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28.3.13

Lançamento: Assim falou Zaratustra

O segundo lançamento das Edições Textos para Reflexão é uma das obras-primas de Friedrich Nietzsche: Assim falou Zaratustra.

A tradução já secular de Araújo Pereira, revisada por José Mendes de Souza em 1936 e por Frater Sinésio em 2013, foi editada e comentada, aqui e ali, por Rafael Arrais, e lançada agora como um livro digital para o Amazon Kindle (e também para o Kobo):

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Abaixo, segue um trecho do prefácio do livro:

Zaratustra: o bem e o mal

Durante 10 anos, segundo narrativas que chegaram a nós, Zaratustra viveu quase sempre isolado, habitando no alto de uma montanha, em cavernas sagradas. Não ingeria nenhum alimento de origem animal. Em outros relatos, teria ido ao deserto, onde fora tentado por uma entidade maligna. Após anos de solidão completa, regressou ao seu povo com as boas novas...

Assim começou a sua missão. Segundo os masdeístas, ele encontrou muita dificuldade para converter as pessoas à sua nova religião. Em dez anos de pregação teve somente um crente: o seu primo. Durante este período, o chamado de Zaratustra foi como uma voz no deserto. Ninguém o escutava. Ninguém o entendia.

Nietzsche foi buscar no zoroastrismo, religião ancestral da Pérsia (atual Irã), o personagem para expor suas próprias ideias. O que parece ter atraído ao filósofo alemão é o dualismo cósmico da doutrina de Zaratustra (ou Zaroastro, daí o termo “zoroastrismo”). Cabe notar, no entanto, que a guerra semieterna entre o “Deus Bom” e o “Deus Mau” era, numa análise mitológica mais aprofundada (a qual Nietzsche certamente estava a par), uma analogia para a batalha moral que se dá antes dentro da alma humana do que fora dela.

A grande questão não era, portanto, termos medo de um Demônio externo – entidade que serviu e ainda serve para evocar o medo nos seguidores de dogmas. A questão era reconhecermos nossos próprios monstros internos, e apaziguá-los, dominá-los, nos tornando timoneiros de nossa própria embarcação.

Nietzsche foi muito mal interpretado ao longo dos anos, e por isso cabe lermos esta obra (para muitos, sua obra-prima) tendo em mente que o “Deus” ao qual ele anuncia a morte é, sobretudo, o “deus das barganhas”, que guia ovelhas com maior pavor dos “infernos” do que propriamente uma vontade genuína de se espiritualizar. Da mesma forma, o “Super-homem” não é um “homem de espécie superior” num sentido de “raça humana superior” (que a ciência já comprovou que sequer existe, ou seja: que todos somos homo sapiens desde seu surgimento na África), mas sim num sentido de “homem que supera a si mesmo, que vai além das suas capacidades atuais, que cria o novo”.

Tomei o cuidado (espero que me perdoem) de relembrar estes conceitos assim que aparecem ao longo do livro, com pequenas notas. Noutros casos, inseri notas mais pitorescas, como a que explica que “a péla dourada” nada mais é que uma bola do jogo de péla, espécie de ancestral do jogo de tênis (o esporte), e que teve o seu auge no século em que nasceu Nietzsche.

De resto, escutemos ao que falou Zaratustra...


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26.3.13

Além do bem e do mal há uma trilha

Há muitas dúvidas acerca do que deva ser o "bem" e o "mal". Elas começaram muito antes de Nietzsche... Mas nesta atualidade acinzentada, são sem dúvida questões pertinentes; o bigodudo apenas antecipou toda esta angústia existencial.

Se é que posso pensar em poucos caracteres, penso que o "mal" seja a ignorância de um "bem" ainda desconhecido... Do contrário, veríamos seres "evoluindo no mal": mestres do mal, cada vez mais maus e poderosos, cheios de si... Mas, tudo isto é patético, um caminho circular que passeia em torno de um charco de estagnação.

Até onde "evoluiu" Hitler, este "mestre do mal", que quando perdeu a guerra, suicidou-se como um bebê mimado? Onde está o seu "poder" se nem sequer suporta ser contrariado?

Então sabemos que o "mal" é apenas a desistência de caçar ao "bem", pois a ave do "bem" é fugidia e um tanto quanto etérea... O que pensávamos que tínhamos visto, não enxergamos. O que pensávamos que sabíamos, não compreendemos.

Achávamos que o "bem" não era caminho algum, mas eis que após um pequeno trecho de mata fechada, surgiu todo um Infinito a frente, um horizonte que não se sabe até onde alcança, mas que é mais convidativo do que tudo quanto já vimos e conhecemos neste Reino.

Uma trilha que dá noutro Reino.

"Mas será mesmo outro Reino, ou ainda parte deste?" – Não sei. Não confiem em mim se um dia tentar lhes dizer o que seja, afinal, o "bem"; nem em qualquer outro que tente (principalmente aqueles que escrevem em tábuas santas)...

O que há para ser dito, não pode ser dito. Está além da linguagem, e não importa quantos caracteres disponhamos.

Toda a Wikipedia seria insuficiente para lhes explicar sequer a cor da tardinha nesta trilha.

É preciso seguir em silêncio, e dançando... Nem os poetas saberiam explicar isto que eu também não explico – teriam, antes, que aprender a dançar!


raph

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Crédito da foto: raph

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24.3.13

Vidas e vidas

Passando pela esquina
Da vida
Deparei-me contigo subitamente –
Alma lamparina

Conversando aqui neste café
Da vida
Me apercebi de quem realmente é –
Apenas uma menina

“Eu me lembro de você”
Não de ontem ou de semana passada,
Mas de vidas e vidas –
Ó alma amada

E se choro,
Choro pela beleza
E pela tristeza
De saber que vidas vêm e vão...
Iguais jamais serão!

“Estarei sonhando acordado?”
Você me diz que não:
“Amar e perder
É melhor que não viver –
Que nunca haver
Sequer amado”


raph’13

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Crédito da imagem: Mike Chick/Corbis

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22.3.13

Conversa Alheia: A revolução na Islândia

Com vocês, a "segunda temporada" do Conversa Alheia, onde alguns blogueiros e livres-pensadores falam sobre o que quer que lhes venha a mente...

Raph fala sobre a "revolução silenciosa" da Islândia.

Citado neste trecho:
A revolução em curso na Islândia

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No episódio de reestreia, Raph Arrais, Igor Teo, Dani Roses e Josinei Lopes discutem sobre o "imperialismo norte-americano", os problemas da Igreja Católica e a adoção entre casais homossexuais.

Citado no programa:
Sobre Hugo Chávez
3 chimpanzés (sobre os bonobos)

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» Ouça aos demais episódios no canal do Conversa Alheia no YouTube

» Para baixar os vídeos do YouTube, você pode usar o complemento Ant Video Downloader (para Firefox)


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21.3.13

Campos de informação

Eis um vídeo magnífico. Contemple isto por 4 minutos, e a Natureza certamente lhe parecerá ainda mais misteriosa do que antes:

Nesta bela revoada de pássaros em sincronia, podemos ver o que acontece quando um grupo consideravelmente grande de animais se movem de forma tão organizada, que chegam a se comportar como um só corpo. Isto evidencia que deve haver algo que faz a conexão e a unificação de todos os animais do grupo, de forma a que cada um deles se sincronize de acordo com o restante. Todos os pássaros são "governados" de tal forma que a velocidade e a direção em que voam são tão sincronizadas que nenhum deles se choca ou se perde do grupo. Isto só pode ser explicado por algum tipo de "consciência coletiva" do grupo, que é capaz de influenciar a todos, simultaneamente, e de forma unificada.

Segundo o biólogo britânico Rupert Sheldrake, esta sincronia pode ser explicada através dos campos mórficos ou morfogenéticos, espécies de campos hipotéticos de informação, que preenchem o universo de forma análoga ao badalado campo de Higgs (formado pelos bósons de Higgs, as "partículas de Deus", que conferem massa as demais partículas, de acordo com o Modelo Padrão). Sheldrake também os compara aos campos eletromagnéticos. Vejamos um breve resumo desta teoria:

Átomos, moléculas, cristais, organelas, células, tecidos, órgãos, organismos, sociedades, ecossistemas, sistemas planetários, sistemas solares, galáxias: cada uma dessas entidades estaria associada a um campo mórfico específico. São eles que fazem com que um sistema seja um sistema, isto é, uma totalidade articulada e não um mero ajuntamento de partes.

Sua atuação é semelhante à dos campos eletromagnéticos. Quando colocamos uma folha de papel sobre um ímã e espalhamos pó de ferro em cima dela, os grânulos metálicos distribuem-se ao longo de linhas geometricamente precisas. Isso acontece porque o campo magnético do ímã afeta toda a região à sua volta. Não podemos percebê-lo diretamente, mas somos capazes de detectar sua presença por meio do efeito que ele produz, direcionando as partículas de ferro. De modo parecido, os campos mórficos distribuem-se imperceptivelmente pelo espaço-tempo, conectando todos os sistemas individuais que a eles estão associados.

