão. Exemplo:

1. “Os nazistas usaram alguns escritos de Nietzsche em sua propaganda. A irmã de Nietzsche era nazista. Portanto, Nietzsche era nazista.”

Já o raciocínio “8 ou 80”, conhecido também como falso dilema, é aquele que só admite duas possibilidades antagônicas numa determinada questão, mesmo que haja muitas mais, sendo que a pessoa que o utiliza está, claro, do lado certo. Essa falácia pode ser assim resumida:

2. “Ou você está totalmente certo ou eu estou totalmente errado.”
3. “A Bíblia alega ser a Palavra de Deus e sem erros. Se você achar um erro nela, então ela tem de estar totalmente errada.”

Generalização apressada
Falácia de generalização apressada, como o nome indica, é aquela em que uma pessoa constrói algumas premissas para um argumento e, em seguida, o conclui rápido demais. Noutras palavras, é tirar uma conclusão com base em evidências insuficientes, julgar todas as coisas de um determinado universo com base numa amostragem muito pequena. Conseqüentemente, ela passa por cima de detalhes, fatores, circunstâncias e mesmo dos casos que poderiam refutar a universalidade de suas premissas. É claro que todo argumento presume algum grau de generalização, mas, neste caso, ela é excessiva. Vejamos dois exemplos:

1. “Minha avó tem dor de cabeça crônica. Meu vizinho também tem e descobriu que o motivo é um câncer. Logo, minha avó tem câncer.”
2. “O pastor da igreja X roubou o dinheiro dos fiéis. Fulano é pastor. Logo, também é ladrão.”
3. “Meu tio é candomblecista e já matou um bode para oferecer ao orixá. Beltrano foi ao terreiro de candomblé. Logo, ele também mata animais para o orixá.”

Ataque pessoal ou argumento ad hominem
Essa falácia é fácil de reconhecer. Consiste simplesmente em atacar uma pessoa em vez dos argumentos que ela expõe, usar um traço de seu caráter como pretexto para desqualificar ou ignorar o que ela diz. Pode ser usado quando não se sabe como refutar o que o oponente diz ou simplesmente por excesso de preconceito, sendo um meio muito cômodo (e desonesto) de fugir do debate. Vejamos:

1. “O que Fulano diz sobre o balanço da empresa não pode ser levado a sério, afinal ele traiu a mulher.”
2. “O senhor não tem autoridade para criticar nossa política educacional, pois nunca concluiu uma faculdade.”
3. “A religião é uma coisa má. Veja só quantas guerras foram provocadas por ela.”

Apelo à ignorância
Resume-se na frase “ausência de evidência não é evidência de ausência”. Consiste em usar a falta de provas (ou a inabilidade do oponente em apresentá-las) a favor ou contra algo para provar uma outra tese.

1. “Você não tem provas de que Deus existe. Logo, ele não existe.”
2. “Você não tem provas de que Deus não existe. Logo, ele existe.”

Apelo à multidão
Quem conhece a expressão “maria-vai-com-as-outras” certamente saberá quando uma falácia de apelo à multidão está sendo usada. Basicamente, esse é o tipo de raciocínio que diz “se todos fazem, então eu devo fazer também”. Políticos bons de voto adoram essa linha de argumento, religiosos proselitistas também.

1. “Você não acha que se uma religião cresce tanto em tão pouco tempo é porque Deus está com ela?”
2. “Dez milhões de pessoas não podem estar erradas. Junte-se à nossa igreja você também.”

Premissas contraditórias
Quando as bases do argumento são mutuamente excludentes. Por exemplo:

1. “O que acontece quando uma força irresistível encontra um obstáculo irremovível?”

Ora, o erro aqui é que não existe força irresistível. Se existisse, então não haveria um obstáculo irremovível, e vice-versa. Logo, se a pergunta não é coerente consigo mesma, não pode haver resposta.

2. “Se Deus pode tudo, ele poderia fazer uma pedra tão pesada que nem ele mesmo pudesse levantar?”

Novamente, a pergunta não faz sentido, pois admitir que Deus pode criar tal pedra é admitir também que ele não pode tudo; e admitir que ele não pode criar a pedra é o mesmo que negar sua onipotência. Então, não se tem aí nenhum fundamento que possa dar margem a um raciocínio legítimo.

Redução ao absurdo
É um raciocínio levado indevidamente ao extremo. Designado apropriadamente em inglês pela expressão “slippery slope”, ou seja, rampa escorregadia, na qual um simples empurrão basta para que se perca totalmente o controle. Essa falácia pode ser expressa assim:

1. “Se você permite o aborto em casos de risco de vida para a mãe nos hospitais públicos, logo todo o mundo vai querer abortar por qualquer motivo, ninguém mais vai valorizar a gravidez e a taxa de natalidade vai acabar despencando, prejudicando a economia do país.”
2. “A crença na vida após a morte é perniciosa, pois quem acredita nisso sempre vai achar que as coisas vão melhorar no Além e, portanto, vai se acomodar à sua situação atual, não lutar por seus direitos e permanecer em tamanha inatividade que a nação logo vai estar subjugada pelos exploradores internacionais. É por isso que nosso país seria muito melhor se todos fossem ateus.”
3. “Se deixarmos o governo vender uma estatal hoje, daqui a dois ou três anos o país inteiro vai estar nas mãos do empresariado internacional.”

