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25.4.10

Ainda é tempo

Hoje em dia é fácil encontrar inúmeros discursos a favor da ecologia, do desenvolvimento sustentável e do combate ao aquecimento global (na realidade deveríamos usar o nome mais apropriado: mudanças climáticas). O grande problema é que grande parte deles são apenas textos apocalípticos, quase que um "lamento prévio" do eminente fim da humanidade (sim, porque a Terra continuará muito bem, obrigado). O discurso do cientista Carlos Nobre se diferencia exatamente por, além de analisar a fundo a raiz do problema (o advento da "maior religião do mundo" - o consumismo), ele também propor maneiras extremamente racionais e verossímeis para se lidar com o problema da melhor forma, e a curto prazo. Ainda é tempo, mas ele é curto...

"A destruição do que não existia – de valores apenas virtuais, sem base real – pode ser a oportunidade de mudarmos de rumo econômico e impedirmos a destruição do que realmente existe: a natureza, o mundo, o planeta. O Brasil se tornou uma potência agrícola, isso não é original. Mas ele tem a chance de ser a primeira potência ambiental do planeta – e de comandar uma mudança de civilização. Que papel podemos ter nisso, nós que aqui estamos?"

Palestra de Carlos Nobre no programa Café Filosófico CPFL da TV Cultura. Gravada no dia 28/10/09, em São Paulo. Tempo: aprox. 50m. Infelizmente só abre no site do programa:

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24.4.10

Mente escura

Há tempos que a ciência tem postulado o estudo da consciência humana com um dos maiores desafios do conhecimento humano, talvez mesmo além de uma compreensão elaborada – como, por exemplo, a compreensão que temos do eletromagnetismo ou do nascimento de estrelas –, pois se trata essencialmente de utilizar o próprio objeto em estudo para realizar o estudo em si.

O psiquiatra alemão Hans Berger ajudou a iluminar a questão com a criação do eletroencefalograma (EEG), que grava a atividade elétrica no cérebro por meio de um conjunto de linhas ondulatórias sobre um gráfico. Com essa ferramenta, os neurologistas passaram a mapear a atividade elétrica do cérebro, e fazer diversas associações entre impulsos de coordenação motora, estados mentais e de foco de atenção dos inúmeros colaboradores e pacientes estudados nas últimas décadas.

Hoje se sabe que a consciência é mais como um processo que coordena decisões de acordo com o fluxo de informação sensorial recebido, ela é como o regente de uma “orquestra mental”. Porém, a análise qualitativa dos fenômenos conscientes complexos, como o amor e as decisões morais, ainda passam ao largo da explicação científica. Este é o famoso “problema difícil”: identificar o que exatamente interpreta informações e elabora respostas morais, em oposto a mera computação das informações.

Richard Feynman gostava de comparar a forma como os físicos modernos trabalham com a detecção das ondas de uma piscina: acaso não fosse possível ver quem mergulhou na piscina a pouco tempo, podemos ter uma boa noção de onde e quando ocorreu o mergulho, assim como o peso de quem mergulhou, apenas analisando a freqüência e a amplitude das ondas na superfície da água. A ciência lida somente com o que pode detectar – se ela não detecta o amor ou a moral, ao menos pode detectar o efeito elétrico no cérebro que ocasiona as demonstrações de sentimentos complexos. O que a ciência não pode pretender, entretanto, é que tais sentimentos se resumam ao efeito, ignorando a causa... Ou postulando que a causa está além de nosso controle, que é fruto do mero agitar químico do cérebro, como afirma o filósofo Daniel Dennet, o que em todo caso é basicamente o mesmo que ignorar a causa.

Carl Sagan já chegou a afirmar que prefere seguir os impulsos de seu inconsciente, que este na maior parte das vezes lhe “guia” para caminhos mais produtivos e sensatos do que sua racionalidade consciente [1]. Ora, mas se a ciência se preocupa em detectar a atividade elétrica do cérebro quando este está em plena atividade consciente, o que dizer de quando estamos sem fazer nada, teoricamente “sem pensar em nada, absolutamente nada”?

Em ensaios seminais sobre suas descobertas com as primeiras pesquisas utilizando o EEG em 1929, Berger deduziu, a partir das incessantes oscilações elétricas detectadas pelo aparelho, que “temos de supor que o sistema nervoso central está sempre – e não só durante o estado de vigília – num estado de considerável atividade.” Mas suas idéias foram amplamente ignoradas, até tempos recentes, bem recentes... A tecnologia para se examinar o cérebro se aprimorou: em 1970, veio à tomografia por emissão de pósitrons (PET, Positron-Emission-Tomography), que mede o metabolismo da glicose, fluxo sanguíneo e absorção de oxigênio para a extensão da atividade neuronal; já em 1992 veio à captação de imagem por ressonância magnética funcional (fMRI, functional Magnetic Ressonance Imaging), que mede a oxigenação do cérebro com o mesmo propósito.

Essas tecnologias são mais do que capazes de analisar a atividade cerebral, focada ou não, mas a maioria dos estudos iniciais levou a impressão errônea de que, na maior parte, as áreas do cérebro permanecem tranqüilas até que sejam requisitadas a desempenhar alguma tarefa específica. Ao longo dos anos, no entanto, alguns pesquisadores [2] começaram a estudar a atividade cerebral de colaboradores simplesmente em estado de descanso, deixando a mente livre para divagar. Eles descobriram que a energia gasta pelo cérebro não varia mais do que 5% entre o estado de vigília e/ou atividade consciente e o estado de relaxamento completo, quando supostamente não fazemos absolutamente nada a não ser pensar, divagar...

A conclusão surpreendente a que chegaram é a de que boa parte da atividade geral – de 60% a 80% de toda a energia gasta pelo cérebro – ocorre em circuitos não relacionados a nenhuma evento externo. Com a devida licença dos colegas astrônomos, os pesquisadores deram a essa atividade intrínseca o nome de “energia escura do cérebro” – referência à energia não visível (não interage com fótons), mas que representa a maior parte da massa do universo.

Ficou claro, a partir desse trabalho, que o processo consciente é responsável por apenas uma parte, ainda que crítica, da atividade total de todos os sistemas do cérebro. Como Berger mostrou em primeiro lugar, e muitos outros confirmaram desde então, a sinalização cerebral consiste em um amplo espectro de freqüências, que vão dos potenciais corticais lentos (SCPs, Slow Cortical Potentials) de baixa freqüência até a atividade acima de 100 ciclos por segundo. Um dos grandes desafios da ciência é entender como os sinais de diferentes freqüências interagem.

A orquestra sinfônica proporciona uma metáfora adequada, com sua integrada “tapeçaria” de sons provenientes de múltiplos instrumentos que tocam no mesmo ritmo. Os SCPs equivalem à batuta do regente. Só que, em vez de manter o tempo para um conjunto de instrumentos musicais, esses sinais coordenam o acesso que cada sistema cerebral exige para o vasto depósito de memórias e outras informações necessárias para se sobreviver num mundo complexo e em permanente mudança. Os SCPs garantem que as computações corretas ocorram de maneira coordenada, exatamente no momento adequado.

Mas o cérebro é muito mais complexo que uma orquestra sinfônica. Ele oscila continuamente entre a necessidade de equilibrar respostas planejadas com demandas imediatas. Os grandes expoentes da psicologia, como William James, Sigmund Freud e Carl Jung, sempre compreenderam o enorme e misterioso papel do inconsciente sobre o consciente. Que o cérebro pode até ser uma máquina de envio e reenvio de informações, um computador molecular de vasta complexidade, mas ainda assim há que se pensar no que quer que – esteja onde estiver no cérebro – interpreta as informações recebidas e elabora respostas morais e sentimentais...

Eis a mente escura, aquela que ainda escapa da lente agitada da ciência, assim como a grande parte da matéria e da energia do universo. Do que é formada? Onde está exatamente no cérebro? Seria ela limitada pelo corpo, ou apenas uma energia que toca as teclas do cérebro enquanto este permanece como um instrumento apto para ser tocado? São ainda muitos mistérios, muitos paradoxos e enigmas, muitos “problemas difíceis” no caminho da ciência... Mas ela não descansará; nós não descansaremos, pois a natureza não nos deixará relaxar.

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[1] Livre interpretação de um breve comentário de Sagan num especial da TV americana, onde ele, Stephen Hawking e Arthur C. Clarke discutiram sobre Deus, o universo e as leis da natureza.

[2] Boa parte das informações científicas deste artigo foram retiradas do artigo “A energia escura do cérebro”, capa da Scientific American de Abril de 2010 (ano 8, #95), escrito por Marcus E. Raichle – professor de radiologia e neurologia –, que é um dos principais pesquisadores no assunto aqui abordado.

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Crédito da imagem: Anônimo (representa a disparidade entre a energia gasta no processo consciente, acima da superfície, e a energia gasta pelo inconsciente a todo momento – este tipo de imagem é a metáfora mais utilizada para ilustrar a questão)

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15.4.10

Reflexões sobre o mal, parte 3

continuando da parte 2...