A analogia termina aqui, porém. Porque, ao contrário dos campos físicos, os campos mórficos de Sheldrake não envolvem transmissão de energia. Por isso, sua intensidade não decai com o quadrado da distância, como ocorre, por exemplo, com os campos gravitacional e eletromagnético. O que se transmite através deles é pura informação.

Neste trecho de um episódio da série "Grandes mistérios do universo", do Discovery Channel, Sheldrake fala mais sobre o assunto, e ainda postula que os campos mórficos podem ser a maneira pela qual exercemos o chamado "sexto sentido":

Veja também:

» Cardumes de peixes nadando em sincronia (vídeo)

» O pensamento analógico

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Crédito da foto: Michael Buholzer/Reuters

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20.3.13

De falos e orifícios

Os eclesiásticos parecem definitivamente ter dificuldades com a ideia de que nossos falos e orifícios precisam entrar uns nos outros; e, principalmente, que esta dança sexual possa, ao mesmo tempo em que gera vida, nos dar grande prazer.

Em algum canto da antiguidade, em alguma interpretação apressada de Platão, entendeu-se, sabe-se lá como ou porque, que “o sexo era sujo”. Isto, pois o corpo humano era precário, perecível, sempre sujeito a morte. Apenas a alma era “limpa”, imperecível, imortal, e deveria ser nossa grande preocupação mantê-la “tão pura quanto possível”, tão distante dos “prazeres carnais” quanto fosse necessário.

Hoje a virgindade de Maria, a mãe de Jesus, é um dogma da Igreja Católica Apostólica Romana. Isto não quer dizer que os primeiros cristãos tenham acreditado automaticamente que Maria “engravidou do Espírito Santo”, mas sim que a discussão já “se esvaziou” – Que nenhum teólogo deveria continuar perdendo seu tempo com ela.

Muitos não sabem, mas diversos dogmas do cristianismo foram exaustivamente discutidos e, dessa forma, elaborados nos primeiros séculos após a morte e ressurreição do Cristo (pois muitos não constam na bíblia, ao menos não numa descrição direta). Orígenes (nascido em 185), por exemplo, duvidava que Cristo fosse Deus, e também que “um Deus de amor e misericórdia pudesse permitir que um de seus filhos sofresse num inferno eterno”. Já Ário de Alexandria, pouco menos de um século depois, concordava com Orígenes quanto a distinção entre Cristo e Deus, além de simplesmente não compreender o que diabos era exatamente a tal “trindade perfeita”.

Somente em 325, no Concílio de Nicéia, as ideias de Ário (arianismo) e Orígenes foram consideradas heréticas, ou seja: “erradas”. O próprio Agostinho de Hipona, que nasceu décadas após o Concílio, estabeleceu as bases atuais do dogma do Pecado Original [1] – Somente muitos séculos, portanto, após Jesus haver pregado na Galileia. Agostinho foi admirador do neoplatonismo e do maniqueísmo, e embora não admitidamente (no caso do maniqueísmo), ambas as doutrinas, através dele, exerceram profunda influência sobre o cristianismo que se seguiu.

Ora, e se Mani (fundador do maniqueísmo) exerceu alguma influência em Agostinho, certamente esta influência até hoje é percebida no cristianismo. Mani considerava Zoroastro (profeta persa, fundador do zoroastrismo), Buda e Jesus “pais da Justiça”, e pretendia sistematizar suas mensagens individuais numa doutrina de “verdade completa”. E o que o cristianismo herdou de Mani, através de Agostinho, foi exatamente a ideia central do zoroastrismo: que existe uma guerra semieterna entre um “deus bom” e um “deus mau” [2].

O problema é que não termina aí: Mani calhou de chegar a conclusão de que a matéria era “intrinsecamente má”, e a alma, “pura e boa”. Ainda hoje acusam Platão por ter “inserido” esta ideia equivocada no cristianismo, mas mesmo esta concepção é apressada e superficial [3]: se houve culpa de alguém, além dos próprios cristãos da época, que se abstiveram de debater o assunto por mais tempo, esta culpa recaí mais decisivamente no inconsciente de Agostinho – em suas memórias da época em que seguia a doutrina de Mani e, principalmente, em seu vastamente documentado arrependimento da antiga vida boêmia (e sexual).

Estou aqui a condenar Agostinho? Claro que não. Este grande sábio da antiguidade deixou-nos inumeráveis passagens de grande teor filosófico [4]. Porém, na questão do Pecado Original, simplesmente lamento profundamente as conclusões a que chegou...

Afinal, se o ato de comer uma maçã proibida pode ser responsável pela condenação do sexo as trevas, pela eternidade, fica muito difícil saber onde a razão se escondeu nesta teoria. Poderia me estender aqui sobre o assunto de Adão, Eva e a Serpente, mas já falei sobre isso noutros artigos [5], e gostaria ainda de retornar ao problema dos falos e orifícios.

Ora, fica evidente que a Imaculada Conceição é um dogma que se esvaziou dos significados simbólicos dos mitos ainda mais antigos [6], e se revestiu de um supremo puritanismo que pretende “salvar” Maria do ato sexual – como se este fosse alguma coisa relacionada ao “deus mau” do maniqueísmo.

Mas Maria não precisa ser “salva” de nenhum Pecado Original. O sexo não é uma espécie de doença contagiosa, e ninguém se torna “impuro” por praticá-lo. O que nos torna impuros, o que realmente mancha nossas almas, é a ignorância, a intolerância, a falta de empatia, a brutalidade do pensamento ou, para resumir, o próprio “afastamento de Deus”.

Alguém já definiu o puritano como “aquele que se escandaliza ante o fato de que alguém, nalgum lugar, pode estar tendo prazer”. Muitas das vezes, os puritanos são sujeitos altamente sexuais, mas que se viram obrigados a varrer toda sua sexualidade para debaixo do tapete da consciência. Não fosse assim, como seria possível haver tantos eclesiásticos praticando os atos sexuais mais desajustados, quando defendem exatamente o oposto disto? É isto o que ocorre quando “fingimos eliminar nosso lado animal com dogmas e orações”. É este, afinal, o grande pecado: recusar-se a admitir que somos humanos, demasiadamente humanos.

Intrinsecamente, não há problema algum em darmos algumas aberturas para nosso lado animal. Não fosse por isto, pelo que Schopenhauer chamou de “a força da vida” (antecipando em muitas décadas os psicólogos evolutivos), sequer estaríamos aqui para contar a história da espécie. E o sexo, de todo tipo – heterossexual, homossexual, bissexual –, é perfeitamente natural, se encontra na Natureza (e, se vocês tem alguma dúvida, pesquisem por “bonobos” no Google [7]).

Aliás, é melhor, muito melhor, darmos alguma abertura a fera sexual que nos habita, ainda que de vez em quando, do que fingir que ela não está lá, ou pior, acreditar que ela pode ser afastada com orações repetidas da boca para fora, que não passaram pela profundidade da alma.

Pois todo aquele que conhece a alma sabe que, de fato, o sexo é bom, e tem sido bom a incontáveis vidas... Mas sabe também que há algo ainda melhor, uma espécie de gnose deste mistério, um entreolhar da “força da vida”, que anseia por si mesma, mais e mais. Um fogo que arde sem se ver, e que não se apaga nunca, mas pelo contrário: queima cada vez mais alto e forte.

Que há muitos ignorantes que condenaram o sexo as trevas, mas que ao puni-lo com violência e intolerância, praticam pecados no mínimo muito piores do que qualquer promiscuidade envolvida no ato sexual...

Mas aqueles que se largaram no fogo da alma, e queimaram seu antigo corpo, sua antiga ignorância, renasceram junto ao Cristo, e desvendaram enfim o que Zoroastro quis dizer:

Não é o sexo que é mau. Não é o corpo que é mau. Não é a matéria que é má. A maldade reside na alma, e nos olhos, de quem vê... E que é a maldade, senão a suprema ignorância da Natureza?

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[1] Um contemporâneo de Agostinho, monge ascético (e que jamais foi boêmio), chamado Pelágio, combateu veementemente o dogma do Pecado Original, mas foi considerado herege pelo bispo de Roma.

[2] Isto é, claro, segundo uma concepção altamente superficial do zoroastrismo. Infelizmente, no entanto, ainda que inconscientemente, Agostinho foi influenciado por tal pensamento, e ele se encontra até hoje no cristianismo (basta ter olhos para ver).

[3] Ver O mito da caverna comentado.

[4] Foi, por exemplo, o primeiro a analisar o aspecto psicológico do tempo de forma aprofundada (ao menos, no Ocidente).

[5] Ver Serpentes.

[6] Os mitos sobre filhos gerados por mulheres virgens são numerosos, constituindo uma ideia corrente já muito antes do cristianismo. Mesmo no Oriente, 2 mil ou 3 mil anos antes de Cristo, entidades mitológicas e fundadores de religiões eram considerados “filhos de mães virgens e puras”. Esta virgindade, no entanto, não necessariamente vinha associada de uma “condenação ao ato sexual”. Era, muitas vezes, apenas uma metáfora para “uma divindade que gerou a si mesma”.

[7] Ver 3 chimpanzés.