Certamente a lista seria interminável...

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Crédito da foto: IdleMindedLee

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24.4.09

Viagem astral: fora ou dentro?

Desde épocas remotas da humanidade, juntamente com experiências religiosas, a viagem estral tem feito parte de nossa mitologia. Resta saber se ela é apenas mito, ou se trata-se de uma capacidade natural da consciência.

Este documentário da Discovery nos traz uma análise do assunto, mostrando o lado dos parapsicólogos, projeciologistas, xamãs (modernos) e neurologistas... A questão principal que permeia o assunto é se a consciência realmente sai do corpo durante a projeção, ou se tudo não passa de um fenômeno de alucinação que ocorre dentro do próprio cérebro humano. Vejam abaixo:

Algumas questões referentes ao documentário [por segundo, aproximadamente]:

[10:30] As experiências da IAC demonstram que aquela história de que "em viagem astral ninguém consegue ver algo 'em nosso mundo' e descrever depois" (e eram motivos de ceticismo, obviamente) aparentemente já ficaram para trás faz algum tempo.

[32:00] A prática dos xamãs que tomam uma "substância" para entrar em projeção é algo que no Brasil virou uma nova religião: o Santo Daime. Portanto é uma prática realmente antiga que "chegou a civilização", por assim dizer... Aposto que vocês achavam que o Santo Daime era apenas mais um santo católico (eu também achava :)

[46:00] A epilepsia do lóbo temporal é sem dúvida uma boa explicação para quem TEM a doença... Impossível supor que todos os estudantes de projeciologia causam danos graves ao seus lóbos apenas enquanto fazem projeção, e depois "retornam ao normal". O cérebro não é tão elástico assim... Há que se lembrar aqui, da mesma forma, que certas experiências dão a entender que é possível a consciência "ver o mundo real" até mesmo a distância de quilômetros.

[ao longo do filme todo] Há diversas referências, ao longo do filme, ao "fato" de que a Mecânica Quântica pode explicar a transmissão de informações de forma não-local (emaranhamento quântico). O problema é que oficialmente a MQ não prevê a possibilidade de qualquer troca de informação não-local. Me parece errado dizer que a MQ "explica" isso... Seria mais correto (a meu ver) dizer que o processo natural é aparentemente análogo a certas características da MQ (quando muito).

***

Finalmente, fica aqui o aviso: estudar viagem astral não é algo para leigos, inclusive porque há diversos perigos na prática irresponsável da projeção. Para quem tem interesse e não conhece nada do assunto, recomendo não se limitar a estudar apenas o que há na web, mas também procurar o IIPC - Instituto Internacional de Projeciologia e Conscienciologia. Também é possível encontrar abordagens sérias do assunto na Umbanda Sagrada, certos centros espíritas mais heterodoxos, na Maçonaria e na Rosa Cruz - mas em todos os casos, disconfiem de mistificações. Para se praticar projeção é preciso compreender o que se faz da forma mais lógica possível, antes de mais nada. Estejam avisados.

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O paradoxo do sábio

Isso foi escrito pelo Ray da comunidade Filosofando no Orkut. Ao que chamei de "paradoxo do sábio", pois deixando as ironias de lado, é um risco que todo aquele que pretende dar conselhos de como se viver melhor (mesmo o meu "pensar para melhor viver") corre... Talvez seja por isso que muitos sábios não escreveram absolutamente nada, ou talvez não caiba ao sábio se preocupar com julgamentos.

- O que aquele homem está fazendo?
- Está escrevendo.
- Sobre o quê?
- Sobre como os outros devem viver.
- Mas... Por quê?
- Porque ele acha que todos vivem errado... Menos ele...
- E como ele vive?
- Escrevendo sobre como os outros devem viver.

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23.4.09

Jesus, o Ídolo dos Ateus

O ocultista Marcelo Del Debbio nos traz, em seu blog, um texto extraordinário sobre a origem do ateismo:

O termo atheos surgiu durante a Grécia Antiga, em aproximadamente 500 AC, onde o termo significava “sem Deus”, ou “aquele que cortou seus laços com os deuses” e designava um sacerdote que estava rompendo seus laços com seu antigo templo. O termo foi muito usado nos primeiros séculos após as pregações do Avatar Yeshua, em debates entre helenistas (os sacerdotes gregos), essênios e outras facções de cristãos primitivos (antes do Vaticano) onde cada um dos lados usava o termo para designar pejorativamente o outro. Este termo nunca era designado para um membro do povão e seria impensável alguém se auto-proclamar “ateu”. Era o equivalente a um xingamento.
E Jesus, para os helenistas, era o exemplo máximo dos ateus.