A psicopatia é um distúrbio mental grave caracterizado por um desvio de caráter, ausência de sentimentos genuínos, frieza, insensibilidade aos sentimentos alheios, manipulação, egocentrismo, falta de remorso e culpa para atos cruéis e inflexibilidade com castigos e punições.

A consciência do mal

Estive defendendo que Satanás é um mito, que não existe um ser que centraliza toda fonte do mal, e que os tais “mestres da escuridão” nada mais são do que seres mimados, incapazes de lidar com a frustração de seus desejos incontroláveis. Enfim, que o mal é apenas a ausência do bem, e que não existe em si mesmo, assim como a escuridão não existe – é apenas a ausência da luz.

Mas falava sobretudo do mal dito “sobrenatural”, como uma força que tinha o poder de influenciar os seres e guiá-los contra a vontade as ações mais diabólicas, com o perdão da palavra (o mito já contaminou a linguagem, não posso fazer nada). Ora, se é verdade que esse mal não existe, o mal que tem origem na ignorância de cada ser é bastante real, e bastante comum. A história da humanidade, apesar de todos os acertos da filosofia, da religião e da ciência, é permeada em todos os lados pela ignorância – essa ignorância que ainda nos permeará por muitas eras...

Sim os seres são influenciados, na verdade, pelos próprios vícios. E obviamente que, numa vida em sociedade, o vício de um pode influenciar o vício do outro. Não foi à toa que mesmo os grandes sábios da Grécia antiga praticamente não levantaram a voz contra a escravidão, que Hipátia de Alexandria foi queimada junto com a grande biblioteca, que as pessoas iam ver homens serem devorados por feras no Coliseu de Roma, e aplaudiam!

Felizmente, no entanto, estamos nessa lenta, lentíssima evolução moral. Passo a passo estamos seguindo a frente, ainda que sem pressa alguma: hoje não se queimam mais bibliotecas nem hereges, negociar e manter escravos é crime, e vamos ao Estádio Olímpico de Roma apenas para ver futebol – na maioria das vezes sem sangue derramado... Afinal o que nos move no caminho do bem e da virtude? Ora, dizem os sábios que é precisamente a aversão à consciência do mal praticado.

Ao encararmos o mal, fruto de nossa própria ignorância, em nós mesmos, ficamos escandalizados e procuramos melhorar. Nesse lento bater das águas na rocha dura, pouco a pouco lapidamos nossa alma, e transformamos um deserto de granito em uma praia de calcário. Certo, uma vida é muito pouco para tamanha transformação, mas há muitos sábios que dizem que é exatamente por isso que precisamos retornar ao mundo tantas e tantas vezes: é que as potencialidades não se edificam de uma vida para outra, há que se utilizar muitas delas!

Mas o cético, ou aquele que se deprime com essas “fantasias de almas e vida eterna”, dirá que o cérebro nada mais é do que o mero agitar de partículas, e que o mal nada mais é do que uma deficiência, uma psicopatia, uma falha do mecanismo cerebral... Estranho, no entanto, que tanto psicopatas quanto autistas tenham dificuldades de perceber suas emoções, sendo que os últimos geralmente não fazem mal a uma mosca, e os primeiros podem se tornar assassinos seriais. Quanto mistério dentro dessas partículas obscuras em nossa cabeça!

Em “O homem que confundiu sua mulher com um chapéu”, o neurologista Oliver Sacks nos traz uma história – um de seus inúmeros casos clínicos de pacientes com doenças mentais – que talvez nos ajude a iluminar esse paradoxo [1]:

“Donald matou sua namorada sob a influência do cloridrato de fenociclidina (PCP). Ele não lembrara do que fizera (...) e nem a hipnose nem o amital de sódio foram capazes de liberar essa lembrança. Concluiu-se, portanto, em seu julgamento, que não havia uma repressão de memória, mas uma amnésia orgânica – o tipo de blackout muito característico do PCP.

Os detalhes, revelados no inquérito, eram macabros, e não puderam ser expostos em audiência pública. Foram discutidos in câmera – ocultos do público e do próprio Donald. (...) Ele passou quatro anos em um hospital psiquiátrico para os criminalmente insanos – apesar de haver dúvidas quanto a ele ser criminoso ou insano. (...) “Não sou apto para viver em sociedade”, dizia, melancólico, quando questionado.

No quinto ano ele começou a sair em liberdade condicional, [e sofreu um acidente enquanto pedalava sua bicicleta, ao desviar de um carro em uma curva fechada] (...) Ele sofreu uma grave lesão na cabeça (...) e séria contusão em ambos os lobos frontais. Ficou em estado de coma, hemiplégico, por quase duas semanas, e então, inesperadamente, começou a se recuperar. Nesse estágio começaram os “pesadelos”.

O assassinato, o ato, antes perdido para a memória, agora se mostrava para ele em detalhes vívidos, quase alucinatórios [2]. Uma incontrolável reminiscência emergiu e o assoberbou (...) Seria isso um pesadelo, seria loucura ou haveria agora uma “hipermnésia” – a irrupção de lembranças genuínas, verídicas, aterradoramente intensificadas? (...) Ele agora conhecia o assassinato nos mínimos detalhes: todos os detalhes revelados pelo inquérito mas não no julgamento público – ou a ele.

[Com anos de tratamento] já não está mais obcecado [pelo assassinato]: foi atingindo um equilíbrio fisiológico e moral. Mas e quanto ao estado de memória, primeiro perdida e depois recuperada? Por que a amnésia – e o retorno explosivo? Por que o blackout total e depois os vívidos flashbacks? O que realmente aconteceu nesse drama estranho, meio neurológico? Todas essas questões permanecem um mistério até hoje.”

Os livros de Sacks nos dão vários exemplos de casos de pacientes com amnésia profunda que eventualmente conseguem se “realinhar” com a realidade e a época atual, seja de forma permanente – pelo sucesso do tratamento –, seja de forma temporária – por tratamentos alternativos, particularmente com uso de música. Em todo caso, esquecer e depois lembrar de atos imorais não necessariamente quer dizer que todos um dia irão sentir remorso em se lembrando com detalhes vívidos de seus atos no mal.

Talvez os psicopatas sejam “imunes” ao remorso para sempre. Talvez não exista nada após a morte e, portanto, tenhamos inúmeros exemplos de seres que foram psicopatas, sem remorso, ao longo de toda a vida. Nesse caso, bem e mal são como efeitos aleatórios de características de nosso cérebro, e talvez não exista nem Deus nem a vida após a morte, e muito menos um Céu ou um Inferno conforme nos diz a Bíblia...

Por outro lado, talvez exista algum tempo do outro lado do véu, e talvez esse tempo não seja nada amistoso para aqueles que acumularam atos imorais em sua própria consciência – esta que, mesmo nem sempre parecendo, registra absolutamente tudo a nossa volta. Nesse caso, talvez o remorso e a culpa um dia fatalmente venham cobrar seu quinhão a todos aqueles que têm o saldo devedor. Não se trata de mera especulação teológica, temos indícios de que isso pode ser verdade por toda a parte, e em todos os tempos.

Dito isso, acho prudente lembrar que Céu e Inferno só podem realmente ser o que dizem que são se estiverem impressos em nossa própria consciência, não num futuro distante, não num Dia do Juízo, não após a morte, mas hoje, neste exato momento: somos os juízes e os escravos de nossa própria consciência, não há parte alguma que possamos ir sem ela, não há como ignorá-la nem ludibriá-la por muito tempo...

Aquele que se apraz com o amor, a moral, a busca pela verdade, estará envolto no mais luminoso e paradisíaco Céu aonde quer que vá. Ao passo que aquele que se identifica com a própria ignorância, e rende-se a estagnação e ao deboche perante as leis naturais – que ainda não compreende nem o ínfimo –, este estará condenado ao mais tenebroso e obscuro Inferno, ainda que tenha todas as riquezas, todos os escravos, e todos os impérios do mundo. Ocorre que um já encontrou o amor, o caminho sem fim, e o outro ainda o ignora, e crê que esta é uma terra de sofrimento, de absoluta ausência de sentido – onde tudo é relativo e todas as coisas, no fim, se reduzem ao nada, ao abismo vazio de seu próprio ser.

Este caminho, todos temos de percorrer: deixem que as rodas percorram os velhos sulcos.

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[1] Retirado do capítulo 19, “Assassinato”. O livro é publicado no Brasil pela Companhia das Letras, assim como vários outros do mesmo autor, todos recomendados.

[2] Qualquer semelhança com as análises da segunda parte de “O Céu e o Inferno” de Allan Kardec (ed. LAKE) talvez não sejam mera coincidência.