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Crédito da foto: Wikimedia Commons (Templo de Lakshana, Índia)

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19.3.13

Não temos teologia...

Texto de Bill Moyers em "O Poder do Mito” (Ed. Palas Athena) – trechos da introdução do livro. Tradução de Carlos Felipe Moisés. As notas ao final são minhas.

Um jornalista, é o que se diz, goza do privilégio de se educar em público; somos os felizardos a quem se permite gastar o tempo num contínuo curso de educação para adultos. Ninguém me ensinou mais que Joseph Campbell [1], e quando eu lhe disse que ele deveria assumir a responsabilidade pelo que adviesse de me haver adotado como aluno, ele riu e citou a velha sabedoria romana: “Os fados guiam àquele que assim o deseje; aquele que não o deseja, eles arrastam” [2].

Ele ensinou, como o fazem os grandes professores, pelo exemplo. Não era seu hábito tentar convencer ninguém do que fosse (exceto uma vez, quando persuadiu Jean a se casar com ele). Pregadores se equivocam, ele me disse, quando tentam “persuadir pessoas à fé; fariam melhor se revelassem a radiância de sua própria descoberta”. [...] Assim fez Campbell. Era impossível escutá-lo – ouvi-lo de verdade – sem experimentar, na própria consciência, um emocionante frescor de vida, o crescimento da própria imaginação.

Ele concordava em que a “ideia-guia” do seu trabalho era procurar “o caráter comum dos temas nos mitos do mundo, visando à constante exigência, na psique humana, de uma centralização em termos de princípios profundos”. “Você se refere à busca do sentido da vida?”, perguntei. “Não, não, não”, ele disse. “À experiência de estar vivo.”

Eu tinha dito que a mitologia é um mapa interior da experiência, traçado por alguém que empreendeu a viagem. Creio que ele não endossaria a prosaica definição do jornalista. Para ele, mitologia era “a canção do universo”, “a música das esferas” – música que nós dançamos mesmo quando não somos capazes de reconhecer a melodia. Ouvimos seus refrões, “quer quando escutamos, com altivo enfado, a ladainha ritual de algum curandeiro do Congo, quer quando lemos, com refinado enlevo, traduções de poemas de Lao Tsé, ou rompemos a casca de um argumento de S. Tomás de Aquino, ou apreendemos, num relance, o sentido radiante ou bizarro de uma lenda esquimó”.

Ele imaginou que esse imenso e cacofônico coral começou quando nossos primeiros ancestrais contaram histórias uns aos outros, a respeito dos animais, que eles matavam para comer, e a respeito do mundo sobrenatural, para onde os animais pareciam ir quando morriam. “Lá fora, em alguma parte”, para além do plano visível da existência, estava o “senhor dos animais”, que exercia sobre os seres humanos o poder de vida ou morte: se ele deixasse de mandar de volta as feras, para serem novamente sacrificadas, os caçadores e sua prole morreriam de inanição. Por isso as sociedades primitivas aprenderam que “a essência da vida subsiste graças ao matar e comer; esse é o grande mistério que os mitos têm que enfrentar”. A caça tornou-se um ritual de sacrifício, e os caçadores encenavam atos de expiação diante dos espíritos dos animais que partiam, esperando coagi-los a retornar, para serem sacrificados de novo. As feras eram vistas como enviados do outro mundo, e Campbell admitiu “um mágico, maravilhoso acordo” gestando-se entre o caçador e a caça, como se eles estivessem aprisionados num círculo “místico, atemporal”, de morte, sepultamento e ressurreição. Sua arte – pinturas nas paredes das cavernas – e sua literatura oral deram forma ao impulso que passou a se chamar religião [3].

Quando esses indivíduos primitivos passaram da caça ao plantio, as histórias que contavam para explicar os mistérios da vida mudaram, também. Então, a semente se tornou o símbolo mágico do ciclo infinito. A planta morria, era enterrada e sua semente renascia. Campbell mostrou-se fascinado pelo fato de esse símbolo ter sido incorporado pelas grandes religiões do mundo, como a revelação da verdade eterna a vida provém da morte, ou, como ele dizia: “A bem-aventurança provém do sacrifício” [4]. “Jesus tinha o olho”, ele dizia. “Que magnificente realidade ele viu no grão de mostarda!”

Ele citaria as palavras de Jesus, do Evangelho de São João: “Em verdade, em verdade vos digo, a menos que caia na terra e morra, o grão de trigo ficará inerte e abandonado; mas, se morrer, dará muitos frutos”. E logo em seguida citaria o Alcorão: “Você pensa que entrará no Jardim da Bem-Aventurança sem as provações que afligiram aqueles que entraram antes de você?”. Ele vagou por toda essa vasta literatura do espírito, inclusive traduzindo escrituras hindus, do sânscrito, e continuou a coligir histórias mais recentes, que adicionou à sabedoria dos antigos. Uma história particularmente apreciada por ele falava de uma mulher aflita que se dirigiu ao santo e sábio hindu Ramakrishna, dizendo: “Ó, Mestre, não sei se amo a Deus”. E ele perguntou: “Não há nada, então, que você ame?”. Ela aí respondeu: “Meu pequeno sobrinho”. E ele lhe disse: “Eis aí seu amor e dedicação a Deus, no seu amor e dedicação a essa criança”.

“E aí está”, disse Campbell, “a suprema mensagem da religião: 'Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes' [Mateus 25,40].”

Homem espiritual, ele encontrou na literatura da fé os princípios comuns ao espírito humano. Mas esses princípios têm de ser libertados dos liames tribais, caso contrário as religiões do mundo continuarão a ser como no Oriente Médio e na Irlanda do Norte [5], hoje – uma fonte de desdém e agressão. As imagens de Deus são muitas, ele dizia, chamando-as “máscaras da eternidade”, que ao mesmo tempo escondem e revelam “a Face da Glória”.

Ele desejou saber o que significa o fato de Deus assumir tão diferentes máscaras em diferentes culturas, apesar de histórias semelhantes serem encontradas em tradições divergentes – histórias da criação, nascimentos virginais, encarnações, morte e ressurreição, segundos retornos, dias do julgamento. Ele apreciava a perspicácia das escrituras hindus: “A verdade é uma; os sábios a chamam por diferentes nomes”. Todos os nossos nomes e imagens de Deus são máscaras, ele dizia, referindo-se à suprema realidade que, por definição, transcende a linguagem e a arte. Um mito é uma máscara de Deus, também – uma metáfora daquilo que repousa por trás do mundo visível. Não obstante as divergências, ele dizia, as religiões todas estão de acordo em solicitar de nós o mais profundo empenho no próprio ato de viver, em si mesmo. O pecado imperdoável, no livro de Campbell, é o pecado da inadvertência, de não estar alerta, de não estar inteiramente desperto.
 
Nunca encontrei alguém que soubesse contar melhor uma história. Escutando-o falar de sociedades primitivas, fui transportado às largas planuras sob a imensa cúpula do céu aberto, ou à espessa floresta, sob o pálio das árvores, e comecei a entender como as vozes dos deuses falavam através do vento e do trovão, e como o espírito de Deus flutuava em todo riacho da montanha, e toda a terra florescia como um lugar sagrado – o reino da imaginação mítica. E perguntei: Agora que nós, modernos, limpamos a terra de todo mistério – agora que fizemos, segundo a descrição de Saul Bellow, “uma faxina na crença” –, qual será o alimento de nossa imaginação? Hollywood e os enlatados para TV?

Campbell não era pessimista. Ele acreditava que existe um “nível de sabedoria, para além dos conflitos entre ilusão e verdade, através do qual as vidas podem voltar a ser irmanadas”. Encontrar esse nível é a “questão primordial desta época”. Nos seus últimos anos, ele buscava uma nova síntese entre ciência e espírito.  “A mudança de uma visão geocêntrica para uma visão heliocêntrica do mundo”, escreveu ele, depois que os astronautas chegaram à Lua, “parece ter removido o homem do centro e o centro parece tão importante. Espiritualmente, porém, o centro está onde está o olhar. Poste-se numa elevação e contemple o horizonte. Poste-se na Lua e contemple a Terra inteira se erguendo – ainda que através da televisão, na sua sala de visita.” O resultado é uma insuspeitada expansão do horizonte, que poderia servir, em nossa época, como as antigas mitologias serviram, no passado, para abrir as portas da percepção “para o prodígio, ao mesmo tempo terrível e fascinante, de nós mesmos e do universo”.

Para ele, não foi a ciência que diminuiu os seres humanos ou nos divorciou da divindade. Ao contrário, as novas descobertas da ciência “nos reúnem aos antigos”, por nos tornarem capazes de reconhecer, no todo do universo, “um reflexo ampliado de nossa própria e mais íntima natureza; assim, somos de fato seus ouvidos, seus olhos, seu pensamento e sua fala – ou, em termos teológicos, os ouvidos de Deus, os olhos de Deus, o pensamento de Deus, a Palavra de Deus”. A última vez que o vi, perguntei-lhe se ele ainda acreditava – como tinha escrito uma vez – “que estamos participando, neste momento, de um dos grandes saltos do espírito humano para o conhecimento, não só da natureza exterior, mas também do nosso próprio e profundo mistério interior”.