» Ver o post completo

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Biblioteca no Scribd

Acabei de organizar uma biblioteca no Scribd reunindo livros essenciais segundo a temática deste blog. Entre eles estão parte dos 10 melhores livros sagrados (na minha humilde opinião) e outros, livros de divulgação científica e cosmologia, além dos meus próprios livros :)

Aproveitem, basta clicar na imagem abaixo:

Biblioteca online com livros indicados por este blog

Também teremos sempre um link para a biblioteca na seção de links na coluna direita do blog » »

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22.4.09

Um caso sugestivo de crop circle

Primeiramente gostaria de alertar que sou cético em relação a imensa maioria dos crop circles (padrões geométricos [e outros mais exóticos] "impressos" em plantações de fazendas e campos gramados); Como Carl Sagan bem exemplifica em "O Mundo Assombrado pelos Demônios", na maioria esmagadora dos casos pode-se atribuir os crop circles a arte humana, por mais elaborada e simétrica que seja... Isso não impede no entanto que alguns casos continuem driblando a explicação mais cética, como é o caso desses descritos ao longo da palestra de Nassim Haramein sobre a geometria do Cosmos.

Pesa contra a explicação cética, nesse caso em específico, que tenham sido feitos ao lado de um telescópio do SETI, e trazerem - em código binário - uma resposta clara ao material enviado pelo próprio SETI em 1972, ironicamente idealizado pelo mesmo Carl Sagan... vejam o video:

Este site tem um excelente artigo sobre este crop circle em específico, mas está em inglês: The Chilbolton 'Arecibo message' Formation

Nota: Nassim Haramein até hoje não tem trabalhos científicos publicados em sites ou revistas de renome, e suas teorias não são consideradas de forma séria (ao menos até o momento) pela comunidade científica internacional. Isso não quer dizer que seja um charlatão ou uma fraude, apenas um homem com idéias heterodoxas acerca da geometria do Cosmos.

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Física, arte e simetria

Texto de Brian Greene no "Universo Elegante" (ed. Cia das Letras)

Juízos estéticos não solucionam problemas científicos. Em última análise, as teorias são julgadas pela maneira como se comportam diante dos resultados frios e implacáveis das experiências. Essa última observação merece, no entanto, uma qualificação de imensa importância. Enquanto uma teoria está em construção, o seu estado incompleto de desenvolvimento muitas vezes impede a comprovação experimental de suas implicações específicas. De toda maneira, os físicos são forçados a fazer escolhas e julgamentos a respeito da direção a ser dada às pesquisas relativas à nova teoria. Algumas dessas decisões são ditadas pela coerência lógica interna; é justo requerer que uma teoria sensata não caia em absurdos lógicos. Outras decisões são guiadas por uma avaliação das implicações qualitativas das experiências realizadas em um contexto teórico com relação a outro; em geral, não nos disperta interesse uma teoria que não tenha a capacidade de relacionar-se com alguma coisa que exista no mundo à nossa volta.

Mas é bem verdade que algumas decisões dos físicos teóricos baseiam-se no sentido da estética - a sensação de que as estruturas teóricas têm uma elegância e uma beleza naturais, que condizem com o que vemos no mundo físico. Evidentemente, nada garante que essa estratégia conduza à verdade. Quem sabe, no âmbito mais profundo, a estrutura do universo não é tão elegante quanto a nossa experiência nos levou a crer, ou quem sabe, ainda, venhamos a descobrir que os nossos critérios estéticos precisam sofisticar-se muito mais para que possamos aplicá-los a situações pouco comuns.

De todo modo, especialmente agora, quando entramos em uma era em nossas teorias descrevem áreas do universo que dificilmente podem ser alcançadas experimentalmente, os físicos recorrem à estética para guiá-los pelos caminhos, e evitar obstáculos e becos sem saída. Até aqui, esse procedimento tem propiciado orientação válida e esclarecedora.

Na física como na arte, a simetria é parte integrante da estética. Mas na física, ao contrário da arte, a simetria tem um significado muito concreto e preciso.

(...)

Os cientistas descrevem duas propriedades das leis físicas - o fato de que elas não dependem da ocasião (tempo) ou do lugar (espaço) em que foram invocadas - como simetrias da natureza. Com isso eles querem referir-se ao fato de que a natureza trata todos os momentos do tempo e todos os lugares do espaço de forma idêntica - simétrica -, fazendo com que as mesmas leis estejam em operação em todas as partes. O efeito causado por essas simetrias é o mesmo que exercem na música e na arte em geral - o de uma profunda satisfação; eles revelam ordem e coerência no funcionamento da natureza. A elegância, a riqueza, a complexidade e a diversidade dos fenômenos naturais que decorrem de um conjunto simples de leis universais é parte integrante do que os cientistas querem dizer quando empregam o termo "beleza".

(...)

Na verdade, seguindo cuidadosamente essa noção precisa de simetria até as suas últimas implicações matemáticas, no transcurso das últimas décadas os cientistas apresentaram teorias em que as partículas de matéria e as partículas mensageiras têm uma relação muito mais íntima do que antes se pensava ser possível. Tais teorias, que unem não só as forças da natureza mas também os componentes materiais, contêm o maior grau possível de simetria e por essa razão são chamadas supersimétricas. A teoria das supercordas é, ao mesmo tempo, a pioneira e o exemplo máximo dos esquemas supersimétricos.

***

Crédito da imagem: Mandelbot set (passo 11)

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20.4.09

Reflexões sobre a consciência, parte 3

continuando da parte 2...

Meditação: consiste na prática de focar a atenção, freqüentemente formalizada em uma rotina específica. É comumente associada a religiões orientais. Há dados históricos comprovando que ela é tão antiga quanto a humanidade. Não sendo exatamente originária de um povo ou região, desenvolveu-se em várias culturas diferentes e recebeu vários nomes, floresceu no Egito (o mais antigo relato), Índia, entre o povo Maia, etc.