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Crédito da foto: Patrick Power

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Cronologia das religiões

Cronologia do nascimento das principais religiões e sábios do mundo, dos textos védicos ao movimento da nova era:

Textos védicos do hinduísmo
(a tradição oral data da antiga Índia)
c. 4500-3000 a.C.
Sabedoria cultural e xamanismo de todos os continentes -
África, Europa, Américas do Sul e do Norte, Ásia
(as tradições orais datam da pré-história)
c. 4000-3000 a.C.
O Livro dos Mortos,
obra principal da religião do antigo Egito
c. 1580-1160 a.C.
I Ching,
a mais antiga obra mística da antiga China
c. 1350-1200 a.C.
Krishna, divindade hindu c. 1500 a.C.
Textos xintoístas
(a tradição oral data do Japão pré-histórico)
c. 1500 a.C.
Judaísmo c. 1300 a.C.
Moisés c. 1300 a.C.
Rei Salomão c. 970 a.C.
Orfeu, fundador do orfismo c. 700 a.C.
Lao-Tsé, principal fundador do taoísmo c. 604-515 a.C.
Mahavira, principal fundador do jainismo 599-527 a.C.
Buda c. 573-483 a.C.
Pitágoras, fundador da escola pitagórica c. 570-497 a.C.
Confúcio 551-479 a.C.
Sócrates c. 470-399 a.C.
Platão 429-348 a.C.
Mêncius, colaborador chinês do confucionismo c. 370-290 a.C.
Ashoka, colaborador indiano do budismo 304-232 a.C.
Estoicismo c. 300 a.C.
Jesus c. 5 a.C.-30 d.C.
Paulo de Tarso c. 5-67 d.C.
O Evangelho de Tomé,
o mais profundo texto atribuído ao gnosticismo
c. 50-140 d.C.
Corpus Hermeticum,
obra que deu origem ao hermetismo
c. 100-200 d.C.
Constantino I, colaborador romano do cristianismo 272-337 d.C.
Códice Sinaítico,
a mais antiga versão da Bíblica em grego
c. 350 d.C.
Maomé 570-632 d.C.
Sufismo c. 800 d.C.
Guru Nanak, fundador do siquismo 1469-1538 d.C.
Reforma Protestante
(deu origem a inúmeras vertentes do cristianismo)
1517 d.C.
Candomblé(*)
(a tradição oral data da antiga África)
c. 1549 d.C.
Bento de Espinoza, autor da Ética 1632-1677 d.C.
Bahá'u'lláh, fundador do bahaísmo 1817-1892 d.C.
Mórmons (Santos dos Últimos Dias) 1830 d.C.
Antiteísmo (ou neo-ateísmo) c. 1833 d.C.
Espiritismo 1857 d.C.
Rabindranath Tagore, autor do Gitanjali 1861-1941 d.C.
Testemunhas de Jeová 1870 d.C.
Teosofia 1875 d.C.
Gibran Khalil Gibran, autor de O Profeta 1883-1931 d.C.
Umbanda(*) 1908 d.C.
Chico Xavier, colaborador brasileiro do espiritismo 1910-2002 d.C.
Logosofia 1930 d.C.
Richard Dawkins, colaborador britânico do antiteísmo 1941 d.C.
(ainda vivo)
Movimento da Nova Era 1960 d.C.

(*) Religiões brasileiras.

Obs: Alguns podem questionar a dispariedade de importância histórica entre algumas religiões e doutrinas citadas. Não é minha intenção igualar sua importância, o cristianismo - por exemplo - sem dúvida tem uma influência mundial bem maior do que a teosofia ou o movimento de nova era. Da mesma forma, essa não pretende ser uma lista de 99% das religiões do mundo; obviamente eu optei por adicionar a lista algumas religiões que atrairam minha simpatia ou curiosidade ao longo dos estudos...

Obs (2): Outros podem questionar a presença do antiteísmo na lista, ou mesmo achar que é uma brincadeira ou "alfinetada" nos neo-ateus. Mas não: assim como certas vertentes do budismo não fazem nenhuma referência a Deus, e continuam sendo seguidas como uma religião, o antiteísmo - com sua necessidade de "evangelização" - não difere em nada de uma religião estabelecida.

Fontes: "Unidade" de Jeffrey Moses (ed. Sextante), Wikipedia, Early Christian Writings.

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Veja também: 5 mil anos de religião (mapa animado), Os 10 melhores livros sagrados e nossa biblioteca no Scribd

Crédito da imagem: Universalistas

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13.4.10

Mitos, ciência e religiosidade

Texto de Marcelo Gleiser no Caderno Mais! da Folha de São Paulo (11/04/10). As notas ao final são minhas.

Começo hoje com a definição de mito dada por Joseph Campbell, uma das grandes autoridades mundiais em mitologia: "Mito é algo que nunca existiu, mas que existe sempre" [1]. Sabemos que mitos são narrativas criadas para explicar algo, para justificar alguma coisa. Na prática, não importa se o mito é verdadeiro ou falso; o que importa é sua eficiência.

Por exemplo, o mito da supremacia ariana propagado por Hitler teve consequências trágicas para milhões de judeus, ciganos e outros. O mito que funciona tem alto poder de sedução, apelando para medos e fraquezas, oferecendo soluções, prometendo desenlaces alternativos aos dramas que nos afligem diariamente.

A fé num determinado mito reflete a paixão com que a pessoa se apega a ele. No Rio, quem acredita em Nossa Senhora de Fátima sobe ajoelhado centenas de degraus em direção à igreja da santa e chega ao topo com os joelhos sangrando, mas com um sorriso estampado no rosto. As peregrinações religiosas movimentam bilhões de pessoas por todo o mundo. É tolo desprezar essa força com o sarcasmo do cético. Querendo trazer a ciência para um número maior de pessoas, eu me questiono muito sobre isso.

Como escrevi antes neste espaço, os que creem veem o avanço científico com uma ambiguidade surpreendente: de um lado, condenam a ciência como sendo materialista, cética e destruidora da fé das pessoas. "Ah, esses cientistas são uns chatos, não acreditam em Deus, duendes, ETs, nada!"

De outro, tomam antibióticos, voam em aviões, usam seus celulares e GPSs e assistem às suas TVs digitais. Existe uma descontinuidade gritante entre os usos da ciência e de suas aplicações tecnológicas e a percepção de suas implicações culturais e mesmo religiosas. Como resolver esse dilema?

A solução não é simples. Decretar guerra à fé, como andam fazendo alguns ateus mais radicais, como Richard Dawkin, não me parece uma estratégia viável. Pelo contrário, vejo essa polarização como um péssimo instrumento diplomático. Como Dawkins corretamente afirmou, os extremistas religiosos nunca mudarão de opinião, enquanto um cientista, diante de evidência convincente, é forçado eticamente a fazê-lo. Talvez essa seja a distinção mais essencial entre ciência e religião: o ver para crer da ciência versus o crer para ver da religião [2].

Aplicando esse critério à existência de entidades sobrenaturais, fica claro que o ateísmo é radical demais; melhor optar pelo agnosticismo, que duvida, mas não nega categoricamente o que não sabe. Carl Sagan famosamente disse que a ausência de evidência não é evidência de ausência. Mesmo que estivesse se referindo à existência de ETs inteligentes, podemos usar o mesmo raciocínio para a existência de divindades: não vejo evidência delas, mas não posso descartar sua existência por completo, por mais que duvide dela. Essa coexistência do existir e do não-existir é incômoda tanto para os céticos quanto para os crentes. Mas talvez seja inevitável.

A ciência caminha por meio do acúmulo de observações e provas concretas, replicáveis por grupos diferentes. A experiência religiosa é individual e subjetiva, mesmo que, às vezes, seja induzida em rituais públicos. Como escreveu o psicólogo americano William James, a verdadeira experiência religiosa é espiritual e não depende de dogmas. Apesar de o natural e o sobrenatural serem irreconciliáveis, é possível ser uma pessoa espiritualizada e cética [3].

Einstein dizia que a busca pelo conhecimento científico é, em essência, religiosa. Essa religião é bem diferente da dos ortodoxos, mas nos remete ao mesmo lugar, o cosmo de onde viemos, seja lá qual o nome que lhe damos.

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[1] Acredito que Campbell quis dizer que o mito existe fora do tempo, em essência, e porisso existe sempre. É a essência de verdade dos grandes mitos que sobrevive (sempre), independente do formato e da cultura de onde se originaram. Não sei se o Gleiser entendeu dessa forma...

[2] Grande parte das pessoas parece não compreender direito nem o que é ciência nem o que é religião. Ciência é o conhecimento da realidade detectável por sentidos ou instrumentos, não sendo nem materialista nem espiritualista. Religião é a religação, a busca pela compreensão de Deus ou do Cosmos, não sendo ela em si presa a nenhuma igreja ou doutrina, pois o caminho é livre, é o caminho de cada um... Não concordo com o "ver para crer" nem com o "crer para ver" - seria melhor dizer: a compreensão do Mecanismo da natureza (em vendo, se compreende) e a compreensão do Sentido da natureza (em compreendendo, se vê). Ou como dizia Sto. Agostinho: crer para compreender, compreender para crer.

[3] Esta também era a opnião de Carl Sagan em “O mundo assombrado pelos demônios”:

“Espírito” vem da palavra latina que significa “respirar”. O que respiramos é o ar, que é certamente matéria, por mais fina que seja. Apesar do uso em contrário, não há na palavra “espiritual” nenhuma inferência necessária de que estamos falando de algo que não seja matéria (inclusive aquela de que é feito o cérebro), ou de algo que esteja fora do domínio da ciência. De vez em quando, sinto-me livre para empregar a palavra. A ciência não é só compatível com a espiritualidade; é uma profunda fonte de espiritualidade. Quando reconhecemos nosso lugar na imensidão de anos-luz e no transcorrer das eras, quando compreendemos a complexidade, a beleza e a sutileza da vida, então o sentimento sublime, misto de júbilo e humildade, é certamente espiritual. Como também são espirituais as nossas emoções diante da grande arte, música ou literatura, ou de atos de coragem altruísta exemplar como os de Mahatma Gandhi ou Martin Luther King. A noção de que a ciência e a espiritualidade são de alguma maneira mutuamente exclusivas presta um desserviço a ambas.