Ele pensou um pouco e respondeu: “O maior salto que já houve”.

Quando soube de sua morte, demorei-me um pouco folheando o exemplar de The Hero with a Thousand Faces [6] que ele havia me oferecido. E pensei no tempo em que fizera minha descoberta do mundo do herói mítico. Vagueava pela pequena biblioteca pública da cidade onde cresci e, procurando ao acaso nas estantes, apanhei um livro que descortinou maravilhas para mim: Prometeu roubando o fogo dos deuses em benefício da raça humana; Jasão enfrentando o dragão para conquistar o Velocino de Ouro; os cavaleiros da Távola Redonda procurando o Santo Graal. Mas enquanto não cruzei com Joseph Campbell não fui capaz de compreender que os westerns a que eu assistia nas matinês de sábado tomavam muito de empréstimo, livremente, a esses contos antigos. E que as histórias aprendidas na escola dominical correspondiam àquelas de outras culturas, que reconheciam a suprema aventura da alma, o esforço dos mortais para apreender a realidade de Deus. Ele me ajudou a ver as conexões, a compreender como as peças se juntam, e não apenas a temer menos, mas a dar as boas vindas ao que ele descreveu corno “um portentoso futuro multicultural”.

Ele foi criticado, é certo, por lidar com interpretações psicológicas do mito, por parecer confinar o papel contemporâneo do mito a uma função ou ideológica ou terapêutica. Não tenho competência para intervir nesse debate e deixo a outros a tarefa de fazê-lo. Ele nunca pareceu aborrecido pela controvérsia. Apenas continuou a ensinar, abrindo aos outros novos caminhos de visão.

Acima de tudo, foi da vida autêntica que ele viveu que nos instrui. Quando dizia que os mitos são chaves para a nossa mais profunda força espiritual, a força capaz de nos levar ao maravilhamento, à iluminação e até ao êxtase, ele se expressava como alguém que tinha estado nos lugares que convidava os outros a visitar.

O que me atraiu nele? Sabedoria, sem dúvida; ele era extremamente sábio. E aprendizagem; ele de fato “conhecia o vasto escopo de nosso passado panorâmico, como poucos homens jamais conheceram”. Mas havia mais.

Uma história é a maneira de contá-la. Ele era um homem de mil histórias. Eis uma de suas favoritas: No Japão, durante um congresso internacional sobre religião, Campbell entreouviu outro delegado norte-americano, um filósofo social de Nova Iorque, dizendo a um monge xintoísta: “Assistimos já a um bom número de suas cerimônias e vimos alguns dos seus santuários. Mas não chego a perceber a sua ideologia. Não chego a perceber a sua teologia”. O japonês fez uma pausa, mergulhando em profundo pensamento, e então balançou lentamente a cabeça.  “Penso que não temos ideologia”, disse.  “Não temos teologia. Nós dançamos.”

E assim fez Joseph Campbell – sob a música das esferas.

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[1] O Poder do Mito é, na realidade, a compilação de uma entrevista de Joseph Campbell (um dos maiores especialistas em mitologia do séc. XX) para o jornalista Bill Moyers, que gerou também uma série de vídeos já lendária. Esta introdução é escrita, portanto, pelo jornalista.

[2] Ver O cão e a carroça, onde Alain de Botton desenvolve esta ideia, dentro do estoicismo.

[3] Para mais sobre a arte rupestre e sua clara relação com as origens da religião, ver a série de artigos Xamãs ancestrais.

[4] Mas é preciso cuidado ao interpretar o significado de “sacrifício”.  Já que foi Jesus mesmo quem disse: “Quero amor, não sacrifício”. Um sacrifício no amor é aquele que sacrifica uma parte da vida, por outra parte que lhe é superior – ao menos, para quem se sacrifica. Por exemplo: quem pratica caridade nos finais de semana, sacrifica parte de seu “tempo de descanso” em troca de algo que vale muito mais do que ele. Neste caso, tempo não é dinheiro.

[5] Na Irlanda do Norte, ao menos, os conflitos entre católicos e protestantes parecem se encaminhar para a paz já há alguns anos (este texto é do final da década de 80).

[6] O herói de mil faces, publicado no Brasil pela Pensamento.

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Crédito da foto: O Poder do Mito/Divulgação (Bill Moyers e Joseph Campbell)

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18.3.13

Hangout Gnóstico: Mística Católica e o Novo Papa

Em minha segunda participação nos hangouts semanais de Giordano Cimadon (coordenador da Sociedade Gnóstica Internacional), a conversa gira em torno de um evento bastante recente: a eleição do Papa Francisco e os rumos da Igreja Católica Apostólica Romana. O convidado especial (Marco Antônio Marcon), entretanto, como estudante de teologia e católico, nos traz também um amplo espectro do lado mais profundo e místico da religiosidade católica-cristã.

Me causou especial admiração o fato de ter partido do próprio convidado a menção aos problemas do Instituto de Obras Religiosas (IOR), o "banco" do Vaticano. Assunto que eu mesmo evitei mencionar e que ele abordou de forma até mais contundente e direta do que eu imaginei fazer...

Para os que acham 2h10m um tempo muito longo de hangout, devo dizer que a partir de aproximadamente 01:18:00 o assunto recaí sobre as profecias de fim dos tempos, e vai nele até o final. Portanto, para quem não se interessa por profecias, pode terminar ali. E para quem se interessa somente por profecias, pode iniciar dali:

Obs(1): ao longo do vídeo, eu chego a citar que São Francisco de Assis era "quase um sufi", mas não houve tempo de explicar o que queria dizer. Vocês encontrarão mais informações sobre isso neste artigo do blog Saindo da Matrix (ver o trecho intitulado "No Oriente").

Obs(2): o artigo sobre "religião, mitos e super-heróis", que cito rapidamente no vídeo, é este: Xamãs, Heróis e Dragões

Crédito da foto: Time

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15.3.13

O silfo no céu

A página da HypeScience no Facebook postou esta foto ao lado e pediu aos seus seguidores para explicá-la...

Como é uma página que exalta a ciência, era de se esperar que muitas respostas fossem no sentido de descrever as propriedades físicas de uma nuvem, da atmosfera, etc. Mas infelizmente há muitos que preferem antes demonstrar seu preconceito (repare que em nenhum momento a HypeScience sugeriu que se tratasse de uma imagem de algum ser "sobrenatural"):

"Eita misticismo, é só uma nuvem!"

"Acabei de fundar uma igreja; vocês devem vir pra esta igreja antes que o mundo acabe"

"Achei que tu fosse ateu HypeScience"

"'Um anjo', 'parece um anjo', blá blá blá... Alguém aí já viu um suposto anjo pra saber como seriam?"

"Os 'crentelhos' vão amar esta nuvem"


Enfim, como podemos ver, há muitos que sequer passaram dois segundos analisando e contemplando a imagem, pois estavam mais preocupados com o que os outros iriam pensar dela. Gente que vive fora de si, como "policiais" da crença alheia...

***

Felizmente, porém ainda existem alguns lúcidos ou, pelo menos, que se preocupam mais com sua própria experiência do mundo:

"Há coisas maravilhosas nos céus. Essa é uma delas. Não importa que seja apenas gases, é sugestiva a imagem"

***

Bem, e isto foi o que eu respondi:

"Conjunto de diminutas partículas de gelo ou água flutuando pela atmosfera, refletindo fótons, que foram capturados, então convertidos em pixels, e que, na mente subjetiva do ser humano, formam as mais belas imagens..."


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Lançamento: Navegar é preciso

Inauguramos as Edições Textos para Reflexão com uma seleção dos textos místicos de Fernando Pessoa: Navegar é preciso.

Para organizar e editar este livro digital, percorremos livros conhecidos e desconhecidos, desde a poesia de Alberto Caeiro e Ricardo Reis ao desassossego de Bernardo Soares, e até as peças teatrais e outros contos e textos mais ocultos. Alguns dos textos do livro jamais foram publicados no Brasil (nem no formato impresso nem em eBooks).

O nosso objetivo é somente divulgar grandes autores do passado com a edição e formatação digital adequadas, sem no entanto cobrar um valor fora da realidade por este trabalho (e, sim, cansamos de ver isto por aí)...

Comprar eBook (Kindle) Comprar eBook (Google Play) Comprar livro (Clube de Autores)

***

Abaixo, segue um trecho do epílogo do livro:

Na introdução lhes disse que gostaria de crer que a maioria de vocês já tinha ideia de quem foi Fernando Pessoa. Pois bem: eu estava sendo irônico – nem eu sei quem foi Fernando Pessoa, nem os acadêmicos, nem os poetas, e provavelmente nem ele mesmo soube. Pessoa escreveu sobre a alma humana, este é todo o seu misticismo; e conforme tantos outros poetas da alma, para saber realmente quem foram, quem são, teríamos antes de saber quem somos, em nossa essência mais profunda, inefável, transcendente... Teríamos, como os Rumi, as Teresa D’Ávila, os Tagore, os Gibran e os Pessoa, de haver conhecido a Alma face a face.