Manual de nós mesmos

Os adeptos da meditação budista usam técnicas de "observação" da mente desenvolvidas há mais de 2.500 anos pelo filósofo indiano Siddharta Gautama, mais conhecido como Buda. O objetivo dessas técnicas é dobrar a mente sobre si mesma e observá-la em ação. De acordo com os budistas, tal introspecção pode oferecer visões sobre a natureza da mente, da realidade e do mistério da consciência. Tais declarações tradicionalmente não seduzem os cientistas e a insistência deles por provas objetivas. Contudo, monges budistas bastante treinados vêm se encontrando com cientistas para investigar a natureza da consciência.

Segundo o budismo e outras vertentes da sabedoria oriental, nossa mente está tão absorta pelo passado e suas memórias, e o futuro e suas expectativas, que raramente conseguimos viver o momento presente: o que, ironicamente, é o único momento que nós temos para viver... Uma das formas de compreendermos como "viver no presente" envolve a compreensão correta de que tudo no mundo é o resultado de uma grande confluência de causas e condições, e todas as coisas do mundo desaparecem quando estas causas e condições deixam de existir - o chover, o soprar dos ventos, o vicejar das plantas, o amadurecer e fenecer das folhas são fenômenos relacionados às causas e condições; uma criança nasce, tendo por condições os pais; seu corpo é nutrido de alimentos, sua mente educa-se com os ensinamentos e experiências - Assim, o corpo e a mente se relacionam às condições e variam quando elas se alteram. Assim como uma rede é confeccionada com uma série de nós, tudo neste mundo possui também uma série de vínculos. Ação gera reação: se alguém pensar que a malha de uma rede é coisa independente ou isolada, estará equivocado.

Quando "esvaziamos" a mente de suas memórias recorrentes do passado (incluindo as frustações), assim como de seus desejos e expectativas ante o futuro (incluindo os medos), podemos então dobrar a mente sobre si mesma e, de certa forma, visualizarmos em primeira mão um pouco do que somos realmente: o "eu profundo" que opera nos bastidores do "teatro mental", que organiza a inconsciência e que realmente faz as escolhas que meio segundo depois chegam a nossa consciência (e que acreditamos que decidimos de forma inteiramente consciente). Há muitos no ocidente que não compreendem as vantagens de se "perder tanto tempo" parado, meditando, "pensando em nada", quando afinal há tantos problemas e desafios a serem resolvidos no mundo... Um budista diria que há "ação na inação": da mesma forma que um adolescente pode estar ao mesmo tempo vendo TV, ouvindo música e conversando com amigos em inúmeros países, sem no entanto estar realmente focado em alguma coisa mais profunda (como, por exemplo, o sentido de sua vida ser bombardeada por tantas informações irrelevantes ou, talvez, o sentido de se ter o desejo de operar exatamente como outros adolescentes em novelas e comerciais de TV), um monge praticando meditação transcendental pode estar "organizando as coisas" em sua mente de uma maneira tão profunda que, quando "desperto", viverá o presente e o lado profundo da vida, e não perderá tanto tempo com superficialidades que ele sabe - não lhe trarão nenhum tipo de benefício real na compreensão da existência.

Tudo o que somos, nosso "eu profundo" e as diversas máscaras e construtos de personalidade que ele utiliza para a vida em sociedade, tal qual peças de um "teatro mental", se resume ao que quer que seja que comande o processo de consciência e a análise e reenvio de informações (escolhas simples ou complexas) ao cérebro, que somente então se encarrega de retransmiti-los ao resto do corpo por impulsos nervosos - sabemos, portanto, onde o cérebro está ativo em dado momento, conseguimos verificar por quais "fios" passa a corrente elétrica dos pensamentos, mas até hoje falhamos miseravelmente em identificar a "usina mental", aquela que realmente gera os pensamentos (ou os recebe da consciência).

Segundo as pesquisas em parapsicologia, a consciência e os pensamentos podem não estar absolutamente limitados em nosso próprio cérebro: se pensamentos são correntes elétricas que ocorrem entre neurônios, mas que não sabemos de onde realmente vem, pode ser que certos fenômenos possam ser explicados por pensamentos que, além de atuar nos neurônios do cérebro original, possam ser transmitidos a outras consciências, como "ondas de rádio mental", e captadas por aqueles que tem a "sensibilidade" mais apurada. A percepção extra-sensorial (PES) seria a forma como tais consciências "pegariam no ar" essas ondas, quase que como pequenas antenas mentais, e poderiam receber informações a distância de forma não-convencional, ou pelo menos sem a necessidade de utilizar qualquer tipo de tecnologia desenvolvida pela ciência. A mente humana já seria, desde épocas remotas, a tecnologia mais apurada de que dispomos. A parapsicologia procura então decifrar e compreender fenômenos como a empatia (transmissões mente a mente de percepções emocionais, a mais comum), telepatia (transmissões mente a mente de informações) e clarividência (idem, porém a fonte seria o meio ambiente em si).