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Crédito da foto: Site oficial de Marcelo Gleiser

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12.4.10

Reflexões sobre o mal, parte 2

continuando da parte 1...

Escuridão (substantivo): 1. Ausência de luz; 2. Breu.

Os mestres da escuridão

Era abril de 65 d.C., em uma villa aos arredores de Roma. Um centurião romano havia chegado à casa de um dos grandes filósofos do estoicismo com instruções do imperador: Sêneca deveria dar cabo de sua vida imediatamente. Aos 28 e portador de distúrbios mentais, Nero havia sido informado de que havia uma conspiração para afastá-lo do trono. Fora de si, procurava vingar-se indiscriminadamente. Embora não houvesse provas do envolvimento de Sêneca no conluio e apesar do fato de ele ter sido preceptor de Nero por cinco anos e ter atuado como seu leal ministro durante uma década, Nero o havia sentenciado à morte por medidas acautelatórias. Àquela altura ele já havia promovido o assassinato de seu meio-irmão, de sua mãe e de sua esposa; havia também se livrado de um grande número de senadores e cavaleiros, atirando-os aos crocodilos e leões, e incendiado Roma – Exaltado, comemorou ao vê-la consumida pelas chamas [1].

Ao tomarem conhecimento da ordem de Nero, seus amigos empalideceram e começaram a chorar. Mas Sêneca permaneceu impassível:

“Onde está sua filosofia, perguntou ele, e o que foi feito da decisão de jamais se deixarem abater diante da iminência de qualquer desgraça que, durante tantos anos, todos vêm incentivando uns aos outros a manter? Certamente ninguém ignorava que Nero era cruel – acrescentou – Depois de matar a mãe e o irmão, só lhe restava matar seu conselheiro e preceptor.”

Impassível até o fim, aquele que sempre esteve pronto para a sorte e o revés da Fortuna, despediu-se deste mundo com a tranqüilidade daqueles sábios que estavam em paz com a própria consciência: “Devo minha vida a filosofia” – afirmava, e realmente seguiu-a até o fim.

Eis que há muitos que consideram Nero um dos “mestres da escuridão”, um dos seres mais malévolos que já habitaram o planeta. Mas em que exatamente Nero era mestre? Perseguiu, torturou e matou qualquer um que fosse contra sua opinião, e mesmo aqueles que nunca foram, mas que em sua paranóia achou que fossem... Colocou fogo na própria cidade e tocou alegremente sua lira enquanto ela ardia em chamas... Condenou a morte uma das pessoas mais sábias de sua época, que inclusive foi seu mentor em filosofia durante anos...

Que tipo de “mestre” é esse? Um ser que não aceita frustrações? Que sente-se perseguido aonde quer que vá? Que apesar do imenso poder, apesar de todo seu império, nunca chegou nem perto de conquistar a si mesmo? Ora, isso mais me parece com um bebê mimado, que não aceitava um “não” da realidade (a deusa Fortuna a que Sêneca gostava de se referir)... Mas então, muitos podem afirmar que se tratava apenas de um doente mental.

Passemos adiante então: Século XX... Adolf Hitler, o grande “anticristo” responsável direto pela morte de milhões nas grandes guerras mundiais. Documentos apresentados durante o Julgamento de Nuremberg indicam que, no período em que Adolf Hitler esteve no poder, grupos minoritários considerados indesejados - tais como Testemunhas de Jeová, eslavos, poloneses, ciganos, homossexuais, deficientes físicos e mentais, e judeus - foram perseguidos no que se convencionou chamar de Holocausto. O grande líder carismático do Nazismo, que conseguiu convencer quase toda a Alemanha a acompanhá-lo em uma “marcha de purificação”, na tentativa de fazer uma “seleção natural forçada” que deixasse na face do planeta apenas sua adorada raça ariana.

Onde foi parar aquele jovem que desejava tornar-se um pintor em Viena? De onde vieram tais delírios de grandeza? Tamanha ignorância perante a natureza? Será mesmo que – apesar de todo seu conhecimento oculto – achou mesmo que poderia “bancar o Deus”, o “administrador supremo” das etnias da Terra? Aonde queria chegar ó grande “mestre da escuridão”?

Há quem acredite até os dias atuais que ele foi um grande líder do mal, um digno representante do mítico Satanás em nosso plano físico. Quanta inteligência, quanta força, quanto conhecimento usado para o mal!

Será mesmo? Será que aquele homem de origem humilde (fazia questão de esconder de onde veio), que inicialmente inclinou-se para as artes (de onde nunca deveria ter saído), era mesmo este homem impassível, este “senhor das trevas”?

Os fatos históricos falam por si mesmos: Adolf Hitler cometeu suicídio no seu quartel-general (o Führerbunker), em Berlim, a 30 de abril de 1945, enquanto o exército soviético combatia já as duas tropas que defendiam o Führerbunker (a francesa Charlemagne e a norueguesa Nordland). Segundo testemunhas, Adolf Hitler já teria admitido que havia perdido a guerra desde o dia 22 de abril, e desde já passavam por sua cabeça os pensamentos suicidas.

Um tiro na cabeça. Ó grande “mestre do mal”, é este o seu legado, é esta a sua força e sua determinação? Quando as coisas desandam e a realidade intervém, quando o poder esvai das mãos como óleo, é essa a sua demonstração de coragem? Meu caro artista frustrado, antes tivesse aproveitado sua vida para estudar as cores e o claro-escuro, a música e a filosofia, até mesmo na literatura oculta teria tido um melhor proveito... Ó grande conquistador, tudo o que conquistou foram sangue e ossos, que todos que o amaram seguiram uma ilusão – uma “nuvem de vontade” que se desfez na primeira brisa da Fortuna. Teria sido melhor conquistar a si próprio, e ter conquistado algo de real nessa existência!

Eis que todos esses “mestres da escuridão” apenas nos demonstraram o quão ignorantes, fracos e mimados, foram em suas patéticas existências. Afinal quem é mais forte, àquele que açoita por se achar no direito de julgar quem é bom e quem é mal, ou aquele que, mesmo em sendo açoitado, mesmo diante da morte, permanece impassível em sua confiança em si mesmo e na grandeza de seus ideais? – sejam eles vindos de sua religião ou filosofia ou ciência, ou de qualquer combinação entre elas...

O grande Sêneca tinha um conselho para aqueles que, em tendo seus desejos diminuídos ou extinguidos pela realidade, se tornavam raivosos e descontrolados – parecendo antes com animais do que com “senhores das trevas”:

“Não existe caminho mais rápido para a insanidade. Muitas pessoas irritadas atraem a morte para seus filhos, a pobreza para si e a ruína para seus lares, negando que estão encolerizadas, da mesma forma que os loucos negam a própria insanidade. Inimigos de seus amigos mais chegados... indiferentes às leis... agem pela força... O maior de todos os males apodera-se deles, o mal que supera todos os vícios.”

Raiva e irracionalidade, delírios de grandeza, ignorância plena das leis naturais que ditam em qualquer pedra e qualquer galho partido, e em cada uma das estrelas do céu: estamos todos conectados.

Oh! O mal, o “grande mal” – é só a ilusão dos fracos, o beco sem saída dos desesperados... Desistam dessas promessas feitas pelo mais medíocre dos mitos, venham para o outro lado, venham para onde há música! Há que se conquistar a si mesmo, esta sim é a verdadeira força [2], a verdadeira virtude:

Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? (Cristianismo)

Melhor é o que demora a irar-se do que o poderoso; e o que controla o seu ânimo do que aquele que toma uma cidade. (Judaísmo)

O maior guerreiro não é aquele que vence em batalhas milhares de homens, mas aquele que vence a si mesmo. (Budismo)

A mais excelente jihad é a da conquista do ego. (Islamismo)

Aquele que vence os outros é forte; aquele que vence a si mesmo é poderoso. (Taoísmo) [3]


A seguir, será que nossa consciência conhece nosso mal?...

***

[1] O primeiro parágrafo foi retirado do texto de Alain de Botton em "As consolações da filosofia" (editora Rocco). Também utilizei ao longo do artigo algumas citações de Sêneca e Tácito (interpretado por David) conforme constam no mesmo livro. A tradução é de Eneida Santos.

[2] Uns acreditam que toda força está somente na ação, mas outros compreendem quanta força pode haver na inação. Gandhi nos ensinou a reconquistar um império utilizando outra espécie de força, infelizmente ainda desconhecida da maioria de nós.

[3] Citações de trechos das respectivas doutrinas religiosas de acordo com o livro “Unidade”, de Jeffrey Moses (editora Sextante). Obviamente que o conceito de cada palavra deve ser analisado dentro do contexto, o “poderoso” do Judaísmo não é o mesmo do Taoísmo.