A Rua dos Douradores não existe em Portugal nem em canto algum, mas existe sempre. Tudo o que foi imaginado existe. E tudo o que foi imaginado no Reino da Alma existe eternamente, existe sempre. Isto que estou a falar não pode ser falado – isto é mitologia pura.

Há aquele elogio que Schiller fez aos deuses gregos, que citarei aqui:

Naqueles dias do belo acordar das forças espirituais, os sentidos e o espírito não tinham, com rigor, domínios separados. [...] Por mais alto que a razão subisse, arrastava sempre consigo, amorosa, a matéria, e por finas e nítidas que fossem as suas distinções, nada ela mutilava. Embora decompusesse a natureza humana para projetá-la, aumentada em suas partes, no maravilhoso círculo dos deuses, não o fazia rasgando-a em pedaços, mas sim compondo-a de maneiras diversas, já que em deus algum faltava a humanidade inteira. Quão outra é a situação entre nós mais novos. [...] Eternamente acorrentado a uma pequena partícula do todo, o homem só pode formar-se enquanto partícula”.

Cartas sobre a educação estética da humanidade (trecho da carta VI), Friedrich Schiller

Ora, também na mitologia pessoana, em nenhum de seus heterônimos ou semi-heterônimos faltava a humanidade inteira. O que Pessoa conseguiu foi, na medida do possível, olhar o mundo com o olhar do outro, sentir como o outro, imaginar como o outro. Isto só se consegue com muita empatia, mas nem sempre nos leva para caminhos agradáveis...

Bernardo Soares, o ajudante de guarda-livros de Lisboa, é o personagem que dá conta da descrição da maior parte deste desassossego de ser muitos ao mesmo tempo em que se sabe que se é um só:

“O meu semi-heterônimo Bernardo Soares [...] aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades do raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio. É um semi-heterônimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afetividade.”

Carta ao casal Monteiro (trechos), Fernando Pessoa

A essência de todo desassossego humano é sentir-se mero fantoche de vontades alheias, sem haver encontrado a sua própria. É viver-se como “cadáver adiado”, como sombra de paisagens de sonhos esquecidos, como animal sonolento, ou nem mesmo como isso...

Neste sentido, o guarda-livros traz em si um pouco de todos nós, um pouco de toda a depressão da humanidade. Mas é preciso atenção para a mensagem oculta que Pessoa estava a querer passar (não se sabe se conscientemente ou não):

“Pesa-me, realmente me pesa, como uma condenação a conhecer, esta noção repentina da minha individualidade verdadeira, dessa que andou sempre viajando sonolentamente entre o que sente e o que vê.
É tão difícil descrever o que se sente quando se sente que realmente se existe, e que a alma é uma entidade real, que não sei quais são as palavras humanas que possa defini-lo. Não sei se estou com febre, como sinto, se deixei de ter a febre de ser dormidor da vida. Sim, repito, sou como um viajante que de repente se encontre numa vila estranha, sem saber como ali chegou; e ocorrem-me esses casos dos que perdem a memória, e são outros durante muito tempo.
Fui outro durante muito tempo – desde a nascença e a consciência –, e acordo agora no meio da ponte, debruçado sobre o rio, e sabendo que existo mais firmemente do que fui até aqui. Mas a cidade é-me incógnita, as ruas novas, e o mal sem cura. Espero, pois, debruçado sobre a ponte, que me passe a verdade, e eu me restabeleça nulo e fictício, inteligente e natural.
Foi um momento, e já passou. Já vejo os móveis que me cercam, os desenhos do papel velho das paredes, o sol pelas vidraças poeirentas. Vi a verdade um momento. Fui um momento, com consciência, o que os grandes homens são com a vida. Com a vida? Recordo-lhes os atos e as palavras, e não sei se não foram também tentados vencedoramente pelo Demônio da Realidade”.

Livro do Desassossego (trechos), Fernando Pessoa

Todos os heterônimos de Pessoa parecem se aperceber, num momento ou noutro, que são meros personagens, meros atores da imaginação de um escritor (ainda que seja um grande escritor). Isto tudo, no entanto, também indica a inquietação do próprio Pessoa ante a possibilidade (ou realidade?) de ser ele próprio um mero personagem de algum outro Escritor. Um personagem que, para que possa passar a escrever as próprias linhas de sua vida, ou ao menos alguma parte delas, precisa saber renascer; precisa compreender que, para viver uma nova vida, e um novo mundo, é preciso antes aceitar a morte da antiga vida, o fim do mundo, o apocalipse do ser:

“Sim, vou... Já tudo começa a ter outro aspecto e a falar aos meus olhos numa outra voz... Parece que não sou eu que estou cansado de existir, mas as coisas que se cansam de eu as ver... Começo a morrer nas coisas... O que se apaga de mim começa a apagar-se no céu, nas árvores, no quarto, nos cortinados deste leito... Depois, pouco a pouco, ir-se-á apagando pelo meu corpo dentro até que fizer noite mesmo ao pé das janelas da minha alma.
[...] A curva dos montes, lá muito ao longe, torna-se, não mais indecisa mas mais indecisa de outra maneira... As árvores esbatem-se em sombras mas as folhas parecem-me extraordinariamente nítidas, evidentes demais... A seda dos cortinados deste leito é uma outra espécie de seda... Afundo-me pouco a pouco... Não te entristeças... Eu era real demais para poder reinar algum dia... O único trono que mereço é a morte”.

A morte do príncipe (trechos), Fernando Pessoa

Todos os símbolos da mitologia, afinal, dizem respeito a você: Você enfrentou aos deuses monstruosos de sua própria alma? Você venceu e apaziguou os seus demônios interiores? Você despertou de sua vida de sonolência animal para uma nova vida onde pode ver, finalmente, que há só uma única Alma que está em tudo, e que você mesmo é também uma pequena parte dela?

“Deus é a alma de tudo” – concluiu o próprio guarda-livros num de seus lampejos de consciência desperta... Em nossa essência mais profunda, somos como heterônimos de algum Escritor oculto, somos um com o ser transcendente.

Mas isto que quero tentar dizer não foi dito aqui, e nem em qualquer parte da obra pessoana. Pois isto não se diz com palavras, com cascas de sentimento... Para isto existe a poesia, que diz alguma coisa, sem realmente haver dito.

Este meu translado pela mitologia pessoana foi apenas o querer dizer alguma coisa, e não haver dito nada. Para aqueles que já conheciam a obra de Pessoa, estas seleções talvez tenham trazido algumas boas recordações. Para aqueles que nunca o leram antes, quero crer que estas seleções lhes sirvam como uma “introdução mística” ao seu pensamento. A única coisa que este livro não é, nem pretendeu ser, é um livro acadêmico. Notas de rodapé vocês encontrarão aos montes em outras seleções (nada contra as notas de rodapé nem contra as outras seleções, muitas delas muito superiores a esta, que é apenas uma pequena declaração de amor ao poeta que foi muitos)...

***

Algumas vantagens do formato Kindle...

Para quem já tem o Kindle:
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» Pesa menos de 200 gramas, é mais leve que um livro e cabe direitinho em seu bolso.
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» Não derruba árvores, não ocupa espaço em casa, e seus livros poderão ser lidos de praticamente qualquer lugar...


[1] Porque pagar R$1,99 por esta seleção se temos Fernando Pessoa gratuitamente?
(a) Pela mesma razão que há eBooks de Pessoa sendo vendidos a quase 20 reais: seleção, edição, comentários, etc. Basta comparar a qualidade da edição do eBook gratuito com a nossa (você pode escolher ler uma amostra grátis do eBook antes de comprar em definitivo);
(b) Infelizmente a Amazon não permite que nenhum livro novo seja vendido a menos de R$1,99 (obs: estes valores podem mudar com o tempo)


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12.3.13

Mãos à obra!

“De que lado é que veio este vento?”
Não há lados.

“De onde é que você me chamou?”
Não há “onde”. Há somente o chamado...

“Porque não me deixa em paz? Tenho sono...”.
Não há sono no mundo!

“Quero ser um fantoche, não um ator”.
Não lhe imaginei como um fantoche;
O imaginei como grande herói,
Grande aventureiro da própria vida,
Argonauta dos sete mares!

“Não quero navegar, não quero ser náufrago...”.
Navegar é preciso!

A vida no medo
É como uma ilha de náufragos no deserto
Tateando atrás duma gota d’água...
Ó herói temerário, aventura-te!
Desperta enfim!
Há água por todos os lados...
Há um Oceano a tua volta!

“Quero viver, não morrer. Tenho medo”.
Viver não é preciso
Nem mesmo necessário...
Isto que chama “vida”
É somente um entreato entre gloriosas aventuras
E viagens inimagináveis
Senão em sonhos.

Ó herói sonolento, aventura-te!
Viver não é preciso
Criar é preciso.

Estou lhe chamando para uma aventura
Pelos caminhos tortuosos para dentro de ti mesmo
Que escondem, por detrás da cordilheira dos dragões famintos
Um Reino de Liberdade!

Estou lhe convidando:
Desperta, enfim, em meu Reino...

Mãos à obra, a Grande Obra!


raph’13’A.’.A.’.