A maioria dos parapsicólogos, atualmente, espera que estudos adicionais venham finalmente explicar essas anomalias em termos científicos, apesar de não estar claro se eles podem ser completamente compreendidos sem expansões significativas (poderia se dizer revolucionárias) do estado atual do conhecimento científico. Outros pesquisadores assumem a posição de que modelos científicos já existentes, tais como os de percepção e de memória, são adequados para explicar alguns dos fenômenos parapsicológicos.

Segundo o espiritismo e outras doutrinas espiritualistas, a consciência nada mais seria do que uma forma de interação entre o espírito e o corpo, onde o primeiro comanda e o último, através dos pensamentos, é comandado. Embora muitos leigos acreditem que tais teorias afirmam que o espírito seria imaterial, na verdade, assim como Bahram Elahi deduziu, as teorias modernas afirmam que o espírito é incorpóreo, mas não imaterial - é formado por matéria sutil, "fluida", que até hoje não foi detectada pela ciência. O espírito, o verdadeiro "eu profundo", seria a entidade que faria as escolhas e as "encaminharia" ao cérebro. Para tal, se valeria tanto das memórias conscientes quanto das inconscientes, e através do processo da consciência, canal de "ida e volta", analisaria as informações sensoriais recebidas (a "ida", como por exemplo: uma criança está presa em um prédio em chamas), checaria de forma quase instantânea todo o histórico de decisões tomadas no passado, elaborando uma espécie de "tendência moral" a ser aplicada para aquele input de informações em específico, e responderia o comando, a escolha tomada (a "volta", como por exemplo: "eu sei que o amor é a maior fonte de felicidade do mundo, então vale a pena arriscar a vida para salvar a criança"; ou talvez: "é muito arriscado entrar no prédio em chamas, além do mais irei me aposentar em 2 anos e tenho direito a um descanso..."). Vale ressaltar, nesse exemplo, que talvez a análise de "tendência moral" seja quase instantânea porque o espírito mantém essa informação "constantemente atualizada", motivo exato pelo qual existiria aí o livre-arbítrio: a real capacidade de tomar decisões complexas e morais por influência própria, e não de algum processo quântico aleatório, ou da reação previamente determinada de certas partículas no cérebro.

Obviamente as teorias espiritualistas não param por aí, e a quase totalidade delas (pelo menos as destituidas de dogmas e/ou manuais infalíveis) defende que os espíritos podem existir ainda antes do nascimento, assim como após a morte - seriam absolutamente independentes do corpo. Embora a ciência "esbarre" em tais possibilidades nos estudos das EQMs (Experiências de Quase Morte) ou em pesquisas de casos de crianças que se lembram de vidas passadas, é desnecessário dizer que a teoria da reencarnação afasta muitos cientistas, céticos, e principalmente materialistas, do estudo sério dessa possibilidade de explicação para o processo de consciência.

Os filósofos gregos já compreendiam que o autoconhecimento era um caminho tão infinito quanto o conhecimento da natureza a nossa volta. De lá para cá, descobrimos coisas surpreendentes no espaço profundo: luas, planetas, cometas, estrelas, galáxias, buracos negros... Porém também descobrimos que podem existir tantos neurônios no cérebro quanto há estrelas no céu de nosso horizonte cósmico. E, assim como a física de partículas esbarra no exotismo da mecânica quântica, e na sólida possibilidade de que 96% da matéria do universo nos seja absolutamente desconhecida, e mesmo que ele possa ser governado por minúsculas cordas a vibrar em espaços "infinitamente pequenos", talvez o estudo aprofundado e científico da consciência nos venha a revelar aspectos da natureza tão surpreendentes e elegantes quanto esses... Talvez estejamos hoje em uma era em que, pela primeira vez, poderemos começar a escrever o manual de nós mesmos de forma igualmente subjetiva e objetiva. Pois estamos cada vez mais perto do observador em nós, do "eu profundo", do que quer que seja que comande absolutamente tudo o que fazemos - pois somos tudo aquilo o que pensamos, percebemos e eventualmente compreendemos.

***

Bibliografia recomendada: "A doutrina de buda" de Siddharta Gautama (ed. Martin Claret); "O espírito e o tempo" de J. Herculano Pires (ed. Paidéia); "O livro dos espíritos" de Allan Kardec (ed. Lake); "O que acontece quando morremos" de Sam Parnia (ed. Larousse).

Crédito da foto: Younglings

Nota: Normalmente não atento para isso, mas os comentários do Rayom ao longo de todas as 3 partes dessa reflexão são de tal forma pertinentes ao assunto que merecem serem lidos como um adendo ao texto. Para ler basta clicar no link "comentários" abaixo de cada post (na home) ou visualiza-los abaixo dos posts (quando vistos separadamente).

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18.4.09

Reflexões sobre a consciência, parte 2

continuando da parte 1...

Livre-arbítrio: é a crença ou doutrina filosófica que defende que a pessoa tem o poder de escolher suas ações.

O que é liberdade afinal?