***

Crédito da imagem: Wilhelm von Gloeden/Alinari Archives/CORBIS (homem vestido como o imperador Nero)

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10.4.10

Não precisa passagem no trem

Uma homenagem a Raul Seixas e seu inesquecível "O Trem das 7", numa curiosa edição da animação "O Expresso Polar" (Warner Bros.) por daffad:

Ói, ói o trem, vem surgindo de trás das montanhas azuis, olha o trem
Ói, ói o trem, vem trazendo de longe as cinzas do velho éon

Ói, já é vem, fumegando, apitando, chamando os que sabem do trem
Ói, é o trem, não precisa passagem nem mesmo bagagem no trem

Quem vai chorar, quem vai sorrir?
Quem vai ficar, quem vai partir?
Pois o trem está chegando, tá chegando na estação
É o trem das sete horas, é o último do sertão, do sertão

Ói, olhe o céu, já não é o mesmo céu que você conheceu, não é mais
Vê, ói que céu, é um céu carregado e rajado, suspenso no ar

Vê, é o sinal, é o sinal das trombetas, dos anjos e dos guardiões
Ói, lá vem Deus, deslizando no céu entre brumas de mil megatons

Ói, olhe o mal, vem de braços e abraços com o bem num romance astral

Amém

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9.4.10

Um médium notável, parte 2

continuando da parte 1...

Que nos sobra então após tantas suposições? Nada mais do que suposições. Se é verdade que alegações extraordinárias requerem evidências extraordinárias, se é verdade que “não é possível experimentar com espíritos conforme se faz com uma pilha voltaica” – conforme disse Kardec –, e finalmente, se é verdade que a existência do espírito ainda requer comprovação experimental, então da mesma forma os céticos tem de correr atrás de comprovações para suas alegações. Recorrer à opinião de sobrinhos alcoólatras (que depois se ratificou das acusações ao tio), de supostos ex-coordenadores das reuniões de Chico em Uberaba, de “pesquisadores” que tem a idéia fixa de provar que Chico era uma fraude – nada disso será suficiente. De nada adianta encarar um fenômeno com um pré-julgamento em mente (“Todo médium é um fraude!”; “Espiritismo é coisa do demônio!”; “Espíritos existem e Chico é um santo!”), não sobrará espaço algum para qualquer análise objetiva – apenas para sua opinião subjetiva, que em todo caso já estava definida a priori.

Felizmente temos pesquisas sérias e aprofundadas sobre o fenômeno (leia-se: fato, e não mera teoria ou opinião) da produção literária de Chico:

O site Obras Psicografadas possui vasta análise cética de inúmeras obras espíritas, neste site existe uma análise de que certas obras de Chico podem ter plagiado textos pré-existentes. Na verdade, esse tipo de análise cai dentro do âmbito da hipótese da criptomnésia, já que dificilmente Chico iria se dar ao trabalho de inserir conscientemente certos trechos de outras obras, quando em realidade a vasta quantidade de sua produção literária fala por si só... De onde haveria “plagiado” todas as descrições minuciosas dos livros ditados por Emmanuel e André Luis? Que houvesse, sem querer, “plagiado” alguns trechos, é até verossímil... Que essa explicação se estendesse para toda sua obra, absolutamente não.

Já a própria FEB (Federação Espírita Brasileira) pesquisou citações históricas presentes em livros de Chico. Gilberto Trivelato, coordenador do estudo, parece estar se certificando da autenticidade da obra de Chico: “Alguns relatos são tão detalhados que Chico não os faria nem com a ajuda das melhores bibliotecas... Um deles diz que a Catedral de Notre-Dame, em Paris, tinha escadas. Hoje ela não tem. Mas se você pesquisar a fundo, descobre que no século 19 tinha, por causa de enchentes”.

Pesquisa a fundo: isso dá trabalho... Muitos preferem as generalizações e julgamentos apressados. Muitos se indignam com a possibilidade de um médium do interior de Minas ser, talvez, o maior brasileiro que já existiu. Um homem cuja obra obviamente ainda não pôde ser totalmente compreendida, mas cujo carisma arrastou multidões.

Merece a obra de Chico receber aprovação e credibilidade imediata pelos espíritas e simpatizantes? Obviamente que não, senão não seríamos muito diferentes dos pseudo-céticos... Uma coisa são as obras ditadas por Emmanuel e André Luis, outra são obras ditadas supostamente pela mãe de Chico (com todo respeito) com supostas descrições dos “seres alados de Marte” ou versões ufanistas da história do Brasil, considerado o “coração do mundo” por Humberto de Campos. E mesmo entre os espíritas de longa data há calorosas discussões acerca do relato das migrações entre planetas de “A Caminho da Luz” (embora o Gênesis de Kardec também afirme isso) – será que houve mesmo a migração de Capela?

Mas acima de tudo, há que se considerar que espíritos não são infalíveis, e falam somente sobre o que sabem: nada mais, nada menos. Considerar que Chico tenha sido ludibriado por espíritos zombeteiros, que afirmavam serem pessoas que em realidade não eram, talvez seja mais difícil de crer considerando a proteção quase permanente de Emmanuel. Mas e quanto ao próprio Emmanuel? Apesar de iluminado pela convivência no plano espiritual, não deixava de ser um ex-padre católico, no mínimo um espírito com enormes tendências ao lado religioso da doutrina – ao contrário de André Luis, que era um entusiasta da ciência.

Quanta coisa a ser levada em consideração... Quantos debates passados e vindouros... Quantas histórias contadas, e por contar, nos deixou esse médium notável! E quanto a Chico, será que o “capim de Deus” estaria hoje preocupado com seu legado?

“A doutrina é de paz... Emmanuel tem me ensinado a não perder tempo discutindo. Tudo passa... As pessoas pensam o que querem a meu respeito – pensam e falam. Estou apenas tentando cumprir com o meu dever de médium.” – respondeu-nos o médium ainda vivo [5].

Todo esse frenesi em torno de Chico, uns atacando-o como um demônio, outros o idolatrando como um santo, tudo isso também passa. Chico não é nem nunca foi o mito que as pessoas fizeram dele. “Não pretendo ser líder de nada” – afirmava. Chico foi a pessoa humilde do interior de Minas, o doce caipira com uma eterna doçura no olhar – mesmo por detrás dos óculos, todos que o conheceram sentiram-na –, aquele que agia naturalmente no amor, e continuará agindo.

Não se exponham a discussões inúteis com “céticos” e/ou “evangélicos” de opinião cristalizada... Deixem que julguem conforme acharem melhor, que enquanto não comprovarem nada, a obra de Chico e o seu exemplo moral continuarão falando por si próprios.  Deixem os caminhos da doutrina em movimento, que o espiritismo não foi feito para se dogmatizar em um “kardecismo” ou uma “idolatria a Chico”. Deixem Chico em paz em suas planícies mineiras do outro lado do véu. Ou não, tanto faz – ele cumpriu sua missão.

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[5] Trecho de depoimento ao Jornal O Ideal - Nº 56 - Janeiro de 2000.

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Artigo relacionado: Chico Xavier: charlatão?

Crédito da imagem: um dos cartazes de Chico Xavier, O Filme.

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Um médium notável, parte 1

E lá se vão 100 anos do nascimento do maior médium brasileiro. Naturalmente que tenhamos uma renovação do interesse pelo tema Chico Xavier: desde filmes a livros e matérias de revistas conhecidas, além é claro dos costumeiros ataques. Chico sempre inspirou os crentes e incomodou os céticos, tentarei explicar o motivo...

Um breve resumo de sua vida se encontra na Wikipedia: Nascido de uma família pobre em Pedro Leopoldo, região metropolitana de Belo Horizonte, era filho de Maria João de Deus e João Cândido Xavier. Educado na fé católica, Chico teve seu primeiro contato com a Doutrina Espírita em 1927, após fenômeno obsessivo verificado com uma de suas irmãs. Passa então a estudar e a desenvolver sua mediunidade que, como relata em nota no livro " Parnaso de Além-Túmulo", somente ganhou maior clareza em finais de 1931.

O seu nome de batismo Francisco de Paula Cândido foi dado em homenagem ao santo do dia de seu nascimento, substituído pelo nome paterno de Francisco Cândido Xavier logo que "rompeu" com o catolicismo e escreveu seus primeiros livros. O mais conhecido dos espíritas brasileiros contribuiu para expandir o movimento espírita brasileiro e encorajar os espíritas a revelarem sua adesão à doutrina sistematizada por Allan Kardec.

Sua credibilidade serviu de incentivo para que médiuns espíritas e não-espíritas realizassem trabalhos espirituais abertos ao público. Chico é lembrado principalmente por suas obras assistenciais em Uberaba, cidade onde faleceu. Nos anos 1970 passou a ajudar pessoas pobres com o dinheiro da vendagem de seus livros, tendo para tanto criado uma fundação.