***

Crédito da imagem: one2one

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10.3.13

Hangout Gnóstico: Sagrado Feminino

Acabei de participar de um hangout [1] ministrado por Giordano Cimadon, um dos palestrantes do III Simpósio de Hermetismo (foi lá que o conheci), e também coordenador da Sociedade Gnóstica Internacional.

O bate papo se inicia pela análise do artigo Branca de Neve e o Resgate do Feminino, feita pela própria autora, Olívia Braschi, que também participa do hangout conosco. Depois enveredamos por muitos outros assuntos, incluindo a queda e o ressurgimento da Deusa Mãe, a ecologia, os deuses andróginos, o machismo e a espiritualidade em geral. Eu participo, sobretudo, trazendo ideias que já haviam sido expostas aqui no blog, no conto da série Cotidianos, intitulado Condutoras.

Trata-se, enfim, de cerca de 1h30m de bate papo amigável e familiar (a mãe e a esposa do Giordano também participam), com o intuito de melhorar a vizinhança...

Obs: Parece que no futuro ainda teremos um Hangout Gnóstico onde o tema será meu livro, Ad infinitum... Embora já fale um pouco dele neste, particularmente da personagem Sophia.

***

[1] Bate papo por vídeo feito através do Google+, e que gera uma gravação no YouTube que não pode ser editada. Portanto não há cortes e ninguém teve muito tempo para pensar antes de falar :)

Crédito da imagem: Anônimo (Andrômeda)

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8.3.13

Deuses monstruosos

Penso eu que o "aspecto monstruoso" da divindade é tão somente uma visão do ego sobre a mesma. Quando estamos reconectados com o nosso Verdadeiro Eu, o monstro é vencido ou, tanto melhor, torna-se nosso amigo:

Renascemos numa nova vida e num novo mundo, que é basicamente uma nova visão do mundo em que já estávamos; mas em que vivíamos, conforme diria Fernando Pessoa, como "cadáveres adiados". Agora despertamos, agora o Diabo não nos mete mais medo - pois que dominamos nosso lado animal, e não somos mais arrastados por nossas paixões, muito embora saibamos que elas continuarão lá, e que não merecem ser condenadas as trevas.

"Em nome de Deus" muitos ditos religiosos realizaram as maiores atrocidades contra outros seres humanos, animais, e a Natureza em geral. Mas aquele que despertou não fala mais "em nome de Deus" - ele está em Deus, e cala. Sua sabedoria se dá pelo seu exemplo, não pelo seu discurso.

O Cristo não fundou o cristianismo. Ele apenas amou - o Diabo foi vencido pelo Amor. Agora, são bons amigos...

***

Crédito da imagem: mimagallery.com (Mahakala Thangka, artista desconhecido)

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6.3.13

A revelação de Hermes Trimegisto

Texto de Mircea Eliade em "História das crenças e das ideias religiosas, vol. II” (Ed. Zahar) – trechos das pgs. 258 a 261. Tradução de Roberto Cortes de Lacerda. Algumas notas ao final são minhas.

Sob a denominação de hermetismo, compreende-se a totalidade das crenças, ideias e práticas transmitidas na literatura hermética [1]. Trata-se de uma coletânea de textos de desigual valor, redigidos entre o século III a.C. e o século III d.C. Distinguem-se duas categorias: os escritos pertencentes ao hermetismo popular (astrologia, magia, ciências ocultas, alquimia) e a literatura hermética erudita, em primeiro lugar os 17 tratados, em grego, do Corpus Hermeticum [2]. Apesar de suas diferenças de propósito, conteúdo e estilo, há entre os dois grupos de textos certa unidade de intenção, a qual evoca as relações entre o taoismo filosófico e o taoismo popular ou a continuidade entre as expressões “clássicas” e “barrocas” da ioga [3]. Cronologicamente, os textos do hermetismo popular são os mais antigos, sendo que alguns deles datam do século III a.C. Quanto ao hermetismo filosófico, o seu desabrochar deu-se sobretudo no segundo século da Era Cristã.

Como era de prever, essa literatura reflete mais ou menos o sincretismo judaico-egípcio (e portanto também certos elementos iranianos); reconhece-se, ademais, a influência do platonismo; mas, desde o século II d.C., o dualismo gnóstico torna-se predominante. “Pelos seus atores, pelo seu cenário, pelos seus mitos, a literatura hermetista pretende ser egípcia. Essa pretensão, pelo menos para alguns textos antigos, baseia-se em certo conhecimento do Egito ptolomaico ou romano, conhecimento cuja realidade não devemos subestimar” [4]. As personagens (Thoth, Agatodêmon, Amon, etc.), os cenários (Mênfis e Tebas, Hermópolis, Saís, Assuã, etc.), certos motivos da teologia faraônica, a familiaridade com as tradições egípcias antigas, constituem indicações que devemos levar em conta.

A identificação de Thoth com Hermes já era conhecida por Heródoto (II, 152). Para os escritores da época helenística, Thoth era o patrono de todas as ciências, o inventor dos hieróglifos e um temível mágico. Teria criado o mundo por meio da palavra; por outro lado, os estoicos haviam identificado Hermes com o lógos [5].

Os escritos do hermetismo popular exerceram um papel importante na época imperial. [...] O conhecimento, e portanto o domínio da natureza, era possibilitado pela divindade. Por conseguinte, a ciência de tipo hermético constitui, ao mesmo tempo, um mistério e a transmissão iniciatória desse mistério; o conhecimento da natureza é obtido pela oração e pelo culto ou, em um nível inferior, por meio da sujeição mágica. Nesse corpus amorfo de receitas mágicas e de tratados referentes à magia natural e às ciências ocultas, voltamos por vezes a deparar com concepções características da literatura erudita.

No Koré Kósmou (14-18), a criação das almas é descrita como uma operação alquímica. A oração que serve de fecho ao Asclepius é reencontrada, em grego, numa receita mágica. A importância dessa literatura hermética “popular” não deve ser subestimada [...]. Sua cosmologia e suas ideias mestras (a doutrina das simpatias e correspondências, em primeiro lugar a correspondência entre macrocosmo e microcosmo) tiveram considerável êxito desde a baixa Idade Média até aproximadamente o fim do século XVIII; voltamos a encontrá-las não só nos platônicos italianos e em Paracelso, como também em cientistas tão diferentes como John Dee, Ashmole, Fludd e Newton [6]. [...]

[Os tratados de literatura hermética erudita] diferem pelo gênero literário e, sobretudo, por sua doutrina. Já em 1914, Bousset observara que o Corpus Hermeticum apresenta duas teologias inconciliáveis; uma otimista (de tipo monista-panteísta), a outra pessimista, caracterizada por um forte dualismo. Para a primeira, o cosmo é belo e bom, porquanto é penetrado por Deus [7]. Ao se contemplar a beleza do cosmo, chega-se à divindade. Deus, que é ao mesmo tempo Um (C.H., XI, 11) e Todo (XII, 22), é Criador, e recebe o nome de “Pai”. O homem ocupa o terceiro lugar na tríade, depois de Deus e do cosmo [8]. Sua missão é “admirar e adorar as coisas celestes, cuidar das coisas terrestres e governá-las” (Asclepius, 8). O homem é, em última análise, o complemento necessário da Criação; é “o ser vivo mortal, ornamento do Ser vivo imortal” (C.H., IV, 2).

Por outro lado, na doutrina pessimista, o mundo é fundamentalmente mau, “não é obra de Deus, pelo menos do primeiro Deus, pois esse primeiro Deus mantém-se infinitamente acima de toda matéria, está oculto no mistério do seu ser: só podemos, portanto, atingir a Deus fugindo do mundo, devemos nos comportar aqui embaixo como um estrangeiro” [9]. Lembremos, por exemplo, a gênese do mundo e o drama patético do homem segundo o primeiro tratado do Corpus, o Poimandres: o intelecto superior andrógino – o noûs – cria inicialmente um demiurgo que modela o mundo, em seguida o Ánthrôpos, o homem celeste; este último desce na esfera inferior, onde, “iludido pelo amor”, se une à natureza (Phúsis) e gera o homem terrestre. Daí em diante, o Ánthrôpos divino cessa de existir como pessoa distinta, porque ele anima o homem: sua vida transforma-se na alma humana e sua luz converte-se em noûs.

É por essa razão que, sozinho entre os seres terrestres, o homem é, ao mesmo tempo, mortal e imortal. No entanto, com o auxílio do conhecimento, o homem pode “tornar-se deus”. Esse dualismo, que desvaloriza o mundo e o corpo, sublinha a identidade entre o divino e o elemento espiritual do homem; tal como a divindade, o espírito humano (noûs) caracteriza-se pela vida e pela luz. Como o mundo é “a totalidade do mal” (C.H., VI, 4), temos de nos tornar “estrangeiros” no mundo (XIII, 1) para que possamos efetuar o “nascimento da divindade” (XIII, 7); de fato, o homem regenerado dispõe de um corpo imortal, é “filho de Deus, o Todo no Todo” (XIII, 2).