Carlos é um bombeiro veterano, que durante a carreira arriscou a vida inúmeras vezes para salvar pessoas de situações de morte certa. Roberto é um ex-presidiário que após um longo tempo na prisão tenta aos poucos se readaptar a sociedade de forma honesta, e atualmente trabalha como vendedor em uma loja de celulares. Em um dado dia em específico, ambos estão caminhando na mesma rua, e percebem que há um prédio em chamas. Numa observação mais cuidadosa, percebem que uma criança pede socorro na janela do segundo andar... Talvez seja possível ainda salvar a criança se alguém corajoso entrar rapidamente no prédio nesse exato momento, ainda que arriscando a própria vida. Essa é uma escolha complexa: arriscar a própria vida para resgatar um semelhante, ou preservar a sua vida e assistir uma criança morrer de forma pavorosa? - é nesse sentido que vamos aqui discutir o livre-arbítrio (em oposição a, por exemplo, "escolher" se curar de um vírus ou ganhar na loteria, pois sabemos que toda liberdade é obviamente limitada pelas leis naturais, e pelas leis de probabilidade).

Considerado o exemplo do parágrafo acima, vamos analisar algumas teorias científicas acerca do livre-arbítrio e de sua relação com a consciência:

Segundo o filósofo Daniel Dennet, não existem coisas como experiências subjetivas; em vez disso ele propõe que o cérebro é um computador que possui informações de diferentes fontes com uma disposição para um comportamento particular e uma habilidade para distinguir entre estímulos diferentes. Trata-se de um complexo sistema de informação e modulação de informação sem nenhuma experiência subjetiva. Seguindo o que expomos anteriormente, Dennet basicamente postula que o "teatro mental" de Baars, o que subjetivamente experienciamos como o processo de consciência, nada mais é que uma disponibilidade global de informações, interpretadas pelo cérebro de maneira determinista sem que tenhamos realmente nenhuma possibilidade de escolha subjetiva sobre "o que fazer à seguir". Muitos outros neurologistas e materialistas convictos postulam que nossas escolhas conscientes, nossa subjetividade, nossa moralidade ou imoralidade, nada mais são do que a consequência de certas interações de partículas em nosso cérebro - de fato, não é possível se declarar materialista sem concordar ao menos parcialmente com isso.

Se corretas, no entanto, essas teorias significam que nossas vidas seriam completamente determinadas por nossos genes e pelo ambiente que nos cerca, e por conseguinte não haveria lugar para as responsabilidades. Ninguém mais seria responsável ou teria algum tipo de obrigatoriedade, e muito menos qualquer tipo de mérito e/ou demérito atrelado a qualquer escolha ou ação "subjetiva e moral" - Bombeiros que salvam vidas nada mais seriam do que seres guiados por interações específicas de partículas em seus cérebros, eles nunca tiveram a "escolha" de serem altruistas ou heróis. Da mesma forma, terroristas e assassinos também não teriam "culpa" alguma por seus atos: a "culpa" fica por conta das interações de partículas em seus cérebros.

Nesse sentido, o determinismo materialista não seria muito distante do determinismo divino. Não importa se são reações químicas iniciadas pelo baile de partículas cerebrais, ou se é a "mão de deus" em ação: em ambos os casos tudo o que realizamos, pensamos e sentimos não é fruto de nossa vontade ou escolha, mas fruto de um determinismo onipresente em todo o espaço-tempo. Nesse sentido, a mera discussão filosófica sobre o assunto (ou qualquer outro assunto) se torna obsoleta de antemão, pois não somos nós que escolhemos discutir, e sim as partículas ou a "mão de deus"... Não sou eu quem está digitando este texto e nem você que o está lendo, somos meros fantoches do determinismo! E, não sei quanto a você, mas pelo bem da filosofia (e de tudo o mais) acho mais saudável considerarmos outras hipóteses... Até mesmo porque o materialismo é apenas uma teoria não comprovada, e como já devemos ter percebido a essa altura, o conhecimento do homem acerca do processo de consciência ainda está engatinhando.

Uma outra teoria para o problema foi postulada pelo anestesista Stuart Hameroff e pelo matemático Roger Penrose, e se chama teoria dos processos quânticos. Ela se baseia no princípio de que no mundo microscópico das partículas isoladas, o princípio da incerteza e a mecânica quântica fazem com que diversas "escolhas" estejam superimpostas, e não podemos saber em dado momento, com antecedência, qual delas será tomada - mais ou menos como se qualquer escolha fosse tão aleatória quanto os processos quânticos no nível subatômico. Eles propõem que a consciência nasce de estruturas minúsculas semelhantes a tubos, feitas de proteínas, que existem em todas as células do corpo, incluindo as do cérebro. Segundo a chamada teoria da Redução Objetiva Orquestrada (Orch OR, em inglês) - que deriva da primeira - a qualquer momento podem ocorrer vários estados quânticos e possibilidade nas células cerebrais, e quando uma decisão é tomada, ela é o resultado do colapso de um estado, que então alcança a consciência. Em suma, segundo Hameroff e Pensore, pensamentos e escolhas não são pré-determinadas, muito embora nosso controle sobre elas continue um tanto precário. Não diríamos, usando o exemplo do primeiro parágrafo, que Carlos "escolheu" salvar a criança porque era altruista, mas sim porque de alguma forma, sua "tendência para o altruismo" afetou os estados quânticos de suas células cerebrais, tornando a "possibilidade da escolha altruista" maior, embora fosse ainda apenas uma probabilidade. Morre o determinismo, nasce o semi-aleatório, mas não saímos muito do lugar...