Eis um homem praticamente inatacável: Doou todos os direitos autorais de suas obras para a caridade. Não foram poucas obras, nem produzidas nem vendidas. Houvesse retido os direitos, lucraria uma média de 670mil reais por ano (nos valores atuais) durante a vida [1]. Houve quem tentasse encontrar uma lógica absurda de lucro, baseada em “mimos” que as dezenas de editoras diferentes retornavam a Chico, mas o absurdo do ataque fala por si mesmo.

Nada consta, igualmente, de sua vida sexual: Passou a vida toda como assexuado, dedicando todo seu tempo a caridade, a produção literária (psicografias), ao trabalho (aposentou-se como escrivão e datilógrafo no Ministério da Agricultura) e a divulgação da doutrina espírita. Seu filho, Eurípedes, foi adotado, e hoje registrou a assinatura do pai, recebendo os 10% do lucro de tudo que é lançado com ela – inclusive os filmes (nem todos são "santos", obviamente).

A espiritualidade sempre se preocupou em manter Chico além de qualquer tipo de ataque. Pesquisando, encontramos fatos curiosos: o livro que deu origem ao filme com seu nome, “As vidas de Chico Xavier”, foi baseado numa pesquisa do jornalista – e cético – Marcel Souto Maior sobre a vida de Chico. Porém, não foi lançado após sua morte, a primeira edição consta de 1994 (mesmo a Wikipedia está errada). Ocorre que a pesquisa de Marcel foi “permitida” pelo guia de Chico porque este já sabia que ela seria muito importante para o futuro. E realmente foi: vendeu como água (e apareceu nos radares dos “céticos de plantão”, que perderam a oportunidade de analisá-la quase uma década antes) em 2002, após a morte de Chico (conforme a “profecia”, no dia em que o Brasil todo estava feliz, tendo ganho a Copa do Mundo).

Eis que uma biografia escrita por um cético gerou um filme dirigido por um ateu (Daniel Filho), tendo o papel de protagonista recaído sobre um ator que além de ateu sempre foi comunista (Nelson Xavier). Todos se disseram “mudados” pela história de Chico [2], e o filme já consta como a maior bilheteria de um lançamento do cinema nacional desde sua retomada em 1995. Não, Emmanuel não estava brincando em serviço, ele quis realmente se certificar que não teriam absolutamente nada para atacar tanto no livro quanto no filme (que, diga-se de passagem, também não tiveram envolvimento comercial com nenhuma editora espírita, nem com a FEB).

Sim, Emmanuel era chato mesmo. Se é verdade que tendia muito para o lado religioso da doutrina (já que fora na última encarnação o Padre Manuel da Nóbrega [3]), não se pode reclamar de seu cuidado com os mínimos detalhes da postura de Chico. Quando os jornalistas da Revista Cruzeiro realizaram a famosa reportagem tentando desacreditá-lo (isso está descrito no livro de Marcel), para a reclamação de Chico o guia respondeu: “Jesus Cristo foi para cruz. Você foi para a Revista Cruzeiro”.

Até mesmo a questão do uso das perucas foi veementemente desaconselhada pelo guia – mas os cuidados com a aparência, ao seu gosto duvidoso, Chico fez questão de manter até o fim. Talvez, se mesmo nesse detalhe houvesse seguido a opinião de Emmanuel, muitos não o julgariam apressadamente como charlatão somente porque esconde a calvície (sim, para o ignorante qualquer motivo é motivo).

Em todo caso, os céticos nunca desistiram de tentar explicar o fenômeno da produção literária de Chico – mais de 400 livros de mais de 2mil supostos autores espirituais diferentes. Filtrando os ataques ad hominem falaciosos, chegamos a algumas suposições céticas dignas de nota:

Que era um leitor voraz
Se é verdade que Chico largou o colégio aos 13 anos (na quarta série do primário) para trabalhar, não é verdade que fosse um iletrado e ignorante completo. Sim ele certamente lia bastante, além de escrever cartas pessoais a amigos. Mas será que isso explica a maneira prolífera como escreveu em diversos gêneros literários, no mínimo em pé de igualdade com a qualidade dos supostos autores espirituais enquanto eram vivos? – E isso já desde as poesias de seu primeiro livro (talvez, não tenha iniciado pelas poesias sem razão).

Que possuía “vasta” biblioteca
Segundo consta, sua “vasta” biblioteca chegou um dia a possuir cerca de 500 livros e revistas, com obras em inglês, francês e até hebraico (ele não sabia ler hebraico). A lista inclui obras de pelo menos dois autores dos quais psicografou: Castro Alves e Humberto de Campos. Muito bem, isso talvez explicasse as psicografias desses autores, mas e quanto às centenas de outros autores? Será mesmo que em lendo “cerca de 500 livros e revistas” estaremos aptos a escrever livros com a quantidade e qualidade que Chico escreveu? Ora, a biblioteca ainda está lá em Uberaba, preservada pelo seu filho – enviemos então nossas crianças para lá, vamos criar uma nação de gênios da literatura!

Que sofria de criptomnésia
Este é um distúrbio de memória que faz com que as pessoas se esqueçam que conhecem uma determinada informação. Segundo a teoria, Chico psicografava “sem saber” do próprio inconsciente, e resgatava as informações que já havia “lido em algum lugar” durante a vida. Ora, digamos então que sua biblioteca aliada aos livros e revistas que eventualmente leu durante a vida expliquem como tais informações foram parar em seu inconsciente sem que ele soubesse – e quanto à poesia? E quanto aos livros científicos? E quanto às respostas sobre economia e outros assuntos totalmente fora de sua alçada que deu aos “inquisidores” da Revista Cruzeiro? E quanto às respostas em rede nacional que deu durante o Pinga-Fogo da TV Tupi? Como será que tal conjunto de informações gerou tamanho conhecimento, tamanha habilidade poética?
Sobre esta hipótese no mínimo tão fantástica quanto à hipótese dos espíritos existirem, Monteiro Lobato um dia declarou: “Se Chico Xavier produziu tudo aquilo por conta própria, merece quantas cadeiras quiser na Academia Brasileira de Letras”.

Que comparecia a sessões de materialização de espíritos fraudulentas
Se são fraudulentas ou não, não vem ao caso comentar, pois não quero aqui convencer ninguém de realidade ou irrealidade da existência de espíritos e/ou materializações. Mas é necessário notar que tais episódios que (bem ou mal) exporam Chico ao ridículo da mídia da época foram cuidadosamente orquestrados (novamente) pelos “jornalistas” da Revista Cruzeiro [4]. A lição que ficou do episódio foi prontamente assimilada por Chico, tanto que se afastou da mídia por anos, até o retorno triunfal no Pinga-Fogo de 1971. Fossem as materializações reais ou não, o espiritismo não se presta a esse tipo de espetáculo. É uma doutrina de reforma íntima, de autoconhecimento, de caridade, não de shows de materialização. “Lição aprendida meu caro Emmanuel”!

Na continuação, algumas conclusões sobre tais suposições, e uma mensagem final...

***

[1] Segundo reportagem da Superinteressante de Abril de 2010, matéria da capa sobre Chico Xavier. Mesmo que não sejam valores exatos, certamente era muito, muito mais dinheiro do que a realidade de funcionário público (de baixo escalão) rendeu a ele durante a vida. Algumas citações no artigo (partes 1 e 2) foram retiradas da mesma reportagem.

[2] Essa “mudança” é narrada no livro de Marcel Souto Maior sobre os bastidores da filmagem de Chico Xavier, O Filme. Não quer dizer, nem de longe, que tenham se convertido ao espiritismo... Mas o exemplo moral de Chico é capaz de afetar – no bom sentido – até os maiores opositores da doutrina, contanto é claro que se disponham a estudá-lo.

[3] Em sua época, de português antigo, o padre assinava os documentos como “Emmanuel”, daí ter mantido esta grafia.

[4] Outro episódio narrado no livro de Marcel Souto Maior: "As vidas de Chico Xavier".

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Crédito da imagem: um dos cartazes de Chico Xavier, O Filme.

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8.4.10

Reflexões sobre o mal, parte 1

A idéia de mal geralmente se refere a tudo aquilo que não é desejável ou que deve ser evitado. O mal está no vício, em oposição à virtude [1].

O bode expiatório

Diz à lenda que o jovem Einstein corrigiu seu professor quando este, em plena sala de aula, afirmou que “se Deus criou todas as coisas, então Deus também é mau, visto que criou o mal”:

“Me desculpe professor, o frio existe?” – Na afirmativa do professor, ele prosseguiu – “Na verdade, professor, o frio não existe. De acordo com as leis da física, o que nós consideramos como frio é na realidade a ausência do calor.”

“E a escuridão professor, ela existe?” – Ainda confuso, ele novamente disse que obviamente existia – “Você está errado senhor, a escuridão tampouco existe, a escuridão é na realidade a ausência de luz. A luz nós podemos estudar, mas não podemos estudar algo que inexiste: a escuridão.” – Finalmente, o jovem concluiu: “O mal não existe, ele é como o frio e a escuridão. Deus não criou o mal, o que chamamos de mal é o resultado de quando os homens não possuem o amor de Deus em seu coração...”