Essa teologia, solidária de uma cosmogonia e de uma soteriologia específicas, tem uma estrutura “gnóstica” por excelência. Seria, porém, imprudente vincular ao gnosticismo propriamente dito os tratados herméticos que compartilham o dualismo e o pessimismo. Certos elementos mitológicos e filosóficos de tipo “gnóstico” fazem parte do Zeitgeist da época: por exemplo, o menosprezo do mundo, o valor salvífico de uma ciência primordial, revelada por um Deus ou por um ser sobre-humano e comunicada sob o signo do segredo. Acrescentemos que a  importância decisiva atribuída ao conhecimento, transmitida sob a forma de iniciação a alguns discípulos, lembra a tradição indiana (os Upanixades, o Samkhya e o Vedanta), assim como o “corpo imortal” do homem regenerado apresenta analogias com o hata-ioga, o taoismo e as alquimias indiana e chinesa [10].

***

[1] O hermetismo parece ser bastante antigo, mas foi primordialmente através da literatura que ele sobreviveu até os dias atuais. Ou, pelo menos, é o que os historiadores podem confirmar. Se as práticas magísticas atuais relacionadas ao hermetismo têm algum parentesco com aquelas de mais de 2 mil anos atrás, é muito complexo saber.

[2] Nota do autor: Dispomos ainda da tradução latina, conhecida pelo nome de Asclepius, de um “Discurso perfeito” (Lógos téleios) cujo original se perdeu e de uma trintena de exercícios conservados no Anthologium de Estobeu, c.500.

[3] Mircea realmente fala sobre quase todas as religiões em sua obra. Infelizmente morreu antes de terminar a última parte (motivo do vol. III ser mais breve que os demais), onde caberia um resumo das tradições xamânicas e da mitologia e ritualística africana. Foi uma grande perda para os amantes de mitologia o fato de ele não ter conseguido terminar estes textos.

[4] Nota do autor: Jean Doresse, L’hermétisme égyptianisant, p.442.

[5] Nota do autor: Uma tradição que remonta aos primeiros Ptolomeus relata que Thoth, o primeiro Hermes, viveu “antes do dilúvio”; o segundo Hermes, o Trimegisto, lhe sucedeu, e depois vieram seu filho Agatodêmon e seu neto Tat. Todas essas personagens são citadas no tratado Kórê Kósmou. A genealogia é autenticamente egípcia.

[6] Alguns princípios herméticos também são reencontrados na ciência a partir do fim do século XIX, particularmente na cosmologia, na física de partículas e na física quântica. Enquanto “assim em cima, assim embaixo” pode ser relacionado diretamente as simetrias espaciais e temporais do espaço-tempo (a gravidade atua na Terra da mesma forma que em galáxias há milhões de anos-luz), “tudo vibra, nada está parado” certamente pode ser reencontrado no mundo subatômico.

[7] Benedito Espinosa resumiu tal pensamento antigo de forma magistral em sua Ética.

[8] Um pouco parecido com a tríade do cristianismo (Pai, filho e espírito santo), com a diferença que o cosmo é correspondente ao espírito santo, a preencher tudo que há; e, mais fundamental, pelo fato de “o homem” não ser apenas “um único homem”, mas toda a humanidade. Ao afirmar “sois deuses, dia virá que farão tudo que tenho feito e ainda muito mais”, mesmo Jesus estava se alinhando mais ao hermetismo “otimista” do que ao cristianismo.

[9] Devemos lembrar que esta é apenas a análise que os estudiosos modernos fazem desta doutrina. Ela em muito se assemelha a crítica da Igreja ao gnosticismo; até mesmo porque, de fato, o gnosticismo influenciou o hermetismo (e o zoroastrismo influenciou a ambos). Se formos analisar “ao pé da letra”, a ideia de que há um primeiro Deus que criou o cosmo e depois “se retirou”, deixando o governo do mundo físico (uma sombra do “mundo espiritual”) ao cargo de um deus mau, ela certamente parecerá absurda. Por outro lado, se nós formos recorrer a interpretações mais aprofundadas (que o “mundo ilusório” existe apenas na visão de quem ainda não tem olhos para ver o Reino de Deus; que o “deus mau” é um aspecto de nossa própria ignorância; etc.) mesmo o hermetismo “pessimista” passa a alcançar um sentido espiritual mais profundo.

[10] O problema de se estudar este tipo de conhecimento atualmente, é que tendemos a vê-lo somente como um conhecimento, uma literatura, uma teoria espiritual. Seja no gnosticismo, seja no hermetismo e em inúmeras outras escolas iniciáticas, a gnose em si não se traduz apenas em “conhecimento adquirido”, mas sim em “iniciação, renovação espiritual”. Devemos lembrar que o lógos grego inicialmente significava “palavra escrita ou falada”, mas após Heráclito passou a ter significados mais amplos. O lógos como “capacidade de racionalização” é o que foi traduzido para a modernidade simplesmente como “razão”; porém, há ainda outras interpretações antigas. O lógos também significava, na época helenística, um “princípio cósmico de Ordem e Beleza”. Aquele filósofo ou sábio que buscava esta espécie de razão, muito diferentemente da razão moderna, buscava uma razão permanentemente conectada ao Cosmos. Uma razão religiosa por excelência, embora isto hoje soe um absurdo para os racionalistas...
Além disso tudo, devemos sempre levar em consideração os conselhos de outro especialista em mitologia do século passado, Joseph Campbell:

Há uma velha história que ainda é válida. A história da busca. Da busca espiritual... Que serve para encontrar aquela coisa interior que você basicamente é.

Todos os símbolos da mitologia se referem a você. Você renasceu? Você morreu para a sua natureza animal e voltou à vida como uma encarnação humana?

Na sua mais profunda identidade, você é Deus. Você é um com o ser transcendental.

***

Crédito da imagem: Gravura de autor anônimo, divulgada primeiramente em um livro de Camile Flammarion

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4.3.13

Pássaros

» Conto pessoal, da série “Cotidianos”, com breves reflexões acerca dos eventos do dia a dia...


Aqui perto de casa existe uma rua cheia de árvores de copas esféricas, embora nenhuma esfera viva seja ou precise ser perfeita... Todos os dias eu atravesso ela para poder ir tomar café. Eu a chamo de Rua dos Pensadores, embora a prefeitura tenha lhe dado outro nome.

Uma vez tomei um baita susto: um pássaro enfurecido veio bicar minha cabeça. Acho que nunca vi um pássaro voar na minha direção, geralmente eles fogem da gente... Aquele não, aquele tinha alguma razão para arriscar a vida e dar bicadas na cabeça de um gigante. Se algum dia eu tive vontade de esganar um pássaro, ela passou rapidamente.

Ainda bem, porque depois acabei compreendendo: era um pássaro defendendo o seu ninho. A Natureza, em sua guerra da fome e da morte, privilegia a vida acima de tudo. Não fosse assim, o pássaro iria abandonar seu ninho ao primeiro sinal de perigo, e só voltar se fosse perfeitamente seguro. No entanto, existem animais, como uma espécie de polvo, que dão a vida por sua cria. Existem ainda outros animais, como uma espécie de inseto, que dão a vida ainda no ato da cópula. “Sexo mortal”? Ou “criação da vida”?

Não é a toa que o Abujamra sempre pergunta duas vezes aos entrevistados do seu programa (Provocações, na TV Cultura): “O que é a vida?”. Eu acho que ele tem esperança de que um dia alguém responda. Na primeira ou na segunda pergunta? Em nenhuma das duas. Quem quer que saiba responder isso, não precisará de palavras.

A vida é uma deusa alada que anseia por si mesma, ad infinitum. Seu combustível é o amor, e ele nunca se esgota. Sua vontade é o mistério: inefável, inalcançável... Há muitos eclesiásticos e cientistas que tentaram trepar pela árvore que cresce na Rua dos Pensadores e roubar um ou outro ovo do ninho deste pássaro. Mas não viram ovo algum!

Não sabemos quem ou o que criou a vida. Não sabemos criar vida, apenas copiar uma ou outra pequena parte daquilo que é chamado “orgânico”. E há muitos eclesiásticos que bradam assim, ainda trepados no tronco colossal: “Nós já vimos o que está no ninho. Temos agora todas as respostas!”; Enquanto há céticos que dizem isto: “Não há ninho algum. Larguem esta infantilidade! Trepar em árvores é coisa de criança.”

Dizia o poeta libanês que “nossos filhos são os filhos da ânsia da vida por si mesma”... É isto: as crianças quem sabem o que havia no ninho, na Mansão do Amanhã, e por isso elas gostam tanto de trepar em árvores. Mas depois nós as ensinamos a serem “sérias”, e elas se esquecem de tudo, ou quase tudo.

Tenho uma certa dificuldade em seguir doutrinas. Algumas delas são bem profundas, e isto está muito bom. Mas eu posso simplesmente reconhecer sua profundidade, e aprender o que há para se aprender dela. O que não posso é ficar ancorado nesta ou naquela doutrina.

Há algumas coisas que somente os pássaros e as crianças sabem, e todos estes seguidores de doutrinas, todos estes que acreditam que alguma palavra infalível resolverá a questão da vida para eles, jamais saberão de toda esta brincadeira.