Sir John Eccles, neurologista vencedor do prêmio Nobel de medicina de 1963, foi talvez o mais ilustre cientista a argumentar em favor da separação entre a mente, a consciência (no caso, um processo da mente) e o cérebro. Ele dizia:

"Nós, como pessoas que experienciam, não aceitamos tudo o que nos é fornecido por nosso instrumento, a máquina neuronal de nosso sistema sensorial e o cérebro, nós selecionamos tudo o que nos é fornecido de acordo com o interesse e a atenção, e modificamos as ações do cérebro, através do 'eu'" - em suma, Eccles apenas defendia uma característica até mesmo óbvia que surpreendentemente escapou ao olhar atento de muitos cientistas (e ainda escapa): que alguma coisa em nós faz escolhas, simples e complexas, e que não sabemos exatamente onde esse 'eu' está fisicamente no cérebro (se é que está lá, ou apenas lá).

Outro defensor dessa teoria é Bahram Elahi, especialista em cirurgia e anatomia. Diz ele que embora a mente e o cérebro sejam separados, a mente (ou consciência) não é algo imaterial. Ao contrário, é composta de um tipo de matéria muito sutil que, embora ainda não-descoberta, é conceitualmente semelhante às ondas eletromagnéticas, que são capazes de carregar sons e figuras (e mesmo vídeos - figuras em movimento), e são governadas por leis, axiomas e teoremas precisos. Ele teoriza que tudo relacionado a esta "entidade" deve ser considerado como uma disciplina científica não-descoberta, e estudada da mesma maneira objetiva que outras disciplinas (como química ou biologia, por exemplo). A consciência pode, portanto, ser formada por algum tipo de substância material sutil demais para ser medida ou detectada utilizando as ferramentas científicas disponíveis hoje. Dessa forma, assim como os físicos continuam tentando descobrir novas partículas exóticas de matéria (muitas das quais, como o bóson de Higgs, por enquanto existem apenas em teoria), a consciência pode ser formada por alguma matéria dentro dos cerca de 96% ainda não descobertos pela ciência, segundo a teoria da Matéria Escura.

O que é liberdade afinal? Talvez seja apenas uma ilusão criada pelo processo consciente, para que a matéria orgânica conheça a si mesma, embora não tenha nenhum tipo de liberdade de escolha... Talvez, como no caso do bombeiro e do ex-presidiário, as escolhas complexas, morais, dependam de uma análise cuidadosa do inconsciente, que pode estar conectado permanentemente a uma "entidade" que governa o cérebro e seus processos... Nesse caso, o cérebro nada mais seria do que uma ferramenta nas mãos de um operário consciente, e pensamentos nada mais seriam do que as ordens dadas por tal operário... Mas, será que temos condições de compreender esse operário que se esconde da ciência, enfurnado em nosso inconsciente?

À seguir, o que a sabedoria milenar do oriente, a parapsicologia e as teorias espiritualistas tem a dizer sobre o assunto...

***

Bibliografia recomendada: "O tecido do cosmo" de Brian Greene (ed. Cia das Letras); "O que acontece quando morremos" de Sam Parnia (ed. Larousse). Este vídeo também explica muito bem o experimento de dupla fenda da mecânica quântica (dualidade onda/partícula).

Crédito da foto: Jaume Fernandez

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16.4.09

Reflexões sobre a consciência, parte 1

Consciência: é uma qualidade da mente, considerando abranger qualificações tais como subjetividade, auto-consciência, sentiência, sapiência, e a capacidade de perceber a relação entre si e um ambiente.

Meio segundo depois

Consciência é algo que todos acreditam possuir, mas explicar com exatidão o que ela significa é um desafio que os pensadores encaram há muito tempo. Os pesquisadores modernos já se valem dos avanços da ciência e da filosofia, como o eletroencefalograma (EEG) - que capta sinais elétricos que fluem entre células do cérebro de forma não-invasiva e não-indolor, ou a noção Lockeana de que a consciência é "a percepção do que se passa na mente de um homem" - ou seja, antes de mais nada, um processo que não atua sozinho, mas depende do todo, incluindo memórias e estímulos sensoriais... No entanto tais pesquisadores ainda não chegaram na ponta do iceberg do chamado "problema difícil": como o cérebro produz a experiência de ser consciente?

Não temos a pretensão de encontrar uma resposta final a tal pergunta num futuro muito próximo (ou mesmo distante), mas podemos começar com uma reflexão de razoável bom senso acerca do "processo de se estar consciente": a todo segundo (de fato, a todo milésimo de segundo ou bem menos do que isso) somos bombardeados por ondas de partículas, são elas que nos trazem toda a informação que dispomos para analisar em nosso cérebro. Algumas não podem ser percebidas senão por intrumentos avançados, e serão inúteis para essa análise (ex: neutrinos - embora sejamos bombardeados por eles a todo instante)... Outras no entanto são essenciais para nossa experiência sensorial, sejam os fótons (luz) que nos permitem ver o mundo, ou a repulsão eletrostática (dos elétrons) que nos permite "tocar" em algo "sólido" e sentir alguma pressão nos dedos (ou em qualquer parte do corpo onde nossas terminações nervosas cheguem). Ao que tudo indica, nosso cérebro recebe a todo instante muito, mas muito mais informação, do que conseguimos perceber de forma consciente.