Independente de ter sido uma história real ou alguma invenção religiosa para atacar a idéia de que Deus criou o mal, o que nos importa é que a lógica é verdadeira: certamente, o mal não existe, não é uma força. Pela lógica, a questão da existência de Deus se fundamenta na questão da criação em si – algo existe, algo que é essencialmente infinito... O amor sim, nos dá evidências subjetivas de ser uma força inesgotável, uma fonte de onde quanto mais se tira água, mais água se tem. O mal seria tão somente a ausência ou ignorância deste amor.

Porém, se o mal não existe, quem diabos seria Satanás? Ele é uma figura muito controvertida na Bíblia. A palavra "Satã" significa em hebraico "acusador", "opositor". Aparece, pela primeira vez no livro de Jó, sendo como um promotor celestial. A sua intimidade com Deus e o direito de entrar no "Céu", de ir e vir livremente e dialogar com Ele, torna-o uma figura de muito destaque. Veja o livro de Jó 1:6 – "Um dia em que os filhos de Deus se apresentaram diante do Senhor, veio também Satanás entre eles". O livro de Jó foi escrito depois do exílio babilônico. Sabemos que o povo judeu, tendo retornado a Israel com a permissão de Ciro, rei persa, no ano 538 a.C, assimilou muitos costumes dos persas e do zoroastrismo.

O zoroastrismo foi uma das mais antigas religiões a ensinar o triunfo final do bem sobre o mal. No fim, haverá punição para os maus, e recompensa para os bons. E foi do zoroastrismo que os judeus aprenderam a crença em um Ahriman, um diabo pessoal, que, em hebraico, eles chamaram de Satan - Por isso, o seu aparecimento na Bíblia só ocorre no livro de Jó e nos outros livros escritos após o exílio babilônico. Nestes livros já aparece à influência do zoroastrismo persa. Observe ainda que a tentação de Adão e Eva é realizada pela serpente e não por Satanás, demonstrando assim que o escritor do Gênesis não conhecia Satanás.

Passa a existir a partir daí, "uma lenda" entre o povo judeu de que Satanás é considerado como o rei dos demônios, que se rebelara contra Deus sendo expulso do céu. Ao exilar-se do céu, levou consigo uma hoste de anjos caídos, e tornou-se seu líder. A rebelião começou quando ele, Satanás, o maior dos anjos, recusou prestar homenagem a Adão. Afirmam ainda que esteve por trás do pecado de Adão e Eva, no Jardim do Éden, mantendo relação sexual com Eva. Ajudou Noé a embriagar-se com vinho e tentou persuadir Abraão a não obedecer a Deus no episódio do sacrifício do seu filho Isaac [2].

Muitas pessoas acreditam muito no poder de Satanás e até o enaltecem em suas igrejas, interessante como as igrejas que tanto combateram o paganismo tenham como um de seus personagens principais um mito essencialmente pagão. Seu reino, o Inferno, sofreu influência do Tártaro da mitologia grega, morada de Hades, local para onde iam as almas dos mortos; seus chifres eram de , uma entidade grega protetora da natureza; e ainda encontramos coincidências com as crenças dos antigos Egípcios, quando se acreditava que o Deus Anúbis (o Chacal) carregaria a alma dos mortos cujo coração ao ser pesado numa balança, seria mais pesado que uma pluma. Porém, acima de tudo, o próprio conceito de uma entidade que personifica o mal e disputa almas com o próprio Deus é, na melhor das hipóteses, um hino ao paganismo.

Se Deus não pode ter criado o mal, se o mal não existe – sendo tão somente a ignorância do bem –, como explicar a ilusão persistente deste mito por tantos e tantos séculos? Ora, talvez a explicação esteja no fato de Satanás, o Diabo, ser o bode expiatório perfeito...

Como certas pessoas se aprazem com a ilusão de sua existência! Existindo um centralizador de todo o mal, justificam-se nossas próprias falhas: “Não fui eu quem me viciei em bebidas e drogas, foi à influência do Capeta que me levou ao vício!”; “Não fui eu quem bati na minha mulher, foi Belzebu quem me seduziu e guiou a minha mão!”; “Não entendo como pude deixar minha honestidade de lado e roubar dinheiro público. Sou um grande político... Acreditem por favor, isso tudo foi obra de Lúcifer!”

E o bode expiatório também serve para justificar ataques ilógicos a crenças alheias, e a ciência: “Não mexo com espiritismo, isso é coisa do demônio!”; “Esse negócio de evolução foi coisa que o Cramulhão soprou nos ouvidos de Darwin, afastando-o da fé cristã!”; “Esta é sua última chance de aceitar Nosso Senhor Jesus Cristo, pois Lúcifer está sempre a espreita, esperando pelas almas desgarradas no Dia do Juízo!”

Mas o verdadeiro medo de toda essa gente é admitir que são as únicas culpadas pelo seu próprio mal. Olhe para dentro, admita que o Diabo só está em você mesmo, é único e exclusivamente seu. O seu Satanás não é igual ao Satanás de mais ninguém. Conversa com ele, faça as pazes, sublime-se de seu lado animal... e seu amor também não será igual ao de mais ninguém. Cada ser é único e reúne em si todas as possibilidades do caminho que se opõe a ignorância, sempre.

Está escrito na sua consciência e em cada linha de sua mão, não fui eu quem falei... Se Deus não criou seres perfeitos, nem entre homens nem entre anjos, foi porque não desejou que sua criação fosse palco de um espetáculo esquematizado por autômatos, por seres que não conquistaram bem algum, visto que já foram programados assim.

Nós, porém, fomos criados ignorantes. Longe de ser uma maldade, esta é a suprema benção do criador: deixar que cada ser conquiste o próprio bem, o próprio conhecimento e sabedoria, o próprio amor. Nunca ninguém conseguiu acender a luz rápido o bastante para ver a escuridão, mas se um dia alguém visse, perceberia que o Inferno nada mais é do que um beco sem saída, uma terra de estagnação.

Ninguém evolui no mal; não há uma guerra entre o bem e o mal, e nenhuma guerra algum dia foi santa. Não existe essa tal dualidade entre o bem e o mal, há apenas a ignorância, e o autoconhecimento.

A seguir: os “mestres da escuridão”, esses mimados...

***

[1] Não digo que esta definição de mal inexista, o mal que ataco no artigo é essencialmente a idéia de um mal sobrenatural, e sua personificação em um ser que rivaliza com Deus. Em suma, o mal existente é o nosso próprio mal.

[2] Os três últimos parágrafos foram totalmente baseados em um artigo de autoria desconhecida.

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Crédito das imagens: [topo] Guto Lacaz (exposição "Einstein no Brasil"), [ao longo] William Holman Hunt (o bode expiatório da tradição judaica)

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Carta aberta aos espíritas

Neste vídeo - de inúmeros vídeos de Waldo Vieira falando sobre Conscienciologia no YouTube - o ex-parceiro de Chico Xavier[1] fala sobre os motivos que o levaram a deixar o movimento espírita. Não deixa de ser uma crítica ainda muito atual a forma com que o espiritismo foi implementado no Brasil, exaltando a parte religiosa muito acima da científica e filosófica[2]:

***

[1] Eles psicografaram diversos livros conjuntamente, separados por quilômetros de distância em suas respectivas cidades (do interior mineiro): um trazia os capítulos pares e outro os ímpares, e na junção os livros faziam uma perfeita sequência, sem a necessidade de ajustes posteriores. Sem dúvida um desafio para a psicologia moderna, pois não se pode - no caso - afirmar que tais informações vinham apenas do inconsciente do médium.

[2] Há que se considerar o fato de que praticamente todos os espíritas brasileiros vieram do catolicismo. Mas talvez a influência derradeira tenha sido a do próprio Chico Xavier com seu imenso carisma - não por má intenção, mas por sempre ter sido um devoto do cristianismo, e um essência uma pessoa absolutamente simples. Também vale lembrar que igreja e doutrina não são exatamente o mesmo que religião, quando Waldo Vieira fala em "kardecismo", está evidenciando que o espiritismo veio a se tornar mais doutrina (dogma) do que religião (religação a Deus). Não sou tão radical quanto ele na análise, mas em todo caso minha religião é meu pensamento.

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7.4.10

O portador da luz

Texto retirado da Wikipedia, no verbete "Lúcifer".

Lúcifer (em hebraico, heilel ben-shachar, הילל בן שחר; em grego na Septuaginta, heosphoros) representa a estrela da manhã (a estrela matutina), a estrela D'Alva, o planeta Vênus, mas também foi o nome dado ao anjo caído, da ordem dos Querubins, como descrito no texto Bíblico do Livro de Ezequiel, no capítulo 28. Nos dias de hoje, numa nova interpretação da palavra, o chamam de Diabo (caluniador, acusador), ou Satã (cuja origem é o hebraico Shai'tan, que significa simplesmente adversário). Atualmente discute-se a probabilidade de Lúcifer ter sido um rei assírio da Babilônia.