O ninho que eu defendo, incondicionalmente, como o pássaro louco que vai bicar o gigante, é o ninho da liberdade!

No topo de todas as árvores do mundo há um ninho semelhante. Mas somente as crianças os viram, de relance, em meio ao pique esconde. Há pássaros que vêm e vão, de vez em quando, entre eras, para semear a Terra com as sementes de cada ninho desses...

Na Rua dos Pensadores os ninhos não têm ovos, mas sementes de um novo pensamento. Se um pássaro louco vier lhe bicar, não fique revoltado: às vezes, ele pode estar apenas lhe trazendo uma nova experiência.

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Crédito da foto: Templer/Corbis

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1.3.13

O que é matéria e energia escura?

Texto de Cesar Grossmann para o site HypeScience. As notas ao final são minhas.


A matéria escura e a energia escura são soluções propostas para explicar alguns fenômenos gravitacionais, e, até onde sabemos, são coisas distintas.

Embora juntas respondam por mais de 95% do nosso universo, só sabemos de sua existência por meios indiretos, observando seus efeitos sobre o universo e tentando deduzir suas propriedades a partir deles.

Matéria escura
A matéria escura foi proposta nos anos 1930 por Fritz Zwicky para explicar a diferença entre a massa gravitacional e a massa luminosa de aglomerados de galáxias (Fritz Zwicky estava trabalhando com curvas de rotação de galáxias).

A massa gravitacional de um objeto é determinada pela medida da velocidade e raio da órbita de seus satélites, um processo igual à medição da massa do sol usando a velocidade e distância radial dos planetas.

A massa luminosa é determinada pela soma de toda luz e convertendo este número em uma estimativa de massa, baseado na nossa compreensão sobre como as estrelas brilham. Esta comparação de massa-para-luz indica que a energia na matéria luminosa contribui com menos de 1% da densidade média de energia do universo.

Certamente existe mais matéria nas galáxias que não emite luz, mas as evidências indicam que há um limite máximo para a matéria normal (aquela feita de átomos) presente no universo. Evidências vindo da medição da radiação cósmica de fundo, por exemplo, apontam que no máximo 5% da densidade de massa-energia do universo e 20% da massa dos aglomerados está na forma de átomos.

Mas do que é feita a matéria escura? Muitos físicos e astrônomos acham que a matéria escura é provavelmente uma nova partícula que ainda não foi detectada em aceleradores de partículas ou em raios cósmicos.

Para ser uma partícula de matéria escura, ela tem que ter bastante massa, provavelmente mais que um nêutron, e interagir muito fracamente com a matéria normal, de forma a dificilmente reagir produzindo luz.

O protótipo do candidato é algo parecido com um neutrino, só que todos os tipos de neutrinos conhecidos são muito leves e muito raros para explicar a matéria escura [1].

E como a matéria escura afeta o universo? Aparentemente, ela é responsável pelas estruturas que vemos no universo, como galáxias e aglomerados; é ela que “segura” estes objetos imensos, não deixando que se desfaçam.

Como curiosidade, a proposta de uma matéria escura na década de 1930 por Fritz Zwicky não foi levada a sério porque o suíço tinha entrado em atrito com muitos colegas na comunidade astronômica. Em 1962, a astrônoma Vera Rubin fez a mesma descoberta, que novamente não foi levada à sério, desta vez porque ela era uma mulher. Ela persistiu e conseguiu atenção da comunidade em 1978, com um estudo profundo de 11 galáxias, inclusive a nossa [2].

Energia escura
A energia escura tem sua origem nos trabalhos para entender a expansão acelerada do universo. Basicamente, a teoria atual não consegue explicar essa aceleração. Uma das especulações é que a aceleração é consequência de uma nova forma de matéria, apelidada “energia escura”, que também não foi detectada até agora.

É chamada de “escura” porque deve interagir muito fracamente com a matéria, como a matéria escura, e é chamada de energia porque uma das coisas de que estamos certos é que ela contribui com cerca de 70% da energia total do universo. Se descobrirmos o que é, podemos então trocar o nome para algo menos misterioso.

Com o estabelecimento do modelo cosmológico do Big Bang, acreditava-se que a expansão inicial de 13,7 bilhões de anos atrás estaria diminuindo com o tempo, mas duas equipes de pesquisadores independentes descobriram em 1998 que a expansão estava acelerando.

A aceleração é determinada pela medida dos tamanhos relativos do universo em diferentes eras. De uma forma específica, os astrônomos medem o redshift ou desvio para o vermelho do espectro e a distância da luminosidade de explosões estelares chamadas supernovas tipo 1a.

O tempo que a luz da supernova leva para chegar aos telescópios é descoberto examinando a distância da luminosidade, enquanto a mudança do tamanho do universo entre a explosão e a observação é determinada pelo desvio para o vermelho. Uma comparação destes tamanhos em uma sequência de tempo revela que o universo está crescendo cada vez mais rápido. Desde esta descoberta, os equipamentos ficaram mais sensíveis e os dados foram confirmados pela medição de outros fenômenos cosmológicos.

A teoria da relatividade prevê que a aceleração cósmica é determinada pela densidade média de energia e pressão de todas as formas de matéria e energia no universo. Só que as quantidades da matéria normal, da energia normal, e da matéria escura não respondem pela densidade de energia necessária para a aceleração – tem que ser outra coisa.

Uma das hipóteses mais aceitas é que o universo é preenchido por um mar de energia quântica de ponto zero, que exerce uma pressão negativa, como uma tensão, fazendo com que o espaço-tempo sofra uma repulsão gravitacional. É a chamada constante cosmológica, introduzida por Einsten em outro contexto (e referida por ele como seu maior erro) [3].

E como a energia escura afeta o universo atualmente? Ela é responsável pela aceleração cósmica, e equipes internacionais de astrônomos estão trabalhando para refinar a medida desta aceleração. Dela depende o julgamento da constante cosmológica de Einstein, uma possível compreensão da teoria fundamental da natureza (gravidade quântica e o estado quântico do universo), e o destino do universo (Big Chill ou Big Rip?).

Diferenças entre as duas
As duas, matéria escura e energia escura, possuem diferenças enormes. A matéria escura atrai e a energia escura repele, ou seja, a matéria escura é usada para explicar uma atração gravitacional maior que o esperado, enquanto a energia escura é usada para explicar uma atração gravitacional negativa [4].

Além disso, os efeitos da matéria escura se manifestam em uma escala de 10 megaparsecs (um megaparsec corresponde a 3,2 milhões de anos luz, aproximadamente) ou menor, enquanto que a energia escura parece que só se torna relevante em escala de 1.000 megaparsecs ou mais.

Finalmente, é importante questionar se os fenômenos da matéria escura e da energia escura podem ter uma explicação gravitacional. Talvez as leis da gravidade sejam diferentes do que desenhou a teoria de Einstein. Esta é uma possibilidade, só que até hoje a teoria da relatividade não falhou em nenhum teste. Além disto, novas imagens de aglomerados revelaram um comportamento que é inconsistente com teorias gravitacionais alternativas, como a MOND – ou seja, a matéria escura está ali.

Nossas melhores mentes estão trabalhando no problema e nossa melhor tecnologia está examinando o cosmos, e, por enquanto, não há outra explicação para os efeitos que observamos: a matéria escura e a energia escura são reais. A composição do universo atual, até onde sabemos, é de 4,2% matéria normal, 24% matéria escura e 71,6% energia escura [5]. [en.Wikipedia 1 2, Nasa Ask an Astronomer, How Stuff Works, Nasa Astrophysics, Dummies, National Radio Astronomy Observatory, Scientific American, Space.com, WMAP's Universe]

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[1] Um "ser de neutrinos" seria improvável pois elementos leves são simples demais para a complexidade necessária a um ser vivo. Já um "ser de matéria escura", apesar de hipotético, não seria um absurdo lógico, pois a matéria escura é responsável pela maior parte da massa (ou pelo menos da atração gravitacional) do universo, logo pode ser tão candidata a formação de um ser vivo quanto a matéria comum, que interage com a luz.

[2] Conforme o usual: primeiro o ceticismo (e, muitas vezes, o preconceito), e então, somente muito tempo após, a aceitação. É assim, uma descoberta de cada vez, que mudamos nossos paradigmas e nossa visão do que vem a ser, afinal, o Cosmos.

[3] Até mesmo quando errou racionalmente, intuitivamente Einstein acertou em cheio...

[4] Há milênios atrás, Empédocles chamou a atração e repulsão cósmicas de "amor e ódio".

[5] Os materialistas eliminativos creem que a matéria já detectada é capaz de explicar a consciência e todos os demais mistérios da mente humana. Há que se ter um boa dose de fé para apostar tudo apenas nestes míseros 4% (do qual conhecemos uma parcela ínfima, em todo caso).

No geral, um resumo excelente de Cesar Grossmann, que merece ser compartilhado e divulgado entre cientistas e espiritualistas (ou, pelo menos, entre aqueles que leram e compreenderam a pergunta #82 do Livro dos Espíritos)...

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Crédito da imagem: HypeScience

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