Em um de seus livros, o neurologista e pesquisador de casos extremos, Oliver Sacks, nos conta a história de um cego de nascença que através de uma cirurgia de catarata pôde enxergar (ou seja - deixar de ser cego) após já adulto, o que é algo extremamente raro mesmo nos dias atuais... Interessante que o homem vai a um zoológico e, observando um Elefante, não consegue "juntar suas partes". Ele vê uma tromba, uma enorme pata, uma orelha se movendo, e é incapaz de fundir todas essas informações visuais de forma a compreender aquilo tudo como uma única criatura... Somente após apalpar a miniatura de um Elefante é que o homem "começa" a compreender a forma visual de um Elefante, à distância, em perspectiva, se movendo pelo espaço e não apenas pelo tempo (quando somos cegos "enxergamos" as coisas de forma cronológica e não espacial). Resumindo, Sacks nos diz que levamos em torno de 15 anos para "aprender a enxergar como um adulto", e que não basta os olhos enviarem as informações trazidas pelos fótons ao cérebro - o cérebro precisa aprender a processar essas informações de forma a gerar uma resposta coerente a nossa consciência, e isso leva um baita tempo de acordo com Sacks.

Já outro neurologista, Benjamin Libet, ajudou a ciência a chegar ao entendimento de que: (1) a consciência envole uma pequena parcela da atividade cerebral; (2) a consciência parece perceber apenas um percentual mínimo de toda a informação que chega ao cérebro por vias sensoriais; (3) o cérebro despende de um enorme esforço para "gerar o processo consciente" pois une os estímulos sensoriais do mundo externo para produzir um modelo coerente de realidade. Para chegar a tais conclusões ele antes estimulou de forma bem fraca o cérebro de pacientes, e percebeu que os estímulos geravam "resposta" no cérebro, mas essa "resposta" não passava pela consciência - ou seja, eles não percebiam de forma alguma que estavam sendo estimulados. Ou, pode-se dizer, percebiam de forma inconsciente.

O mais incrível, entretanto, é que descobriu-se que estímulos não-reflexivos, ou que dependiam de algum tipo de "resposta do inconsciente", só "apareciam" para a consciência meio segundo depois... Isso mesmo, como se tudo o que escolhessemos fazer, desde mover um dedo a atravessar a rua no sinal correto, ocorresse 0,5s depois dos impulsos nervosos correspondentes bailarem pelo cérebro. Ou melhor, "como se fosse assim" não é a premissa ideal, pois hoje sabemos que sim, é assim. Interessante que estímulos reflexivos, como proteger os olhos com as mãos quando algum objeto é arremessado em sua direção, não passam pela consciência, e exatamente porisso operam em "tempo real", sem o meio segundo de atraso... talvez por não dependerem de resposta inconsciente alguma. E, de fato, nós não podemos "escolher" proteger os olhos, nosso reflexo é incondicional - somos obrigados a proteger-los.

Segundo o psicólogo Bernard Baars, os processos conscientes são aqueles que estão na "luz dos refletores" da atenção mental, enquanto os demais permanecem fora dos holofotes, guardados na memória para acesso imediato. Enquanto isso, os processos incoscientes trabalham nos bastidores - mas também integram a audiência mental e portanto respondem ao que está sob os refletores. Essa metáfora de um "teatro mental" na verdade é uma teoria analisada com seriedade pela ciência atual: a teoria do espaço global de trabalho.

Mas e qual a vantagem evolucionária de se gastar tanta energia no processo da consciência? Uma possível explicação está na noção de que a consciência é um meio de criar um modelo mental de realidade. Qualquer organismo possuidor de tal modelo pode fazer mais do que apenas reagir aos estímulos e rezar para que a resposta seja rápida o bastante para escapar dos predadores. Isso, por sua vez, sugere que indagar se um organismo é consciente pode não ser uma boa pergunta. A consciência pode apresentar gradações. Um inseto, por exemplo, apresentaria um modelo marcadamente menos sofisticado da realidade do que um humano.

Um inseto pode precisar recorrer a respostas inconscientes somente em raras ocasiões. Na imensa maioria delas pode operar de modo reflexivo, quando nenhuma escolha além da escolha de se preservar a vida se faz necessária... Em seres que pensam, que sentem emoções como o amor e o ódio, ou que foram suficientemente perspicazes para cunhar o termo "moral", talvez as escolhas sejam mais complexas, menos autômatas e mais indeterminadas - mas será que mesmo nesses casos o ser é livre para escolher a forma de agir?

Isso nós discutiremos à seguir, quando falo do livre-arbítrio, uma questão fundamental de nossa existência...

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Bibliografia recomendada: "Um antropólogo em marte" de Oliver Sacks (ed. Cia das Letras); "25 Grandes Idéias - como a ciência está transformando nosso mundo" de Robert Matthews (ed. Zahar).

Crédito da foto: Louie Psihoyos/Corbis

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15.4.09

Eu sonhei um sonho

Você não precisa entender nada do que é dito nesse vídeo
Existem coisas que são transmitidas por meras palavras
E coisas maiores - intransmissíveis - senão pela empatia
De quem vive, de quem sente, de quem canta, de quem sonha, de quem ama...
(como o que ocorre no segundo 1:58 abaixo)

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Agora também disponível com legendas, caso prefiram (mas a idéia do post era exatamente de compreender independentemente das palavras):

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