Significado/Origem
A palavra Lúcifer significa "o portador da luz" ou "o portador do archote" (a palavra tem sua origem no latim, lux ou lucis com o significado de "luz"; ferre com o significado de "carregar"). Ou seja, de acordo com a origem, seu significado é "aquele que carrega a luz". O nome Lúcifer ocorre uma vez nas Escrituras Sagradas e apenas em algumas Traduções da Bíblia em língua portuguesa, geralmente usado na "Vulgata" para referir a "Estrela da Manhã", ou um "filho do sol". Por exemplo, a tradução de Figueiredo verte Isaías 14:12: "Como caíste do céu, ó Lúcifer, tu que ao ponto do dia parecias tão brilhante?"

A designação descritiva de Isaias 14:4, 12, provém duma raiz que significa "brilhar" (Jó 29:3), e aplicava-se a uma metáfora aplicada aos excessos de um "rei de Babilônia", não a uma entidade em si, como afirma o pesquisador iconográfico Luther ("O Diabo: máscara sem rosto". Cia. das Letras, 1998), "Isaías não estava falando do Diabo.Usando imagens possivelmente retiradas de um antigo mito cananeu, Isaías referia-se aos excessos de um ambicioso rei babilônico"

A expressão hebraica (heilel ben-shahar) é traduzida como "o que brilha", nas versões NM, MC, So. A tradução "Lúcifer" (portador de luz), (Fi, BMD) deriva da Vulgata latina de Jerónimo e isso explica a ocorrência desse termo em diversas versões da Bíblia. Mas alguns argumentam que Lúcifer seja Satanás e por isso, também foi o nome dado ao anjo caído, da ordem dos Querubins (Ez 28:14). Assim, muitos nos dias de hoje, numa nova interpretação da palavra, o chamam de Diabo (caluniador, acusador), ou Satã (cuja origem é o hebraico Shai'tan, Adversário).

Hebraísmo/Judaísmo
Os judeus o chamam de heilel ben-shachar, onde heilel significa Vênus e ben-shachar significa "o luminoso, filho da manhã". Alguns judeus interpretam Lúcifer como uma referência bíblica a um rei babilônico. Mais tarde a tradição judaica elaborou a queda dos anjos sob a liderança de Samhazai, vindo daí a mesma tradição dos padres da Igreja.

Conceito da Igreja Católica
Segundo a igreja católica, Lúcifer era o mais forte e o mais belo de todos os Querubins. Então, Deus lhe deu uma posição de destaque entre todos os seus auxiliares. Segundo a mesma, ele se tornou orgulhoso de seu poder, que não aceitava servir a uma criação de Deus, "O Homem", e revoltou-se contra o Altíssimo. O Arcanjo Miguel liderou as hostes de Deus na luta contra Lúcifer e suas legiões de anjos corrompidos; já os anjos leais a Deus o derrotaram e o expulsaram do céu, juntamente com seus seguidores. Desde então, o mundo vive esta guerra eterna entre Deus e o Diabo; de seu lado Lúcifer e suas legiões tentam corromper a mais magnífica das criaturas mortais feitas por Deus, o homem; do outro lado Deus, os anjos, arcanjos, querubins e santos travam batalhas diárias contra as forças do Mal (personificado em Lúcifer). Que maior vitória obteria o Anticristo frente a Deus do que corromper e condenar as almas dos humanos aos infernos, sua morada verdadeira?

A aparência de Lúcifer pode variar; acredita-se que ele (chamado agora de Diabo), pode assumir a forma que desejar, podendo passar-se por qualquer pessoa. Seu aspecto físico criado pela Igreja em seus primeiros séculos (e posteriormente herdado pelas várias religiões cristãs) fora copiado de várias entidades das mitologias e religiões de diferentes povos antigos (não exatamente ligadas a maldade); Seu reino, os Infernos, sofreu influência do Tártaro da mitologia grega, morada de Hades, local para onde iam as almas dos mortos, cuja porta de entrada era guardada por Cérbero, o Cão de três cabeças; seus chifres eram de , uma entidade grega protetora da natureza; sua fama de representar uma força eternamente em conflito com Deus veio do Zoroastrismo. Ainda encontramos coincidências com as crenças dos antigos Egipcios, quando se acreditava que o Deus Anúbis (o Chacal) carregaria a alma dos mortos cujo coração ao ser pesado numa balança, seria mais pesado que uma pluma.

Durante a "baixa Idade Média", entretanto, que o "Anjo Decaído" ganhou a hedionda aparência com a qual o conhecemos hoje; asas de morcego, pés de bode, olhos de fogo, chifres enormes na cabeça, olhar aterrorizante, etc. A idade das trevas fora um momento fértil para a propagação nas crenças nas ações de forças demoníacas agindo sobre o mundo. Os milhões de mortos nas epidemias de peste negra vieram, juntamente com a ocorrência de guerras sangrentas, de que "o Anticristo estaria atuando no mundo". Foi aí que Lúcifer passou a representar a personificação do mal da forma mais intensa e poderosa que conhecemos hoje. Surge a crença de que para cada ser humano vivo na Terra, Lúcifer criou um demônio particular, encarregado de corromper aquele indivíduo; já Deus, não poderia deixar por menos, e criou para cada ser humano um "Anjo da Guarda" ao qual incumbia da missão de proteger e zelar pela alma daquela pessoa.

Interessante observar que o próprio Jesus Cristo é a estrela da manhã que ilumina até o fim dos tempos toda escuridão (trevas), como em Apocalipse 22:16 onde está escrito: "Eu, Jesus, enviei o meu anjo. Ele atestou para vocês todas essas coisas a respeito das Igrejas. Eu sou a raiz e o descendente de Davi, sou a estrela radiosa da manhã.". Assim como em II Pedro 1,19 que diz: "E temos, mui firme, a palavra dos profetas, à qual bem fazeis em estar atentos, como a uma luz que alumina em lugar escuro, até que o dia amanheça, e a estrela D'alva apareça em vossos corações.".

Apesar de Satanás ser originalmente conhecido como Lúcifer, perdeu seu posto ao desejar subir a alturas acima de Deus e de Seu Ungido (Jesus Cristo).

Outras opiniões
Muitos exegetas afirmam que não existe fundamentação bíblica para identificar Lúcifer como o Satã tentador. Esta confusão com Satã foi ocasionada por uma má interpretação de Isaías 14:12-15: "Como caíste desde o céu, ó estrela da manhã, filha da alva! Como foste cortado por terra, tu que debilitavas as nações! E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, aos lados do norte. Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo. E contudo levado serás ao (Seol) inferno, ao mais profundo do abismo".

Imagem de Lúcifer na catedral Saint-Paul de Liège, na Bélgica.Esta interpretação é geralmente atribuida a São Jerônimo, que ao traduzir a Vulgata atribuiu Lúcifer ao anjo caído, a serpente tentadora das religiões antigas, embora antes dele esta interpretação não existisse. Oficialmente a Igreja não atribui a Lúcifer o papel de Diabo, mas apenas o estado de "caído" (Petavius, De Angelis, III, iii, 4).

Por exemplo, a enciclopédia Estudo Perspicaz das Escrituras, vol.1, pág, 379, explica que "o termo "brilhante", ou "Lúcifer", é encontrado na "expressão proverbial contra o rei de Babilônia" que Isaías mandou profeticamente que os israelitas proferissem. De modo que faz parte duma expressão dirigida à dinastia babilônica.

Que o termo "brilhante" é usado para descrever um homem e não uma criatura espiritual é notado adicionalmente na declaração: "No Seol serás precipitado." Seol é a sepultura comum da humanidade — não um lugar ocupado por Satanás, o Diabo. Além disso, os que vêem Lúcifer levado a essa condição perguntam: "É este o homem que agitava a terra?" É evidente que "Lúcifer" se refere a um humano, não a uma criatura espiritual. — Isaías 14:4, 15, 16."

Por que se dá tal ilustre descrição à dinastia babilônica? Temos de dar-nos conta de que o rei de Babilônia seria chamado de brilhante apenas depois da sua queda e de forma escarnecedora. (Isaías 14:3). O orgulho egoísta induziu os reis de Babilônia a se elevarem acima dos em sua volta. A arrogância da dinastia era tão grande, que ela é retratada fazendo a seguinte declaração jactanciosa: "Subirei aos céus. Enaltecerei o meu trono acima das estrelas de Deus e assentar-me-ei no monte de reunião, nas partes mais remotas do norte... Assemelhar-me-ei ao Altíssimo." — Isaías 14:13, 14.

As "estrelas de Deus" são os reis da linhagem real de Davi. (Números 24:17) A partir de Davi, essas "estrelas" governavam desde o Monte Sião, e com o tempo, o nome Sião passou a ser aplicado a toda a cidade. Por decidir subjugar os reis judeus e depois removê-los daquele monte, Jerusalém, Nabucodonosor declara sua intenção de se colocar acima dessas "estrelas".

Em vez de atribuir a Deus o mérito dessa vitória sobre eles, coloca-se arrogantemente no lugar Dele. Portanto, é depois da sua queda que a dinastia babilônica é chamada zombeteiramente de "brilhante". Com certeza a arrogância dos governantes babilônicos realmente refletia a atitude de Satanás, o Diabo também chamado de o "deus deste sistema de coisas" ou o "deus deste mundo" (II Coríntios 4:4).

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Crédito da ilustração: Gustave Doré ("A Queda de Lúcifer", feita para o livro "O Paraíso Perdido" de John Milton)

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